6) Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.
A pena deve ser atenuada quando o agente, à época do fato (da ação ou omissão – art. 4º, CP), era menor de vinte e um anos de idade (menoridade relativa). O legislador penal parte da premissa de que antes de completar o vigésimo primeiro aniversário a pessoa é imatura, apresentando personalidade em desenvolvimento.
De acordo com a maioria, tal premissa foi mantida, mesmo com o advento do Código Civil de 2002 que, no seu art. 5º, anuncia que a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. A opção estampada no Código Civil não revogou a atenuante da menoridade relativa trazida pelo art. 65 do CP porque o Direito Penal se preocupa com a idade biológica do agente, não com sua capacidade civil.
Nos termos da Súmula nº 74 do STJ, “para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil”. Analisados os precedentes da súmula, constata-se que o tribunal pretendeu repelir a tese de que bastaria a alegação da menoridade para a incidência da atenuante. É imprescindível a exibição de documento comprovando a condição do agente, ainda que não seja a certidão de nascimento, mas desde que se revele apto a ser admitido como prova.
7) Diante do reconhecimento de mais de uma qualificadora, somente uma enseja o tipo qualificado, enquanto as outras devem ser consideradas circunstâncias agravantes, na hipótese de previsão legal, ou, de forma residual, como circunstância judicial do art. 59 do Código Penal.
A circunstância qualificadora impõe ao crime novos patamares de pena. Diferentemente das circunstâncias judiciais, das agravantes e atenuantes e das causas de aumento e de diminuição, a qualificadora não se insere numa fase de aplicação da pena, mas serve ela mesma de base para que o juiz aplique o sistema trifásico. Desta forma, enquanto no homicídio simples o juiz toma a pena de seis a vinte anos e, a partir daí, aplica o sistema trifásico, no homicídio qualificado o mesmo sistema será aplicado a partir da pena de doze a trinta anos.
Por esta razão, se a conduta criminosa corresponde, por exemplo, a duas qualificadoras, não é possível que ambas incidam nesta qualidade, pois não há possibilidade de alterar por duas vezes os patamares da pena abstratamente cominada. A soma está obviamente descartada, pois só tem lugar no concurso de crimes (material e formal impróprio). Assim, se um homicídio foi cometido por motivo torpe e com emprego de tortura, o motivo pode fundamentar a qualificadora e a tortura servirá como circunstância agravante (art. 61, inc. II, d, do CP), a incidir na segunda fase de aplicação da pena qualificada:
“Havendo mais de uma qualificadora do delito, é possível que uma delas seja utilizada como tal e as demais sejam consideradas como circunstâncias desfavoráveis, seja para agravar a pena na segunda etapa da dosimetria, seja para elevar a pena-base na primeira fase do cálculo.” (AgRg no AREsp 830.554/SP, j. 20/09/2018)
8) A agravante da reincidência pode ser comprovada com a folha de antecedentes criminais, não sendo obrigatória a apresentação de certidão cartorária.
O Brasil adotou o sistema da temporariedade da reincidência. Dispõe o art. 64, I, do CP que “não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”.
Dá-se a denominada reincidência real quando o agente comete novo crime após ter efetivamente cumprido a totalidade da pena pelo crime anterior; e temos a reincidência ficta quando o agente comete novo crime após ter sido condenado definitivamente, mas antes de ter cumprido a totalidade da pena do crime anterior (o prazo da caducidade da reincidência sequer começou a correr).
Mas como se prova a existência da condenação anterior? Tradicionalmente, faz-se a prova da reincidência por meio de certidão cartorária. Contudo, o STJ tem flexibilizado esta exigência, admitindo a comprovação pela folha de antecedentes criminais:
“O órgão julgador apontou, com clareza, anotação criminal do paciente apta a valorar negativamente os seus antecedentes. A jurisprudência desta Corte tem posicionamento firme no sentido de considerar a folha de antecedentes criminais documento hábil e suficiente para comprovar os antecedentes maculados, dispensando a apresentação de certidão cartorária.” (HC 463.482/SP, j. 13/12/2018
9) É possível, na segunda fase do cálculo da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea.
A questão da compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea gera controvérsia e é objeto de divergência entre o STJ e o STF.
Para uma corrente, é inviável a compensação, pois a agravante é preponderante, devendo prevalecer sobre a atenuante da confissão espontânea, nos exatos termos do art. 67 do Código Penal. Para outra, a compensação mostra-se possível, eis que ambas as circunstâncias são preponderantes: a primeira por expressa previsão legal e a segunda por se ater diretamente à personalidade do agente (capacidade de assumir erros e suas consequências).
A 3ª Seção do STJ, por maioria, adotou a segunda orientação: “a confissão revela traço da personalidade do agente, indicando seu arrependimento e o desejo de emenda. Assim, nos termos do art. 67 do CP, o peso entre a confissão e a reincidência deve ser o mesmo, daí a possibilidade de compensação” (EREsp 1.154.752/RS, j. 23/5/2012). É esta a orientação que tem guiado decisões recentes:
“Esta Corte fixou o entendimento de que, ainda que o Acusado seja reincidente específico, é possível a compensação integral da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea.” (HC 461.033/DF, j. 06/11/2018)
O STF, por sua vez, decidindo habeas corpus impetrado contra acórdão em que houvera sido negada a compensação, considerou que a decisão impugnada estava em conformidade com a jurisprudência de ambas as Turmas do tribunal “no sentido de que, a teor do art. 67 do Código Penal, ‘a agravante da reincidência prepondera sobre a atenuante da confissão espontânea, razão pela qual é inviável a compensação pleiteada’ (RHC 110.727, Rel. Min. Dias Toffoli)” (HC 105.543/MS, j. 29/04/2014). Reiterou-se a inviabilidade de compensação no julgamento do RHC 135.819/DF em 29/05/2018:
“Prepondera sobre a confissão a reincidência, no que esta última revela a necessidade de observar-se apenação substancial, não se colocando no mesmo nível o reincidente e o primário.”
10) Nos casos em que há múltipla reincidência, é inviável a compensação integral entre a reincidência e a confissão.
Vimos nos comentários à tese anterior que o STJ considera viável a compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, pois seriam ambas circunstâncias preponderantes. Ressalvam-se, no entanto, as situações em que o réu confessa espontaneamente a prática do crime, mas ostenta diversas condenações:
“Ao julgar o HC n. 365.963/SP, embora a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça haja afirmado ser possível compensar a confissão com a reincidência específica, reiterou não ser cabível a medida quando se trata de réu multirreincidente. A Corte distrital destacou o registro de duas condenações definitivas pretéritas em desfavor do paciente, circunstância que inviabiliza a compensação pleiteada, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior.” (HC 412.888/SP, j. 27/11/2018)
“III – A jurisprudência desta Corte atua no sentido de compensar a agravante da reincidência com a atenuante da confissão, não havendo que se falar em preponderância da primeira. IV – Na hipótese, é inviável a compensação integral com a agravante, considerando que o paciente é efetivamente multirreincidente. Com efeito, em se tratando de agente que ostenta mais de uma sentença configuradora de reincidência, a compensação deve ser parcial. Assim, demonstrada a multirreincidência, o paciente faz jus à compensação parcial, de forma que nenhuma censura merece o quantum estabelecido pela r. sentença condenatória, mantida pelo v. acórdão impugnado, que se mostra proporcional.” (HC 471.436/PE, j. 11/12/2018)
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