6) Os atos infracionais não podem ser considerados maus antecedentes para a elevação da pena-base, tampouco para a reincidência.
A imputabilidade penal se inicia aos dezoito anos de idade, como se extrai, a contrario sensu, do art. 27 do Código Penal:
“Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”
Antes de completar a maioridade, o autor de conduta que se amolda a uma descrição típica não comete infração penal, mas ato infracional, que tem disciplina própria na Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Segundo esta lei, a criança autora de ato infracional será submetida às medidas de proteção do art. 101Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; IX - colocação em família substituta. , ao passo que aos adolescentes são aplicadas as medidas socioeducativas elencadas no art. 112Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI..
A imposição de medidas de proteção ou socioeducativas pode servir para balizar futuras medidas da mesma natureza caso o menor volte a cometer atos infracionais. O art. 122, inc. II, por exemplo, estabelece a possibilidade de internação “por reiteração no cometimento de outras infrações graves”. Mas a imposição dessas medidas não pode, na qualidade de maus antecedentes, influenciar a aplicação da pena-base em infração penal cometida após a maioridade, pois, não obstante o ato cometido pelo inimputável seja correspondente (semelhante) a um ilícito penal, as medidas impostas a ele têm sobretudo o propósito educativo, não se inserem nas clássicas finalidades da pena criminal.
Com mais razão, atos infracionais não podem ser considerados para os efeitos da reincidência, pois o art. 63 do Código Penal dispõe que é reincidente quem “comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”, e o art. 64, ao dispor sobre o quinquênio depurador, faz referência ao cumprimento e à extinção da pena. E, como vimos linhas acima, ato infracional não é crime e as medidas dele decorrentes não são penas.
7) Os atos infracionais podem ser valorados negativamente na circunstância judicial referente à personalidade do agente.
Não obstante esteja inserida em matéria relativa à aplicação da pena, esta tese – segundo os últimos precedentes analisados – tem sido utilizada no âmbito da prisão preventiva. De acordo com diversas decisões proferidas por ambas as Turmas com competência criminal no STJ, os atos infracionais podem influenciar a análise da personalidade do agente para fins cautelares:
“Embora o registro de ato infracional não possa ser utilizado para fins de reincidência ou maus antecedentes, por não serem considerados crimes, podem ser sopesados na análise da personalidade do recorrente, reforçando os elementos já suficientes dos autos que o apontam como pessoa perigosa e cuja segregação é necessária. Precedentes.” (5ª Turma – HC 466.866/PE, j. 02/10/2018).
“A Terceira Seção desta Corte firmou orientação de que “os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela quem for, não podem ser desconsiderados para fins cautelares. A avaliação sobre a periculosidade de alguém impõe que se perscrute todo o seu histórico de vida, em especial o seu comportamento perante a comunidade, em atos exteriores, cujas consequências tenham sido sentidas no âmbito social. Se os atos infracionais não servem, por óbvio, como antecedentes penais e muito menos para firmar reincidência (porque tais conceitos implicam a ideia de ‘crime’ anterior), não podem ser ignorados para aferir a personalidade e eventual risco que sua liberdade plena representa para terceiros” (RHC n. 63.855/MG, rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Dje 13/6/2016).” (6ª Turma – RHC 96.158/SP, j. 14/08/2018)
Mas os atos infracionais como elementos de valoração negativa na personalidade do agente para o incremento da pena-base não têm sido admitidos, como veremos na tese seguinte.
8) Os atos infracionais não podem ser considerados como personalidade desajustada ou voltada para a criminalidade para fins de exasperação da pena-base.
Havia no STJ decisões segundo as quais os atos infracionais eram aptos a exasperar a pena-base se considerados na personalidade do agente:
“Embora o envolvimento anterior em atos infracionais não possa ser considerado como maus antecedentes e nem se preste para induzir a reincidência, demonstra a “personalidade voltada para o mundo do crime” e inclinação para a prática delitiva, o que é suficiente para justificar o aumento de pena procedido na primeira etapa da dosimetria.” (HC 198.223/PE, j. 19/02/2013)
Ultimamente, no entanto, a orientação tem sido diversa. Ainda que se considere que na análise da personalidade se faz um simples retrato psíquico, no qual o ato infracional não é tratado como se fosse um crime, mas como um aspecto que pode revelar inclinação para a prática de atos ilícitos, tem-se decidido que a conduta praticada quando o agente era inimputável não pode ter influência direta na pena aplicada:
“Conforme o entendimento firmado no âmbito na Terceira Seção, a prática de ato infracional não justifica a exasperação da pena-base, por não configurar infração penal, não podendo, portanto, ser valorada negativamente na apuração da vida pregressa do réu a título de antecedentes, personalidade ou conduta social. Precedente.” (HC 364.532/SP, j. 07/12/2017)
9) A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial.
A reincidência é uma circunstância agravante, que incide na segunda fase de aplicação da pena. Mas, na primeira fase, os antecedentes do agente também são analisados, pois estão inseridos entre as circunstâncias judicias do art. 59 do CP, como já vimos anteriormente. Dessa forma, indaga-se: Condenação passada pode servir como maus antecedentes e, ao mesmo tempo, como agravante da reincidência?
A resposta é negativa, pois a incidência simultânea caracteriza bis in idem. Em razão disso, o STJ editou a súmula nº 241A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial. e firmou a tese proibindo a dupla incidência:
“A jurisprudência desta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que uma mesma condenação, com trânsito em julgado, não pode ser utilizada na primeira etapa da dosimetria da pena e, também, na segunda fase, a título de reincidência, sob pena de bis in idem. Súmula n. 241/STJ. Na hipótese, em razão do paciente possuir apenas uma condenação anterior, por tráfico de drogas, que foi utilizada para majorar a pena-base e para agravar a pena na segunda fase de dosimetria, a pena-base deve ser reduzida nesse ponto.” (HC 462.424/SP, j. 18/10/2018)
10) O registro decorrente da aceitação de transação penal pelo acusado não serve para o incremento da pena-base acima do mínimo legal em razão de maus antecedentes, tampouco para configurar a reincidência.
A Lei 9.099/95 estabelece a possibilidade de transação penal diante da prática de crimes de menor potencial ofensivo, assim considerados aqueles cuja pena máxima não ultrapasse dois anos.
Nos exatos termos do art. 76 da Lei 9.099/95, a transação penal consiste em “aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta”. Não obstante o dispositivo legal faça menção à aplicação de penas restritiva de direitos e de multa, trata-se, na verdade, de medida despenalizadora que somente busca inspiração nas penas alternativas. A transação penal é formalizada por meio de proposta do Ministério Público em audiência preliminar, sem que se instaure a ação penal e, portanto, que haja efetiva condenação.
Em razão do caráter despenalizador da transação, o próprio art. 76 estabelece, no § 4º, que, aceita a proposta, o juiz “aplicará a pena restritiva de direitos ou multa”, que é registrada apenas e tão somente para impedir a concessão do mesmo benefício no prazo de cinco anos, sem possibilidade de caracterizar a reincidência (porque, afinal, não há condenação). Além disso, segundo o § 6º, a transação penal “não constará de certidão de antecedentes criminais”, justamente porque não pode ser encarada como mau antecedente.
Consideradas, portanto, as características da transação penal, o STJ firmou a tese de que seu registro não pode fundamentar o aumento da pena-base por maus antecedentes, nem tampouco pode ser considerado na segunda fase de aplicação da pena como agravante:
“2. Na esteira da Súmula 444 do STJ, ações penais em curso ou sem certificação do trânsito em julgado, registro da aceitação de transação penal proposta pelo Ministério Público, além de ações penais em que houve a extinção da punibilidade e inquéritos arquivados “não podem ser utilizados como maus antecedentes, má conduta social ou personalidade desajustada para fins de elevação da pena-base.” (HC 242.125/PE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 27/08/2014).
3. Afasta-se a exasperação da pena-base imposta ao condenado pelo crime de furto (1 ano e 6 meses de reclusão) quando, em flagrante descompasso com aquele enunciado sumular, for considerado como antecedentes criminais ações não definitivamente julgadas e feitos já baixados, em que houve transação penal e suspensão condicional do processo.” (AgRg no HC 272.522/MG, j. 10/03/2015)