No rito estabelecido pela Lei 11.343/06, o recebimento da denúncia é precedido da notificação para que o agente apresente sua defesa. É o que dispõe o art. 55:
“Art. 55. Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.”
Na resposta, o denunciado deve suscitar todas as teses de interesse para sua defesa, inclusive matérias preliminares ao mérito, sob pena de, não o fazendo neste momento oportuno, operar-se a preclusão. As matérias podem ser as mais diversas, mas, em especial, deve-se atentar para o disposto no art. 397 do Código de Processo Penal, que dá ensejo à absolvição sumária, caso acolhida a respectiva alegação. Assim, nessa oportunidade devem ser agitadas causas de atipicidade, excludentes de ilicitude, culpabilidade ou punibilidade. A juntada de documentos que interessem à defesa, bem como do rol das testemunhas (no máximo de cinco) também ocorre neste momento. Caso a defesa pretenda obter esclarecimentos do perito, acareações, reconhecimentos a serem produzidos em audiência, é este também o momento oportuno para que se requeiram essas provas. Em suma: nesta resposta a defesa deve preparar a atuação que desenvolverá posteriormente, na audiência una de que trata o artigo 56, a ser realizada caso não tenha sido o acusado absolvido sumariamente.
Nota-se, portanto, que a defesa preliminar é extremamente importante para o exercício pleno do direito de defesa, não só porque nela podem ser aventadas teses capazes de impedir a instauração do processo, mas também porque é este o momento em que se traçam as linhas gerais da atuação defensiva. Não por acaso, o § 3º do mesmo dispositivo estabelece que se a resposta não for apresentada no prazo o juiz nomeará defensor para oferecê-la em dez dias. É uma garantia estabelecida pelo legislador para que o denunciado tenha efetiva oportunidade de defesa e possa exercer com plenitude todas possibilidades destacadas no parágrafo anterior.
Ocorre que nem sempre o rito estabelecido na Lei 11.343/06 é seguido. São inúmeras as situações em que se aplicam as disposições dos artigos 394 e seguintes do CPP, o que provoca primeiro o recebimento da denúncia para que somente em seguida se efetue a citação a fim de que a resposta à acusação seja apresentada (arts. 396Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído. e 396-AArt. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. § 1º A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código. § 2º Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias. ). Com isso, inverte-se a ordem estabelecida na lei especial, que – reitere-se – possibilita que a resposta obste a própria deflagração da ação penal.
Em razão dessa inversão, não são poucos os casos de inconformismo em que réus processados por tráfico e outros crimes relacionados na Lei 11.343/06 buscam a decretação de nulidade por cerceamento de defesa. A tese, no entanto, não tem encontrado respaldo na jurisprudência.
Com efeito, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, tem decidido que o recebimento da denúncia antes da notificação para a apresentação de defesa preliminar é causa de nulidade relativa, razão pela qual o prejuízo decorrente da inversão deve ser comprovado e alegado no momento oportuno:
“Preliminarmente, cabe uma breve explanação acerca da não observação da fase preliminar ditada pela lei específica. Apesar de não arguido o descumprimento quanto ao previsto no artigo 55 da Lei nº 11.343/2006, pois não foi dada oportunidade ao acusado para o oferecimento de resposta à acusação anteriormente ao recebimento da denúncia, anoto não ter-se configurado nulidade.
Afinal, a defesa foi apresentada e apreciada e a inexistência da fase preliminar não gerou consequência desfavorável ao acusado que inexistiria em caso de ter-se seguido à risca o rito especial previsto. Foi garantido o contraditório e a ampla defesa, a defesa preliminar foi apresentada e apreciada, ainda com a supressão, da fase preliminar ao recebimento da denúncia outorgada pela Lei nº 11.343/2006.” (Apelação nº 0001418-39.2017.8.26.0628, j. 20/09/2018)
“Muito embora o rito procedimental previsto em lei não tenha sido seguido, não ocorreu prejuízo a d. Defesa, que apresentou sua resposta à acusação, a qual foi devidamente analisada pela d. Magistrada, a qual, de forma expressa, afastou a possibilidade de absolvição sumária (fls. 951), motivo pelo qual não vislumbro prejuízo suportado pela parte e, portanto, não há que se acolher a nulidade alvitrada.
Ademais, tratando-se de formalidade procedimental (art. 564, inc. IV, do CPP), a eiva processual deveria ser alegada no tempo oportuno, ou seja, por ocasião da apresentação da defesa preliminar, de forma que, não sendo arguida na primeira oportunidade, a nulidade relativa há de ser considerada sanada, a teor do disposto no artigo 572, inciso I, do Estatuto Processual Penal.” (Revisão Criminal nº 0028605-97.2016.8.26.0000, j. 02/08/2018)
Esta orientação é reflexo do que vem sendo decidido pelo STJ, que também não atribui nulidade absoluta à inversão entre a apresentação da defesa e o recebimento da denúncia:
“I – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a não observância do rito procedimental previsto na Lei de Drogas – ausência de notificação para apresentação de defesa preliminar, antes do recebimento da denúncia, nos termos do art. 55 da Lei n. 11.343/2006 – gera nulidade relativa. Não demonstrado, com base em elementos concretos, eventuais prejuízos suportados pela não observância do mencionado rito, não se reconhece a nulidade.
II – Inviável o reconhecimento de nulidade pelo indeferimento do pedido de reabertura do prazo para o oferecimento de resposta à acusação, se foram dadas duas oportunidades para apresentação da referida peça preliminar de defesa, com a renovação de prazos, mas o advogado do recorrente os deixou transcorrer in albis.
III – Além disso, o defensor constituído continuou a se manifestar nos autos e compareceu aos demais atos processuais, tendo acompanhado o recorrente nas audiências e, inclusive, formulado indagações às testemunhas e aos corréus, manifestando-se por escrito em oportunidades distintas.
IV – Se foi oportunizado ao recorrente o direito de manifestar-se, na forma do art. 396-A do Código de Processo Penal, por mais de uma vez, no curso da instrução processual, e se as petições apresentadas pela Defesa foram interpretadas pelo Juízo de 1º grau como estratégia defensiva de postergar as teses de mérito para o final da instrução, não há qualquer nulidade a ser reconhecida.” (RHC 94.446/MS, j. 15/05/2018)
Nota-se, portanto, que a simples modificação do momento em que o agente exerce a defesa não faz presumir a ocorrência de prejuízo. Há nulidade absoluta apenas se, recebida a denúncia sem a notificação prévia para a apresentação da defesa, também não se garante a manifestação nos termos que estabelece o Código de Processo Penal (arts. 396 e 396-A).