1) O crime de financiar ou custear o tráfico ilícito de drogas (art. 36 da Lei n. 11.343/2006) é delito autônomo aplicável ao agente que não tem participação direta na execução do tráfico e que se limita a fornecer os recursos necessários para subsidiar as infrações a que se referem os art. 33, caput e § 1º, e art. 34 da Lei de Drogas.
O art. 36 da Lei 11.343/06 pune as condutas de financiar ou custear a prática de tráfico de drogas (nas formas básica e equiparada) e de tráfico de maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas.
Sob a vigência da revogada Lei 6.368/76, quem financiasse ou custeasse o tráfico de drogas ou de maquinários era incurso no mesmo crime do traficante, no mais das vezes na condição de partícipe, porém com a pena agravada pela circunstância do art. 62, inc. I, do CP (“A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I – promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”). Com a nova incriminação, temos uma exceção pluralista à teoria monista (art. 29 do CP), pois indivíduos que concorrem para o mesmo crime são punidos como incursos em tipos penais diversos: o traficante, pelo art. 33 ou pelo art. 34, conforme o caso; o que sustenta o crime, pelo art. 36:
“1. O art. 36 da Lei n. 11.343/2006 diz respeito a crime praticado por agente que não se envolve nas condutas de traficância, ou seja, que financia ou custeia os crimes a que se referem os arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei n. 11.343/2006, sem, contudo, ser autor ou partícipe (art. 29 do Código Penal) das condutas ali descritas.
2. Em relação aos casos de tráfico de drogas cumulado com o financiamento ou custeio da prática do crime, o legislador previu, de maneira expressa, a causa especial de aumento de pena prevista no inciso VII do art. 40 da Lei n. 11.343/2006.
3. O agente que atua diretamente na traficância – executando, pessoalmente, as condutas tipificadas no art. 33 da legislação de regência – e que também financia ou custeia a aquisição das drogas, deve responder pelo crime previsto no art. 33 com a incidência causa de aumento prevista no art. 40, VII, da Lei n. 11.343/2006 (por financiar ou custear a prática do crime), afastando-se, por conseguinte, a conduta autônoma prevista no art. 36 da referida legislação.” (HC 306.136/MG, j. 03/11/2015)
2) O agente que atua diretamente na traficância e que também financia ou custeia a aquisição de drogas deve responder pelo crime previsto no art. 33, caput, com a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso VII, da Lei n. 11.343/2006, afastando-se, por conseguinte, a conduta autônoma prevista no art. 36 da referida legislação.
Vimos na tese anterior que o financiador do tráfico de drogas que não toma parte diretamente no comércio espúrio responde como incurso no art. 36, que, evidentemente, não pode ser imputado em concurso com o tráfico. E, segundo o STJ, se aquele que financia também pratica atos de traficância, afasta-se o tipo autônomo do financiamento e incide a causa de aumento de pena do art. 40, inciso VII, da Lei 11.343/06. É o que se extrai do próprio julgado acima transcrito.
A rigor, melhor seria que o financiador respondesse sempre pelo próprio tráfico – ainda que com a pena majorada, devido à maior gravidade da conduta –, com o que se seguiria a regra geral segundo a qual todo aquele que de qualquer modo concorre para o crime responde de acordo com as penas a ele cominadas (art. 29 do CP).
3) O crime de colaboração com o tráfico, art. 37 da Lei n. 11.343/2006, é um tipo penal subsidiário em relação aos delitos dos arts. 33 e 35 e tem como destinatário o agente que colabora como informante, de forma esporádica, eventual, sem vínculo efetivo, para o êxito da atividade de grupo, de associação ou de organização criminosa destinados à prática de qualquer dos delitos previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei de Drogas.
O art. 37 da Lei 11.343/06 tipifica a conduta de colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de tráfico de drogas (nas formas básica e equiparada) e de tráfico de maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas.
O informante, a rigor partícipe de menor importância da associação ou organização criminosa, vê-se, com este tipo penal, incurso num crime autônomo.
Sobre o crime, ensinam Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho:
“Apesar de não expresso no dispositivo legal, entendemos que a conduta do informante colaborador necessariamente precisa ser eventual. Seria somente a conduta daquele agente que, sem estabelecer qualquer vínculo associativo com os destinatários das informações, contribui eventualmente com informes, seja mediante remuneração ou por qualquer outra vantagem. Comprovando-se que a contribuição não se mostra eventual, mas permanente e estável, com o estabelecimento de verdadeira societas sceleris com os destinatários da informação, a conduta não mais se tipificará no delito em estudo, mas sim na associação para o tráfico.” (Lei de Drogas. São Paulo: Método, 2006. p. 99-101)
É o que tem decidido o STJ:
“1. A conduta de olheiro tanto pode se enquadrar no delito tipificado no artigo 37 como nos artigos 33 ou 35 da Lei n. 11.343⁄2006, a depender da comprovação da estabilidade ou não do vínculo.
2. Assim, se restar comprovado nos autos que o indivíduo colabora com o grupo prestando informações de forma esporádica, eventual, sem vínculo efetivo, a conduta se encaixará na norma descrita no artigo 37 da referida lei. Ao contrário, se ficar demonstrado que a função é exercida de forma estável, constituindo-se o modo pelo qual o agente adere aos fins do grupo criminoso, a hipótese será enquadrada no crime do artigo 35, ou mesmo, 33 da Lei Antidrogas, a depender das circunstâncias.
3. É incontroverso nos autos que o réu portava um rádio comunicador, com a finalidade de avisar aos traficantes da localidade acerca da chegada da polícia no local, porém, em nenhum momento há o reconhecimento da estabilidade de seu envolvimento com o tráfico de drogas, ou seja, não ficou demonstrado um vínculo efetivo com o grupo criminoso, apenas foi narrada uma única conduta desvinculada de qualquer outra finalidade, devendo, portanto, a hipótese ser enquadrada no artigo 37 da Lei Antidrogas.” (AgRg no REsp 1.738.851/RJ, j. 21/08/2018)
4) O rol previsto no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 não deve ser encarado como taxativo, pois o objetivo da lei é proteger espaços que promovam a aglomeração de pessoas, circunstância que facilita a ação criminosa.
Os crimes dos artigos 33 a 37 da Lei 11.343/06 podem ter a pena majorada se cometidos nas dependências (interior, compartimentos, cômodos) ou imediações (redondeza) de estabelecimentos prisionais (cadeias, penitenciárias e Fundação CASA), de ensino (escolas, faculdades, universidades, cursos técnicos) ou hospitalares (postos de saúde, hospitais, manicômios), de sedes de entidades estudantis (agremiações de estudantes, como sede da UNE), sociais, culturais (museus, exposições), recreativas (clubes, parques), esportivas (hipódromo, estádios, ginásios), ou beneficentes (orfanatos, asilos, casas de caridade), de locais de trabalho coletivo (empresas em geral, fazendas), de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza (cinema, teatro, shows, mesmo que ao ar livre), de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social (ambulatórios ou casas de recuperação), de unidades militares (batalhão) ou policiais (delegacias) ou em transportes públicos (ônibus, rodoviárias, pontos de táxi).
As circunstâncias de aumento de pena foram ampliadas em relação à Lei 6.368/76. O dispositivo traz um enorme rol de possibilidades, e, no plano fático, dificilmente se vê uma conduta de tráfico insuscetível de majoração, ainda que, na prática, a circunstância possa não ser bem apurada e acabe não inserida na imputação. E, para o STJ, o rol não é taxativo, pois o propósito do legislador é a punição mais rigorosa do traficante que atua em locais cujo número elevado de pessoas em circulação facilite a prática delitiva:
“O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou que ‘o objetivo da lei, ao prever a causa de aumento de pena prevista no inc. III do art. 40, é proteger espaços que promovam a aglomeração de pessoas, circunstância que facilita a ação criminosa. Com vistas a atender o escopo da norma, o rol previsto no referido inciso não deve ser encarado como se taxativo fosse, a fim de afastar a aplicação da causa de aumento de pena’ (REsp 1.255.249/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/04/2012, DJe 23/04/2012).” (AgRg no AREsp 868.826/MG, j. 13/12/2018)
Cremos não ser esta a melhor interpretação, não só porque, por sua própria extensão literal, a causa de aumento de pena tem incidência amplíssima, mas também porque, tratando-se de norma incriminadora, não é passível de analogia.
5) A causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas possui natureza objetiva e se aplica em função do lugar do cometimento do delito, sendo despicienda a comprovação efetiva do tráfico ou de que o crime visava a atingir os frequentadores desses locais.
Vimos que o inciso III do art. 40 pode provocar o aumento de pena quando os crimes dos arts. 33 a 37 são cometidos no interior ou nas imediações de diversos locais. Na prática, o crime mais cometido em tais circunstâncias é o tráfico de drogas, que, no entanto, não precisa chegar ao seu fim último (venda para os usuários) em algum dos locais mencionados nem precisa atingir diretamente seus frequentadores. Imaginemos que, efetuada a transação comercial entre o fornecedor e o distribuidor, ambos combinem a transmissão da droga em um recinto onde se realiza um espetáculo público, pois, desta forma, podem se aproveitar da aglomeração sem despertar suspeita. O comércio não é feito naquele recinto e, portanto, seus frequentadores não são alvo do tráfico, mas, ainda assim, a pena pode ser majorada:
“Para a incidência da causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006 é desnecessária a efetiva comprovação de que o tráfico se dava naquelas entidades ou que a mercancia se destinava a seus frequentadores, bastando apenas que o crime seja cometido em suas imediações, conforme comprovado pelo laudo pericial. Precedentes.” (AgRg no HC 488.403/SP, j. 19/03/2019)
6) A incidência da majorante prevista no art. 40, inciso III, da Lei n 11.343/2006 pode ser excepcionalmente afastada na hipótese de não existir nenhuma indicação de que houve o aproveitamento da aglomeração de pessoas ou a exposição dos frequentadores do local para a disseminação de drogas, verificando-se, caso a caso, as condições de dia, local e horário da prática do delito.
É possível que o tráfico de drogas ocorra no interior ou nas imediações de um dos locais mencionados no inciso III do art. 40 mas as circunstâncias não indiquem ter havido aproveitamento do grande número de pessoas ou não ter ocorrido a exposição dos frequentadores à atividade do comércio ilegal. É o que ocorre, por exemplo, no tráfico cometido nas redondezas de uma escola às duas horas da madrugada. A essa hora o estabelecimento não é frequentado por alunos e, normalmente, pessoas não se aglomeram nas suas proximidades, razão por que a causa de aumento pode ser afastada.
Note-se, contudo, que a regra é a incidência da majorante em razão do lugar em que o crime é cometido. Como deixa claro a tese anterior, trata-se de circunstância objetiva que é afastada apenas excepcionalmente, a depender das circunstâncias do caso concreto:
“1. A razão de ser da causa especial de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343⁄2006 é a de punir, com maior rigor, aquele que, nas imediações ou nas dependências dos locais a que se refere o dispositivo, dada a maior aglomeração de pessoas, tem como mais ágil e facilitada a prática do tráfico de drogas (aqui incluído quaisquer dos núcleos previstos no art. 33 da Lei n. 11.343⁄2006), justamente porque, em localidades como tais, é mais fácil ao traficante passar despercebido à fiscalização policial, além de ser maior o grau de vulnerabilidade das pessoas reunidas em determinados lugares.
2. Como, na espécie, não ficou evidenciado nenhum benefício advindo ao paciente com a prática do delito nas proximidades ou nas imediações de estabelecimento de ensino – o ilícito foi perpetrado, tão somente, em um domingo, de madrugada – e se também não houve uma maximização do risco exposto àqueles que frequentam a escola (alunos, pais, professores, funcionários em geral), deve, excepcionalmente, em razão das peculiaridades do caso concreto, ser afastada a incidência da referida majorante.” (HC 451.260/ES, j. 07/08/2018)
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