Uma vez praticado um dano ambiental, diversas podem ser as providências adotadas para garantir sua reparação e a punição do agente responsável por causá-lo. É possível, na esfera administrativa, a aplicação de multa; pode-se firmar termo de ajustamento de conduta por meio do qual o agente se compromete a cessar a prática de condutas danosas e a reparar os danos causados; e há ainda a possibilidade de punição mais drástica, disciplinada pela Lei 9.605/98, que tipifica os crimes ambientais.
Diante dessas diversas possibilidades, indaga-se: é possível que a adoção de providências numa esfera influencie em outra?
Bem, a regra no âmbito dos danos ambientais é a mesma aplicada no geral das situações em que várias esferas do direito podem ser chamadas a atuar conjuntamente: a independência de instâncias. Com efeito, se, por exemplo, em decorrência da conduta do funcionário público que se apropria de um bem pertencente ao órgão no qual desempenha sua função o Ministério Público ajuíza ação penal pelo crime de peculato, isso não influencia no processo administrativo-disciplinar, que busca a punição adequada segundo a lei de regência do funcionalismo público. A persecução criminal tampouco causa embaraço ao ajuizamento de ação por ato de improbidade administrativa, que acarreta punições específicas como a suspensão dos direitos políticos e a multa.
Pois bem, na esfera ambiental em regra ocorre exatamente o mesmo. Se o proprietário de uma área de preservação permanente cortar árvores sem que tenha obtido autorização do órgão ambiental, a atuação simultânea dos diversos mecanismos que visam à proteção ambiental pode ocorrer sem óbice.
O STJ, por exemplo, decide reiteradamente que o termo de ajustamento de conduta não retira a justa causa para a ação penal, exatamente em razão da independência de instâncias. Uma vez tipificada a infração penal, o acordo firmado entre o agente e o Ministério Público não tem o condão de simplesmente elidir o crime:
“A assinatura do termo de ajustamento de conduta, firmado entre o Ministério Público estadual e o suposto autor de crime ambiental, não impede a instauração da ação penal, pois não elide a tipicidade penal. Ademais, há independência entre as esferas administrativa, cível e penal” (REsp 1.154.405/MG, DJe 25/05/2017).
“Conforme a orientação deste Superior Tribunal, “A assinatura do termo de ajustamento de conduta não obsta a instauração da ação penal, pois esse procedimento ocorre na esfera cível, que é independente da penal ” (RHC 24.499/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 03/10/2011)” (HC 187.842/RS, DJe 25/09/2013).
Isso não quer dizer que o termo de ajustamento de conduta jamais terá efeito na seara criminal.
Em primeiro lugar, porque o ajuste pode ser firmado por iniciativa do próprio agente causador do dano, que se compromete a repará-lo e a cessar a prática nociva ao meio ambiente. Neste caso, pode se caracterizar a circunstância atenuante do art. 14, inciso II, da Lei 9.605/98Art. 14. São circunstâncias que atenuam a pena: (...) II - arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou limitação significativa da degradação ambiental causada;. Nos vários julgados em que afasta o óbice à ação penal, o STJ chega a fazer referência à possibilidade de o acordo influir na aplicação da pena:
“Conforme a orientação jurisprudencial desta Corte Superior, a assinatura de termo de ajustamento de conduta, firmado na esfera administrativa, não impede a persecução criminal, diante da independência das instâncias, podendo, quando muito, repercutir apenas na dosimetria de eventual pena cominada ao autor do ilícito” (AgRg no AREsp 984.920/BA, DJe 31/08/2017 – grifamos).
Além disso, diante do que dispõe a Lei 9.605/98, o termo de ajustamento de conduta pode influenciar diretamente a atuação do Ministério Público no âmbito criminal.
É que muitas das infrações penais ambientais estão submetidas às medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95, isto é, à transação penal (quando a pena máxima não supera dois anos) e à suspensão condicional do processo (quando a pena mínima não supera um ano). A transação penal só pode ser proposta mediante a comprovação de prévia composição do dano ambiental (art. 27 da Lei 9.605/98Art. 27. Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade.), e, na suspensão condicional do processo, a extinção da punibilidade só pode ser declarada com a juntada de laudo de constatação de reparação do dano ambiental (art. 28, inciso IArt. 28. As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se aos crimes de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes modificações: I - a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o § 5° do artigo referido no caput, dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a impossibilidade prevista no inciso I do § 1° do mesmo artigo;).
Considerando que um dos propósitos do termo de ajustamento de conduta pode ser a reparação do dano causado, conclui-se que, nos crimes ambientais em que são cabíveis a transação penal e a suspensão condicional do processo o cumprimento das medidas estabelecidas no acordo cível terá influência direta na ação penal. Noutras palavras: o termo de ajustamento de conduta pode configurar a prévia composição do dano ambiental.
Já nos crimes em que as medidas da Lei 9.099/95 não são aplicáveis – como ocorre, por exemplo, na provocação de incêndio em mata ou floresta, cuja pena varia de dois a quatro anos de reclusão –, mesmo que o agente tenha firmado e cumprido o termo de ajustamento a ação penal poderá ser intentada normalmente.
Para se aprofundar, recomendamos:
Curso: Carreira Jurídica (mód. I e II)
Curso: Intensivo para o Ministério Público e Magistratura Estaduais + Legislação Penal Especial