A rotina da atividade policial tem revelado com frequência situações nas quais indivíduos suspeitos da prática do tráfico de drogas são abordados trazendo consigo telefones celulares prontamente examinados pelos policiais em busca de mensagens armazenadas em aplicativos como o WhatsApp. O STJ tem decidido que os aparelhos podem ser examinados, mas desde que por meio de perícia previamente autorizada por decisão judicial. O tribunal firmou a tese de que violam direitos e garantias fundamentais a consulta e o exame pericial realizados diretamente após a apreensão pela polícia, sem a prévia autorização judicial:
“2. ‘A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos (“WhatsApp”), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel.’ (HC 372.762/MG, Relator Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 16/10/2017). 3. In casu, conforme se extrai dos autos (fls. 200/201), os telefones foram apreendidos no momento do flagrante, isto é, sem autorização judicial. 4. Hipótese em que, ainda que se considere nula a prova obtida por meio da apreensão dos celulares, tal constatação não tem o condão de afastar a condenação do recorrente que encontrou amparo em outros elementos de prova não decorrentes dos dados obtidos por meio da perícia realizada no celular do acusado.” (REsp 1.727.266/SC, j. 05/06/2018)
Note-se que isto ocorre mesmo no caso de prisão em flagrante, durante a qual o aparelho pode ser apreendido, mas, até que se providencie autorização judicial específica, nenhuma devassa de dados considerados sigilosos pode ser promovida, sob pena de anulação da prova.
Recentemente, ao julgar o HC 511.484/RS (j. 15/08/2019), o STJ se deparou com outra situação: em uma abordagem de rotina, policiais encontraram certa quantidade de drogas embaixo do assento do motorista de um veículo. Durante a revista, o telefone celular de um dos ocupantes do veículo tocou várias vezes, até que um policial decidiu atender. Ao perceber que se tratava de alguém que buscava adquirir drogas, fez-se passar pelo proprietário do aparelho e efetuou a negociação. Em seguida, foi até o lugar marcado e encontrou o potencial comprador, que confessou a aquisição de drogas do indivíduo que havia sido abordado pouco antes. Diante disso, os policiais efetuaram a prisão em flagrante pelo crime de tráfico.
Para o STJ, a prova foi ilegal, e, como dela derivaram todos os demais elementos probatórios, a ação penal foi anulada.
Segundo o ministro Sebastião Reis Júnior, nem mesmo a situação de flagrância era certa até o momento em que o policial decidiu atender à ligação, pois a quantidade de drogas guardadas no veículo era muito pequena (2,8g de cocaína e 1,26g de maconha). Logo, até que o policial encontrasse o indivíduo que confessaria a aquisição de drogas daquele que já havia sido abordado, não havia nenhum elemento que revelasse indício razoável da mercancia ilegal. Citando seu próprio voto em outro habeas corpus, o ministro afirmou que “tal conduta, embora não se encaixe perfeitamente no conceito de interceptação telefônica, revela verdadeira invasão de privacidade e indica a quebra do sigilo das comunicações telefônicas do paciente, em afronta a princípios muito caros do nosso ordenamento jurídico. Não merece, portanto, o endosso do Superior Tribunal de Justiça, mesmo que se tenha em mira a persecução penal de pessoa supostamente envolvida com tráfico de drogas
(…)
No caso, entendo que a prova foi obtida por meio de arbítrio do policial militar, e cabe ao magistrado abstraí-la do conjunto probatório porque alcançada sem observância das regras de Direito que disciplinam a execução do jus puniendi. Não tinha a autoridade policial permissão, do titular da linha telefônica ou mesmo da Justiça, para atender ao telefone móvel do paciente e travar conversa através daquela linha com qualquer interlocutor que fosse. O policial ‘entrou’ na comunicação alheia, de modo a obter, de modo sub-reptício, conversa que deveria ficar entre aquele que ligou e o destinatário real do telefonema. É consabido que o sigilo das comunicações telefônicas – e o caso se enquadra nesta situação – somente pode ser relativizado nas hipóteses e na forma que a lei especificar”.
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos