A prisão preventiva pode ser decretada como garantia da ordem pública, como garantia da ordem econômica, para assegurar a aplicação da lei penal ou para a conveniência da instrução processual.
Dentre esses fundamentos, talvez o menos utilizado seja o da garantia da ordem econômica porque, no geral, as prisões preventivas são decretadas para aprisionar cautelarmente criminosos perigosos, que gozando de liberdade podem causar sérios distúrbios sociais, ou para aprisionar criminosos que têm possibilidade de embaraçar o andamento do processo e de frustrar a aplicação da lei penal.
Ultimamente, no entanto, temos visto a proliferação de investigações envolvendo órgãos estatais, políticos e seus respectivos partidos e grandes conglomerados empresariais, que, aliás, invariavelmente se beneficiaram de relações espúrias para tornarem-se o que são.
Essas investigações têm revelado a prática dos mais diversos crimes, a começar, obviamente, por aqueles que atingem a Administração Pública – como corrupção e peculato –, aos quais se seguem outros como lavagem de dinheiro e contra o sistema financeiro em geral. São crimes cometidos por agentes influentes política e economicamente, que nem sempre colocam em risco direto a ordem pública, mas que nem por isso deixam de exercer influência negativa enquanto estão em liberdade.
Agentes detentores de grande poder financeiro podem muitas vezes provocar situações catastróficas na esfera econômica com a venda repentina de ativos, a manipulação do mercado financeiro, a evasão de divisas, etc. É a partir do surgimento desses casos que começa a ter importância a prisão preventiva como garantia da ordem econômica.
Esse fundamento da prisão preventiva foi inserido no art. 312 do CPPArt. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). pelo art. 86 da Lei 8.884/94 (antiga Lei Antitruste, revogada pela Lei 12.529/11) e tem por objetivo reprimir a ganância do agente que comete ações atentatórias à livre concorrência, à função social da propriedade, às relações de consumo e com abuso do poder econômico. Quando atividades ilícitas de grupo criminoso repercutem negativamente no comércio lícito e, portanto, alcançam um indeterminando contingente de trabalhadores, comerciantes e investidores honestos, geram evidente vulneração dos princípios constitucionais da livre concorrência, da livre iniciativa e da ordem econômica em geral, o que fundamenta a prisão cautelar.
Recentemente, a Justiça Federal em São Paulo utilizou de forma inédita o fundamento da garantia da ordem econômica para decretar a prisão de Wesley e Joesley Batista, donos da JBS, no decorrer de investigação a respeito do cometimento do crime tipificado no art. 27-D da Lei 6.385/76.
Trata-se do denominado insider trading, que consiste em aproveitar informações privilegiadas a respeito de determinada empresa para efetuar operações financeiras e se beneficiar delas. O tipo penal pune a conduta de “Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários”.
No caso, Wesley Batista havia tomado parte, juntamente com seu irmão Joesley, na realização de colaboração premiada na qual foram relatados crimes que envolviam a empresa. Pouco antes do vazamento dos termos da delação, sabendo do impacto que haveria no mercado financeiro, Wesley promoveu a venda de ações da empresa para recomprá-las por menor valor, evitando dessa forma o prejuízo decorrente da queda do valor das ações quando da divulgação do conteúdo da delação. Além disso, um dia antes da divulgação a JBS foi a segunda maior compradora de dólares no Brasil, manobra que, segundo a investigação, foi promovida para que a empresa se beneficiasse da alta da moeda quando o teor do acordo se tornasse público. A operação teria rendido um lucro de US$ 100 milhões, quantia semelhante à multa acordada na própria colaboração.
O crime de insider trading tutela múltiplos bens jurídicos.
Nesse tipo de ação criminosa, o patrimônio dos investidores é sem dúvida objeto de proteção. O caso da JBS retrata muito bem isso, pois a operação de venda de ações evitou prejuízo apenas aos controladores, mas os demais investidores, sem conhecimento de que havia sido feito o acordo de colaboração, e portanto sem ideia do impacto que isso provocaria nas ações da empresa, absorveram considerável prejuízo.
Além disso, busca-se garantir a manutenção da confiança dos investidores no mercado de valores mobiliários. Especialmente os pequenos e médios investidores – no mais das vezes alheios à dinâmica do mercado – devem poder confiar na administração transparente da empresa, cujos controladores não podem se valer de informações privilegiadas para seu próprio benefício e transferir o prejuízo aos demais. Em suma, os investidores têm de ter a certeza de que a administração da sociedade é pautada pela boa-fé.
Finalmente, a tutela penal recai na confiança do próprio mercado financeiro, que, sabemos, é volátil e extremamente suscetível a operações que indiquem a possibilidade de prejuízos repentinos de grande monta. É necessário, portanto, que todos confiem na regularidade das operações para que não se extrapole a projeção de riscos e se mantenha a estabilidade na medida do possível e das características dessa espécie de operação financeira.
A conduta dos controladores da JBS, ao menos segundo o que foi divulgado até o momento, atingiu sem nenhuma dúvida esses bens jurídicos. Além do já mencionado prejuízo direto aos demais acionistas, é evidente que as operações realizadas abalaram a confiança não só desses mesmos investidores como de muitos outros em potencial, que se põem em estado de dúvida a respeito da boa-fé de quem controla a empresa. E, evidentemente, operações financeiras desse tipo são catastróficas para o mercado em geral porque afetam a operação da Bolsa de Valores, provocam fuga de capital, alteram o mercado de câmbio e geram até mesmo consequências no meio político porque muitas ações de governo têm em consideração a condição do mercado e dependem dela.
A prisão preventiva foi portanto decretada porque a permanência dos empresários no comando da sociedade, especialmente em virtude dos desdobramentos do acordo de colaboração premiada em torno do qual as operações financeiras irregulares foram realizadas, colocava em risco a manutenção da ordem econômica pela probabilidade de reiteração de condutas semelhantes às que estavam sendo investigadas.