O habeas corpus é o remédio jurídico destinado a tutelar a liberdade de locomoção do indivíduo. Protege, pois, o direito de ir, vir, ficar ou voltar. Vê-se, portanto, que se assegura o livre direito de locomoção, o jus manendi, ambulandi, e undi ultro citroque, isto é, o direito de ir e vir para onde quer que se pretenda, mas diretamente relacionado ao indivíduo. Outros direitos líquidos e certos, mas que não se refiram à locomoção, podem ser amparados através de mandado de segurança, cuja aplicação é admitida no âmbito penal e que se presta, por exemplo, para liberação de veículo ilegalmente apreendidoSTJ - Rel. Ministro Fernando Gonçalves, j. em 21.09.1999, DJU de 11.10.1999, p. 89. Afinal, conforme bem anotado pelo Ministro Celso de MelloHC nº 86878-SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 25.10.2005, DJ de 04.11.2005, “a ação penal de habeas corpus, enquanto instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, configura um poderoso meio de cessação do injusto constrangimento ao estado de liberdade de locomoção física das pessoas. Se essa liberdade não se expõe a qualquer tipo de cerceamento, e se o direito de ir, vir ou permanecer sequer se revela ameaçado, nada justifica – por não estar em causa a liberdade de locomoção física – o emprego do remédio heroico do habeas corpus”.
Tendo em vista essas considerações, o STJ negou liminar em recurso em habeas corpus contra decisão do TRF da 2ª Região que havia denegado a ordem para cancelar o indiciamento em inquérito policial já arquivado.
No recurso, a recorrente aduziu que era representante legal de uma empresa de comércio, importação e exportação e que, nesta qualidade, foi indiciada pelo cometimento do crime de descaminho. Ocorre que, ao analisar os elementos probatórios constantes do inquérito, o parquet federal não vislumbrou a ocorrência de crime, razão por que promoveu o arquivamento, prontamente acatado pelo juízo competente.
Diante disso, a recorrente requereu ao próprio juízo o cancelamento do indiciamento, pois, tendo sido o inquérito arquivado por inexistência da infração penal, não havia sentido em manter nos autos o registro da suspeita da prática de crime.
O juízo, no entanto, indeferiu o pedido, o que ensejou a impetração de habeas corpus no TRF, que, por sua vez, denegou a ordem por não vislumbrar constrangimento ilegal: “o fato do inquérito ter sido arquivado não tem o condão de desconstituir o ato de indiciamento – perfeito e acabado – praticado pela Autoridade Policial”. O indiciamento é formalizado a partir do convencimento formado pela autoridade competente para a investigação, e só se considera ilegal se feito com abuso de poder ou se determinado após o recebimento da denúncia.
No recurso em habeas corpus, argumentou-se que o ato de indiciamento constitui inegável violação ao direito à liberdade do cidadão, pois “implica a submissão do indivíduo às consequências legais do ato, inclusive às diligências policiais não especificadas”.
O STJ, no entanto, não cedeu a essa linha argumentativa.
A ministra Laurita Vaz vislumbrou apenas a mera possibilidade de constrangimento, não a ocorrência de atos concretos que pudessem causar, ainda que indiretamente, perigo ou restrição à liberdade de locomoção, o que obsta a impetração do habeas corpus:
“a ameaça de constrangimento ao jus libertatis a que se refere a garantia prevista no rol dos direitos fundamentais (art. 5º, LXVIII, da Constituição da República) há de se constituir objetivamente, de forma iminente e plausível, e não hipoteticamente, como parece ser a hipótese dos autos.
(…)
Assim, na hipótese de eventual reabertura das investigações, deverá a Defesa questionar o ato já concreto por intermédio de via de impugnação hábil, cujo cabimento deve ser oportunamente avaliado por competente Órgão Jurisdicional”.
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