Informativo: 952 do STF – Direito Penal
Resumo: Não é possível exigir que o assessor jurídico analise a causa da emergência para a dispensa de licitação.
Comentários:
O art. 89 da Lei nº 8.666/93 pune as condutas de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade.
A dispensa e a inexigibilidade da licitação são disciplinadas nos artigos 24 e 25 da mesma lei, que elencam, respectivamente, situações nas quais, embora possível a realização do certame, confere-se ao administrador público a possibilidade de contratação direta, e situações em que a competição é inviável em razão das circunstâncias particulares que envolvem o produto ou o serviço.
Em tese, uma vez descumpridas as normas que disciplinam a dispensa e a inexigibilidade, tipifica-se o delito do art. 89, no geral classificado como crime formal, isto é, que dispensa o resultado naturalístico (efetivo prejuízo ao erário), e que não se caracteriza por finalidade específica expressa.
Não obstante, a orientação dos tribunais superiores se firmou no sentido de que o crime só se tipifica quando o agente atua com o propósito de causar prejuízo ao erário, e efetivamente o causa. A respeito, podemos citar o seguinte acórdão do STJ:
“1. A controvérsia posta na impetração prescinde de profunda incursão probatória, demandando, tão somente, a apreciação da denúncia, sobretudo quando relacionada ao crime de dispensa imotivada de licitação, cujo entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da obrigatória indicação, na exordial, do dolo específico de causar prejuízo, bem como da quantificação do dano suportado pela Administração Pública. 2. Os crimes previstos nos arts. 89 da Lei n. 8.666/1993 (dispensa de licitação mediante, no caso concreto, fracionamento da contratação) e 1º, inciso V, do Decreto-lei n. 201/1967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviço pelo particular) exigem, para que sejam tipificados, a presença do dolo específico de causar dano ao erário e da caracterização do efetivo prejuízo. Precedentes da Corte Especial e do Supremo Tribunal Federal (APn n. 480/MG, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ Acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, DJe 15/6/2012). 3. A inicial acusatória não faz nenhuma menção, ainda que en passant, a respeito do especial fim de agir de causar prejuízo ao erário (dolo específico), nem aponta qual seria o dano, ainda que aproximado, suportado pela Administração Pública, configurando, a sua inépcia.” (RHC 108.813/SP, j. 05/09/2019)
No julgamento proferido no Inq 3674/RJ, no qual se analisava a denúncia oferecida contra deputado federal por crime licitatório cometido no exercício do cargo de prefeito municipal, o STF impôs três critérios para analisar se determinada conduta efetivamente se subsume ao art. 89:
- A existência de parecer jurídico idôneo: Nas situações em que o corpo jurídico do órgão público lavra parecer favorável à dispensa ou à inexigibilidade, e não há indícios de que se trata de etapa fraudulenta para o cometimento do crime, deve-se considerar juridicamente válido o ato de dispensa ou de inexigibilidade.
- Indicação, na denúncia, da especial finalidade de lesar o erário ou promover enriquecimento ilícito dos acusados.
- Indicação de vínculo subjetivo entre os agentes: Embora o crime do art. 89 não seja plurissubjetivo, a maioria das imputações envolve diversas pessoas. Nesses casos, é imprescindível que a denúncia descreva o vínculo subjetivo entre todas elas.
Ao julgar o HC 171.576/RS (j. 17/09/2019), o STF se debruçou sobre outra questão: a extensão da responsabilidade do assessor jurídico que atesta a regularidade do processo de dispensa de licitação. No caso julgado, o procurador municipal havia sido acusado de ter dolosamente atestado uma inexistente situação de caráter emergencial para justificar a dispensa de licitação e beneficiar determinada empresa.
Mas, de acordo com a 2ª Turma do tribunal, não é possível exigir que o assessor jurídico analise o mérito da justificativa apresentada pelo administrador público a respeito de uma situação de emergência. A assessoria deve se ater ao cumprimento dos requisitos formais do processo de dispensa de licitação, não aos aspectos que envolvem o mérito das decisões tomadas pelo administrador. Além disso, a inicial acusatória deve mencionar a vantagem de que teria se beneficiado o assessor:
“A Turma considerou que não se pode exigir do assessor jurídico conhecimento técnico de todas as áreas e não apenas do Direito. No processo licitatório, não compete à assessoria jurídica averiguar se está presente a causa de emergencialidade, mas apenas se há, nos autos, decreto que a reconheça. Sua função é zelar pela lisura sob o aspecto formal do processo, de maneira a atuar como verdadeiro fiscal de formalidades, somente.
Além disso, a denúncia não menciona suposta vantagem que o paciente teria obtido no exercício de suas funções, tampouco se o parecer teria sido emitido com a intenção de causar danos ao erário. Nesse sentido, o denunciado poderia ser responsabilizado criminalmente não pela pura emissão do parecer, mas pela sua participação ativa no esquema criminoso, de modo a se beneficiar dele.
A jurisprudência da Corte, inclusive, é firme no sentido de que o parecer puramente consultivo não gera responsabilização do seu autor.
Ademais, é vedada a responsabilização penal objetiva, sem comprovação de dolo ou culpa. Nesse sentido, a configuração da tipicidade material dos crimes em questão exige a comprovação de prejuízo ao erário e de finalidade específica de favorecimento indevido.”
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