No âmbito das medidas cautelares de natureza pessoal no processo penal, a prisão preventiva é considerada ultima ratio. É o que se extrai do § 6º do art. 282 do CPP: “A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)”.
Este dispositivo reforça o caráter residual da prisão preventiva, a ser imposta, em caráter excepcional, apenas quando inexistente outra opção. Em atendimento, pois, ao princípio da presunção de inocência, a regra é a liberdade. Em um estágio intermediário, privilegia-se a adoção de medidas cautelares. E, apenas em último caso, quando inviável quaisquer das alternativas anteriores, decreta-se a prisão preventiva. A possibilidade de adoção da medida cautelar rompe, assim, com a anterior bipolaridade, que se restringia a duas possibilidades: a prisão ou a liberdade provisória (com ou sem fiança).
O Código de Processo Penal elenca no art. 319 as medidas que podem servir de alternativa à prisão, dentre as quais se encontra a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais.
Tratando-se de crimes de caráter econômico ou financeiro, é comum que a atividade desempenhada pelo agente sirva como meio para alcançar a finalidade delitiva. Alguém pode utilizar uma revendedora de veículos para lavar dinheiro proveniente de corrupção, por exemplo. Em situações como esta, pode o juiz decretar a suspensão da atividade para evitar a perpetuação da prática delituosa. Como destaca Jorge Luis Le Cocq D’Oliveira “o alvo foram os autores de crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, ou seja, dos chamados crimes do colarinho branco. Além do natural prejuízo à colheita de provas, seria um escárnio que, tanto em um como em outro caso, o agente continuasse a exercer suas funções e a enriquecer ilicitamente, enquanto sua conduta estivesse sendo apurada” (O Novo Regime das Medidas Cautelares no Processo Penal, in “O Novo Regime Jurídico das Medidas Cautelares no Processo Penal”, Rio de Janeiro: Emerj, 2002, p. 195).
Outro exemplo que pode ser citado – e que foi objeto de julgamento pelo STJ no RMS 60.818/SP (j. 20/08/2019) – é o de quem utiliza postos para vender combustíveis furtados, roubados ou adulterados.
No caso julgado, o agente, dono de um posto de combustíveis, era apontado como membro de uma organização criminosa responsável pelo roubo de 291.000 litros de etanol e de 1.000 litros de óleo diesel, parte dos quais era revendida no posto de propriedade do investigado.
Mas o julgamento teve uma peculiaridade: o que se discutia era a suspensão da atividade econômica do posto de combustíveis, não do proprietário, que já estava preso preventivamente. A empresa havia ajuizado mandado de segurança alegando que a cautelar fundamentada no inc. VI do art. 319 do CPP não poderia ser decretada contra pessoa jurídica que não era investigada e nem denunciada, dada a natureza dos crimes apurados, que não permitem a responsabilização criminal do ente fictício. Alegava-se ainda ser indevida a cumulação da prisão preventiva do dono do posto com a cautelar de suspensão da atividade econômica do mesmo estabelecimento.
O mandado de segurança ajuizado perante o Tribunal de Justiça de São Paulo foi denegado, razão pela qual houve recurso ao STJ, que manteve a decisão sob o argumento de que a jurisprudência do tribunal se firmou no sentido de ser possível à cautelar atingir pessoas jurídicas utilizadas como instrumentos da prática de crimes financeiros:
“Com efeito, não há necessidade de que a pessoa jurídica tenha sido denunciada por crime para que lhe sejam impostas medidas cautelares tendentes a recuperar o proveito do crime, a ressarcir o dano por ele causado ou mesmo a prevenir a continuação do cometimento de delitos, quando houver fortes evidências, como no caso dos autos, de que a pessoa jurídica é utilizada como instrumento do crime de lavagem de dinheiro.
Desnecessário, também, que haja prévia sentença condenatória transitada em julgado para a imposição da suspensão de atividade comercial de empresa, já que a medida cautelar somente demanda fortes indícios da existência de crime.
Com efeito, a jurisprudência desta Corte vem entendendo que a suspensão do exercício de atividade econômica ou financeira de pessoa jurídica tem amparo legal no art. 319, VI, do CPP e está intimamente ligada à possibilidade de reiteração delitiva e à existência de indícios de crimes de natureza financeira.
(…)
No caso concreto, a autoridade apontada como coatora indicou a existência de fortes indícios de que a empresa recorrente era utilizada para comercializar o combustível roubado pela organização criminosa, suspeita essa fortalecida pelo fato de que alguns dos integrantes da organização constavam na folha de pagamento da empresa.
(…)
Também não socorre a recorrente a tese de que seria ilegal a cumulação de prisão preventiva com outras medidas cautelares. A permissão para que isso ocorra está expressa no art. 282, § 1º, do CPP e se justifica, na hipótese em exame, na medida em que a restrição da liberdade é dirigida ao denunciado e a medida cautelar objeto da controvérsia atinge pessoa jurídica utilizada como instrumento do crime. Como bem ponderou a autoridade apontada como coatora, “a prisão se destina à restrição da liberdade do denunciado, para evitar que a prática criminosa seja reiterada por ele e a suspensão das atividades é para impedir que a própria atividade econômica seja utilizada para a prática de crimes por outros agentes” (e-STJ fl. 37). Essa suspeita é reforçada pela afirmação da empresa recorrente de que a administração do posto “se dá (como sempre se deu) pela gerente da empresa” (e-STJ fl. 542).
Muito embora o art. 282, § 6º, do CPP recomende que a prisão preventiva somente seja imposta em ultima ratio, quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar prevista no art. 319 do CPP, a recomendação não constitui impedimento de imposição concomitante de outras medidas cautelares. Isso não é raro, por exemplo, quando se determina a prisão preventiva de investigados ou denunciados e o sequestro de valores ou bens de sua propriedade, ou até mesmo de propriedade de terceiros, que se acredita constituírem produto ou instrumento de crime.”
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos