Informativo: 625 do STJ – Processo Penal, Direito Penal
Resumo: Compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior que tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição.
Comentários:
O critério geral adotado pelo nosso ordenamento penal é o de que a lei penal brasileira vale dentro do território nacional (físico e jurídico), sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional. No entanto, em casos excepcionais, a nossa lei poderá extrapolar os limites do território, alcançando crimes cometidos exclusivamente no estrangeiro, fenômeno denominado extraterritorialidade. O Código Penal, no art. 7º, incs. I e II e § 3º I – os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; II – os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiros; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercante ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. § 3º. A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil (...)., anuncia quais crimes ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro. Os casos do inciso I são de extraterritorialidade incondicionada, aplicando-se a lei brasileira independentemente de qualquer requisito, ao passo que as situações do item II são de extraterritorialidade condicionada, em que se faz necessário o concurso de condições(i) entrar o agente no território nacional; (ii) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (iii) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (iv) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (v) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. para que a lei brasileira seja aplicada, e a do § 3º é hipercondicionada, demandando, além do cumprimento das mesmas condições aplicáveis ao inciso II, que não tenha sido pedida ou tenha sido negada a extradição e que tenha havido requisição do Ministro da Justiça.
Verificado um crime cometido no estrangeiro e identificada a extraterritorialidade da lei brasileira, é preciso apontar o órgão jurisdicional competente para julgamento no Brasil.
Imaginemos que André, brasileiro residente nos Estados Unidos, furte um cidadão americano e se evada para o Brasil antes mesmo de que o crime seja comunicado às autoridades daquele país. A lei brasileira alcança este fato, pois se trata de crime praticado por brasileiro e as condições estabelecidas para a extraterritorialidade estão preenchidas: o agente ingressou no Brasil; o furto é crime também nos Estados Unidos e se inclui entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; e André fugiu antes do início do processo, sem notícia de perdão ou causa extintiva da punibilidade.
Neste caso, de acordo com a orientação adotada pelo STJ, André será processado e julgado no Brasil pela Justiça Estadual, pois não incide nenhuma das hipóteses específicas de competência da Justiça Federal (art. 109, CF/88):
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL QUE APURA CRIME DE FURTO PERPETRADO POR BRASILEIRO, CONTRA VÍTIMA BRASILEIRA, AMBOS RESIDENTES NO JAPÃO. ITER CRIMINIS INTEGRALMENTE OCORRIDO NO EXTERIOR. REGRESSO DO AGENTE AO PAÍS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. Aplica-se a extraterritorialidade prevista no art. 7.º, inciso II, alínea b, e § 2.º, alínea a, do Código Penal, se o crime foi praticado por brasileiro no estrangeiro e, posteriormente, o agente ingressou em território nacional. 2. Nos termos do art. 88 do Código de Processo Penal, sendo a cidade de São Paulo/SP o último domicílio do indiciado, é patente a competência do Juízo da Capital do Estado de São Paulo. 3. Afasta-se a competência da Justiça Federal, tendo em vista a inexistência de qualquer hipótese prevista no art. 109 da Carta da República, principalmente, porque todo o iter criminis ocorreu no estrangeiro. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária de São Paulo” (CC 115.375/SP, j. 26/10/2011).
Há, todavia, situações em que o interesse da União pode se fazer presente em virtude da negativa de extradição pelo Brasil.
Julgando o conflito de competência 154.645/MG (j. 25/04/2018), o STJ estabeleceu a competência da Justiça Federal para julgar um brasileiro que havia cometido crimes contra a fé pública em Portugal, crimes estes que não envolveram o Brasil, pois consistiram em falsificar documentos de identidade portugueses para entrada ilegal nos Estados Unidos e no Canadá. Ocorre que, uma vez descoberto o crime, o agente retornou ao Brasil e, em razão disso, Portugal pediu sua extradição, que, todavia, foi negada diante da vedação constitucionalNenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei. (art. 5º, LI) à extradição de brasileiros.
Nesta situação, o STJ considerou competente a Justiça Federal porque o Brasil mantém com Portugal um tratado que estabelece, na impossibilidade de extradição, a submissão do autor de crime “a julgamento pelo Tribunal competente e, em conformidade com a sua lei, pelos fatos que fundamentaram, ou poderiam ter fundamentado, o pedido de extradição”, e compete à União, por expressa disposição constitucional, manter relações com estados estrangeiros e cumprir os tratados firmados:
“Por se tratar de crime praticado por agente de nacionalidade brasileira, não é possível a extradição, em conformidade com o art. 5º, LI, da CF/88. Aplicável, no caso, o Decreto n. 1.325/1994, que incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro o Tratado de Extradição entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa, no qual estabelece, na impossibilidade de extradição por ser nacional da parte requerida, a obrigação de “submeter o infrator a julgamento pelo Tribunal competente e, em conformidade com a sua lei, pelos fatos que fundamentaram, ou poderiam ter fundamentado, o pedido de extradição” (art. IV, 1, do Tratado de Extradição). Além disso, cabe à União, segundo dispõem os arts. 21, I, e 84, VII e VIII, da Carta da República, manter relações com estados estrangeiros e cumprir os tratados firmados, fixando-se a sua responsabilidade na persecutio criminis nas hipóteses de crimes praticados por brasileiros no exterior, na qual haja incidência da norma interna, no caso, o Direito Penal interno e não seja possível a extradição. No plano interno, em decorrência da repercussão das relações da União com estados estrangeiros e o cumprimento dos tratados internacionais firmados, a cooperação passiva, a teor dos arts. 105 e 109, X, da CF/88, impõe a execução de rogatórias pela Justiça Federal após a chancela por esta Corte Superior. Assim, compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF/88”.
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