Informativo: 657 do STJ – Direito Penal
Resumo: A qualificação de hediondez aos crimes do art. 16 da Lei n. 10.826/2003, inserida pela Lei n. 13.497/2017, abrange os tipos do caput e as condutas equiparadas previstas no seu parágrafo único.
Comentários:
O art. 16 da Lei 10.826/03 contém um tipo básico no caput e, no parágrafo único, seis figuras equiparadas. O caput tipifica condutas relativas especificamente a armas de fogo, acessórios e munições de uso proibido ou restrito, ao passo que o parágrafo único trata de condutas que podem abranger inclusive armas de uso permitido:
I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;
II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;
III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;
IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;
V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente;
VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.
Estas condutas equiparadas, portanto, não têm – ou não precisam ter – direta relação com aquelas das quais derivam.
Ocorre que a Lei 13.497/17 alterou a Lei 8.072/90 para tornar hediondo o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito ou proibido. De acordo com a atual redação do art. 1º, parágrafo único, da Lei dos Crimes Hediondos:
“Consideram-se também hediondos o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, todos tentados ou consumados”.
Diante da referência genérica ao art. 16, há certa controvérsia a respeito da extensão da figura hedionda: todas as condutas tipificadas devem ser tratadas como de especial gravidade, ou só a forma básica, tipificada no caput?
Se analisarmos as justificativas do projeto de lei, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, veremos que a intenção era punir com mais rigor a conduta tipificada no caput. Com efeito, as referências dos parlamentares que advogavam a aprovação do projeto eram todas à crescente violência ligada à posse e ao porte de armamentos por criminosos, que normalmente fazem uso de artefatos com grande poder de fogo, não raro maior do que os de que dispõem as forças policiais, razão pela qual o maior rigor na punição seria um esforço a ser somado no combate a prática tão nefasta. E se analisarmos as condutas tipificadas no parágrafo único do art. 16, veremos que algumas delas não estão necessariamente ligadas às circunstâncias descritas nas justificativas parlamentares, como ocorre, por exemplo, com os incisos I, IV, V e VI.
De fato, o maior perigo causado pela posse ou pelo porte de uma arma de uso restrito não tem nenhuma relação com o ato de suprimir marca, numeração ou sinal de identificação de arma de fogo, tanto que esta conduta pode ser cometida inclusive sobre armas de uso permitido. Exatamente o mesmo pode ser dito dos demais incisos citados, pois todas as condutas neles tipificadas podem se fundamentar tanto em armas de uso permitido quanto em armas de uso restrito.
O STJ, no entanto, tem decidido que a figura hedionda abrange completamente o tipo penal.
No final de 2018, o ministro Jorge Mussi proferiu decisão monocrática na qual não conheceu de habeas corpus impetrado porque, condenado pela prática de uma das figuras equiparadas do art. 16, o agente – reincidente – havia sido obrigado a cumprir três quintos da pena para a progressão de regime:
“Na hipótese dos autos, o crime foi praticado após a edição da Lei n.º 13.497/2017 que não especificou que só o caput seria abrangido pela hediondez, daí o entendimento de que tal natureza se estende a todas as condutas narradas no art. 16. Ante o exposto à progressão de regime deve ser aplicada a fração de 3/5 (três quintos), porque hediondo o crime e reincidente o paciente.”
E, recentemente, a Sexta Turma do tribunal denegou por unanimidade a ordem de habeas corpus impetrado com a mesma fundamentação. Para o órgão colegiado, a Lei 13.497/17 não limitou ao caput a hediondez do crime:
“1. O art. 16 da Lei n. 10.826/2003 prevê gravosas condutas de contato com “arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito”, vindo seu parágrafo único a acrescer figuras equiparadas – em gravidade e resposta criminal. 2. Ainda que possam algumas das condutas equiparadas ser praticadas com armas de uso permitido, o legislador as considerou graves ao ponto de lhes fixar reprovação criminal equivalente às condutas do caput. 3. Equiparação é tratamento igual para todos os fins, considerando equivalente o dano social e equivalente também a necessária resposta penal, salvo ressalva expressa. 4. Ao ser qualificado como hediondo o art. 16 da Lei n. 10.826/2003, também as condutas equiparadas, e assim previstas no mesmo artigo, devem receber igual tratamento. 5. Praticado o crime equiparado do parágrafo único do art. 16 da Lei n. 10.826/2003 após a publicação da Lei n. 13.497/2017, que inseriu a qualificação de hediondez, incide esse tratamento mais gravoso ao fato do processo. 6. Habeas corpus denegado” (HC 526.916/SP, j. 01/10/2019).
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