5) É possível a antecipação da colheita da prova testemunhal, com base no art. 366 do CPP, nas hipóteses em que as testemunhas são policiais, tendo em vista a relevante probabilidade de esvaziamento da prova pela natureza da atuação profissional, marcada pelo contato diário com fatos criminosos.
Dispõe o art. 366 do CPP que se o acusado citado por edital não comparecer nem constituir advogado, “ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312”.
Assim que editada a Lei nº 9.271/96 (que conferiu a redação atual ao art. 366), parte da doutrina que timidamente se formou era no sentido de que, uma vez suspenso o processo, a antecipação da prova seria sempre cabível. Dizia-se que o esquecimento dos fatos era inevitável com o passar inexorável do tempo, ou seja, toda e qualquer testemunha (e também a vítima), fatalmente não mais se lembraria de detalhes do ocorrido, razão pela qual sua oitiva antecipada deveria ser sempre determinada.
Embora tenha sido esse o entendimento inicial do STJ, mais adiante jurisprudência e doutrina evoluíram em sentido diverso, o que culminou na cristalização da orientação resumida na súmula n° 455 do STJ, a saber: “A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”.
No que tange aos depoimentos de policiais, que, em razão da própria função, lidam com incontáveis situações nas quais são obrigados a testemunhar e, por isso, são mais suscetíveis ao esquecimento no decorrer do tempo, o STJ firmou a tese de que a produção antecipada de provas não contraria o disposto na súmula nº 455:
“3. Conforme o disposto no art. 366 do CPP, “se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal”. Ainda, a Súmula 455 do STJ estabelece que “a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”.
4. No caso dos autos, os recorrentes não foram encontrados, de modo que, citados por edital, o Juízo de primeiro grau, demonstrando fundamentadamente a necessidade da produção antecipada de provas, apontou motivos concretos indicativos da medida de natureza cautelar, visando assegurar a descoberta da verdade real, ante a possibilidade de perecimento da prova testemunhal, tanto pelo decurso do tempo, quanto pela perda da qualidade da prova prestada pelos agentes policiais, dada a vivência de situações tão semelhantes no dia a dia.” (RHC 44.898/SP, j. 14/08/2018)
6) Não há cerceamento de defesa quando a decisão que indefere oitiva de testemunhas residentes em outro país for devidamente fundamentada.
Enquanto no âmbito interno o ato judicial fora da sede do juízo é cumprido por meio de carta precatória, expede-se carta rogatória para o ato a ser realizado no exterior.
Com o advento da Lei n° 11.900/09 (que incluiu no Código de Processo Penal o art. 222-AArt. 222-A. As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio. Parágrafo único. Aplica-se às cartas rogatórias o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 222 deste Código. ), passou-se a exigir, para o deferimento da expedição de carta rogatória, que a parte interessada demonstre a imprescindibilidade da diligência. De sorte que, arrolada uma testemunha em um país estrangeiro, cumpre à parte indicar a relevância desse depoimento. Isso ocorre, por exemplo, quando se trata de uma testemunha presencial do fato e, mesmo neste caso, há que se avaliar se outras pessoas não o assistiram, de forma a tornar desnecessária a diligência.
A medida revela-se salutar sob pena de, em atitude censurável, a parte arrolar testemunhas espalhadas pelo mundo, inviabilizando, com essa conduta, o desfecho do processo e provocando a prescrição.
A comprovação da imprescindibilidade deve ser efetuada por meio de perguntas que a parte interessada formula para análise do juiz. Este, diante dos quesitos apresentados, verifica se, efetivamente, a prova se revela imprescindível, deferindo-a ou não. Caso o indeferimento seja fundamentado, isto é, se o magistrado justifica devidamente por que a oitiva da testemunha por meio de rogatória é dispensável para a produção da prova, não há cerceamento de defesa, como estabelece a tese nº 6:
“1. Ao magistrado é facultado o indeferimento, de forma fundamentada, do requerimento de produção de provas que julgar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, devendo a sua imprescindibilidade ser devidamente justificada pela parte. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF.
2. Na hipótese em apreço, o togado de origem negou a expedição de carta rogatória para a oitiva de testemunha residente na França porque a defesa não demonstrou, objetivamente, quais informações poderia prestar que não poderiam ser supridas por outro meio de prova, ou mesmo por outra testemunha arrolada, o que afasta a ilegalidade suscitada na irresignação, já que declinadas justificativas plausíveis para o indeferimento da medida. Precedentes.” (RHC 100.406/MG, j. 21/08/2018)
7) É ilícita a prova colhida mediante acesso aos dados armazenados no aparelho celular, relativos a mensagens de texto, SMS, conversas por meio de aplicativos (WhatsApp), e obtida diretamente pela polícia, sem prévia autorização judicial.
Por expressa disposição constitucional, não são admitidas as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, inc. LVI, CF/88). O grande desafio, no campo da prova, consiste em encontrar um ponto de equilíbrio entre, de um lado, o dispositivo constitucional que inadmite a produção da prova ilícita e, de outro, a garantia a segurança do cidadão, sobretudo em face do aumento da criminalidade organizada, que exige, para seu combate, meios eficazes, aptos a fazer frente à sofisticação das organizações. Anota Thiago Pierobom de Ávila, que “o direito cuja violação ensejará a ilicitude da prova há de ser um direito fundamental. A garantia fundamental da inadmissibilidade das provas ilícitas está estrategicamente localizada sob o título dos direitos e garantias fundamentais. Sua finalidade é criar um sistema de atividade processual que respeite minimamente os direitos elencados na Constituição tidos como essenciais para a convivência em sociedade. O problema perante o caso concreto é delimitar a linha que separa o plano da constitucionalidade e o da legalidade, haja vista o caráter analítico de nossa Constituição”.
Nessa esteira, o STJ firmou a tese de que viola direitos e garantias fundamentais o exame pericial realizado em aparelhos de telefone celular diretamente após a apreensão pela polícia, sem a prévia autorização judicial:
“2. ‘A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos (“WhatsApp”), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel.’ (HC 372.762/MG, Relator Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 16/10/2017).
3. In casu, conforme se extrai dos autos (fls. 200/201), os telefones foram apreendidos no momento do flagrante, isto é, sem autorização judicial.
4. Hipótese em que, ainda que se considere nula a prova obtida por meio da apreensão dos celulares, tal constatação não tem o condão de afastar a condenação do recorrente que encontrou amparo em outros elementos de prova não decorrentes dos dados obtidos por meio da perícia realizada no celular do acusado.” (REsp 1.727.266/SC, j. 05/06/2018)
Note-se – como se extrai do acórdão citado – que a ilicitude da prova pericial no aparelho não conduz necessariamente à nulidade da ação penal, atingida apenas se toda a prova decorrer daquela declarada ilícita. Se há elementos independentes de prova, não se macula a ação penal.
8) É desnecessária a realização de perícia para a identificação de voz captada nas interceptações telefônicas, salvo quando houver dúvida plausível que justifique a medida.
A disciplina da interceptação telefônica é feita pela Lei nº 9.296/96, que, no tocante ao procedimento em si, estabelece, no art. 6º, que a autoridade policial deve conduzir a diligência com ciência ao Ministério Público, que pode acompanhar a sua realização. Se for possível a gravação da comunicação interceptada, deve ser determinada a sua transcrição. E, uma vez concluído o procedimento, seu resultado deve ser encaminhado ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.
Não há, no regulamento do procedimento de interceptação, nenhuma referência à realização de perícia nas vozes captadas. Embora haja quem sustente a necessidade de perícia para impor maior segurança à identificação dos indivíduos interceptados, a tese não encontra respaldo na jurisprudência, a não ser que se comprove a efetiva necessidade, como se extrai de diversos julgados que fundamentaram a tese nº 8:
“2. Compete ao juiz, destinatário da prova, aferir a pertinência e a necessidade de realização das diligências para a formação de seu convencimento. Não constitui constrangimento ilegal o indeferimento daquelas que, ao exame do conjunto probatório que se lhe apresenta, forem entendidas como indevidas, em decisão fundamentada, quando as julgar protelatórias ou desnecessárias à instrução criminal. […] A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de ser prescindível a realização de perícia para a identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas, especialmente quando pode ser aferida por outros meios de provas e diante da ausência de previsão na Lei n. 9.296/1996. (HC 274.969/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 23/04/2014)
3. No caso, o Magistrado indeferiu o pedido de perícia fonográfica de interceptação telefônica, justificando que a identificação do paciente já estava provada por outros meios, além de que sua voz estava sendo monitorada e foi reconhecida pelos policiais, fatores que tornam, realmente, desnecessária a prova pericial para identificação da voz. Ficou claro também que o conteúdo da conversa da interceptação telefônica referia-se ao tráfico de drogas, já que não só os policiais ouviram que o paciente determinara a um dos comparsas que retirasse a droga de sua chácara para não ser vista pela polícia, como também o próprio comparsa confirmou o que ocorrera.” (HC 453.357/SP, j. 16/08/2018)
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