A recente lei de abuso de autoridade trouxe para o debate inúmeros tipos abertos e alguns temas bem polêmicos.
Efetivamente, existia um medo da comunidade jurídica de que interpretações minoritárias ou diferenciadas pudessem ser consideradas como abuso de autoridade.
Com a finalidade de evitar a possibilidade do denominado crime de hermenêutica, o artigo 1ª da lei, no seu §2º, trouxe a seguinte redação:
§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.
Para além da divergência com base em outras decisões, seja do mesmo juiz ou de outros tribunais, é bem importante compreender que esse dispositivo provocou a necessidade de que o julgamento de mérito quanto ao crime de abuso de autoridade seja feito no tribunal de modo unânime. Explico.
Muito mais grave que punir uma hermenêutica com base em processos semelhantes seria admitir a condenação, por exemplo, de um juiz ou de um promotor que, naquele mesmo processo, tenha tido um voto de mérito, considerando aquela interpretação correta e adequada.
Poder-se-ia alegar que, em um júri, decide-se por maioria também e que, portanto, não tem sentido o voto vencido prevalecer sobre os votos majoritários. Ocorre que o júri não é regido pela regra do §2º do artigo 1º da lei de abuso de autoridade, que serve, não apenas para a análise do ato questionado, mas também como limite para que não seja considerado abuso algum ato que tenha o respaldo de pelo menos um desembargador ou ministro que, exatamente naquele caso, considera possível aquela interpretação.
O voto divergente de mérito no processo tem o condão de excluir a lógica do abuso de autoridade, uma vez que é uma divergência fulcral que elimina a existência do dolo de abusar.
Por outro lado, evidentemente se o voto divergente for sobre uma questão processual e não sobre o ato apontado como configurador do abuso de autoridade, não há sentido em se exigir o julgamento unânime, pois não incide a hipótese de aplicação do parágrafo segundo.
Enfim, tanto a divergência externa (heterogênea e que pode ser jurisprudencial ou doutrinária) quanto a divergência no processo em análise de mérito (homogênea e exclusivamente jurisprudencial) são impeditivos à configuração do tipo dos crimes previstos na lei de abuso de autoridade.