Informativo: 631 do STJ – Direito Penal
Resumo: O estabelecimento que não se volta exclusivamente à prática de mercancia sexual, tampouco envolve menores de idade ou do qual se comprove retirada de proveito, auferindo lucros da atividade sexual alheia mediante ameaça, coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das pessoas, não dá origem a fato típico a ser punido na seara penal.
Comentários:
No art. 229, o Código Penal pune com reclusão de dois a cinco anos a conduta de manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente.
A extensa reforma promovida pela Lei 12.015/09 também atingiu o tipo do art. 229, que teve a expressão casa de prostituição ou lugar destinado a encontro para fins libidinosos substituída por estabelecimento em que ocorra a exploração sexual, algo muito mais pertinente para o fim de incriminação da conduta, pois permite abranger não só os prostíbulos, mas também espaços que venham a servir de abrigo habitual para a prática de comportamentos contra a dignidade sexual de alguém, ao mesmo tempo em que restringe o alcance do tipo, que não mais se conforma com simples locais destinados a encontros sexuais, pois exige a prática de comportamentos que denotem exploração sexual.
Nota-se, portanto, que se alterou o espectro da incriminação no tipo penal, exigindo-se agora a exploração sexual, que pode ser definida como dominação e abuso do corpo de crianças, adolescentes ou adultos (oferta), por exploradores sexuais (mercadores), organizados, muitas vezes, em rede de comercialização local e global (mercado), ou por pais ou responsáveis, e por consumidores de serviços sexuais pagos (demanda).
Com base nessas características do tipo, o STJREsp 1.683.375/SP, j. 14/08/2018 manteve decisão absolutória proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia afastado a incidência do tipo penal porque o órgão acusatório não comprovou que o estabelecimento operava para fins exclusivamente sexuais e mediante subjugo ou coação para que pessoas se prostituíssem ou praticassem qualquer ato sexual.
Nas razões do recurso especial, o Ministério Público argumentou que a Lei 12.015/09 apenas tornou mais abrangente a incidência do tipo penal, sem modificar sua essência, razão por que não se exige a prática de atos coativos para que se caracterize a exploração sexual. Mas o STJ deu razão à segunda instância.
De acordo com a ministra Maria Thereza de Assis Moura, o tipo pressupõe que, além da finalidade específica e exclusiva de exploração sexual, o estabelecimento se caracterize por manter pessoas sob jugo, inclusive porque o objeto de tutela é a dignidade sexual, não a moral pública:
“É cediço que a mercancia sexual voluntária por maior de idade não atrai a incidência do Direito Penal. Assim, crime é manter pessoa em condição de explorada, obrigada, coagida, não raro em más condições, ou mesmo em condição análoga à de escravidão, impondo-lhe a prática de sexo sem liberdade de escolha, ou seja, com tolhimento de sua liberdade sexual e em violação de sua dignidade sexual.
E é por isso mesmo que o bem jurídico tutelado não é a moral pública mas sim a dignidade sexual como, aliás, o é em todos os crimes constantes do Título VI da Parte Especial do Código Penal, dentre os quais, o do artigo 229. E o sujeito passivo do delito não é a sociedade mas sim a pessoa explorada, vítima da exploração sexual. Destarte, entendo que para a configuração do delito é necessário o tolhimento à liberdade da pessoa.”
No caso, apurou-se apenas que o proprietário do estabelecimento convidava mulheres para que se prostituíssem no local e atraíssem mais clientes.
Destacou-se, no mais, a existência de precedentes, no próprio STJ, nos quais se considerou perfeito o crime. Tratava-se, no entanto, ou de efetiva exploração sexual na qual se restringia de alguma forma a liberdade, ou de condutas envolvendo menores de idade, que, por sua condição, não têm discernimento para decidir sobre atos relativos à mercancia sexual.
Por fim, ressalte-se que o julgado afastou a incidência do princípio da adequação social, que tornaria materialmente atípica a conduta de manter estabelecimento em que ocorre exploração sexual. A ministra relatora deixou claro que o art. 229 está em plena vigência e que sua conclusão – de que o fato posto em julgamento é atípico – decorre simplesmente de adequação interpretativa em virtude das alterações promovidas pela Lei 12.015/09.
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