Informativo: 662 do STJ – Processo Penal
Resumo: O Juízo da Execução pode promover a retificação do atestado de pena para constar a reincidência, com todos os consectários daí decorrentes, ainda que não esteja reconhecida expressamente na sentença penal condenatória transitada em julgado.
Comentários:
Como dispõe o art. 63 do Código Penal, “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. Tal dispositivo deve ser complementado pelo artigo 7º da Lei Contravenções Penais, segundo o qual “Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção”.
No momento em que o juiz aplica a pena, a reincidência se destaca na qualidade de circunstância agravante. Sempre que demonstradas as condições dos dispositivos legais transcritos no parágrafo anterior, o juiz impõe determinada fração de aumento e estabelece o regime inicial adequado às condições pessoais do réu.
Ocorre que, por diversas razões – como falha pessoal ou ausência de documentação comprobatória –, é possível que o juiz deixe de reconhecer a reincidência na sentença condenatória, que transita em julgado e dá ensejo ao início da execução da pena sem que esta importante característica pessoal seja revelada no processo de conhecimento. Mas é possível que, no processo de execução da pena, o juiz tome ciência de que o condenado é reincidente. Que consequências isto pode provocar?
É certo que a sentença condenatória não pode ser corrigida pelo juiz da execução no tocante à quantidade da pena e à forma inicial de execução. Se o juiz que impõe a condenação não aumenta a pena nem estabelece o regime inicial adequado devido a algum equívoco na identificação da reincidência, cabe ao Ministério Público interpor recurso de apelação para a reforma da sentença. Uma vez certificado o trânsito em julgado, não é possível que o órgão de execução refaça o processo trifásico para agravar a pena, nem tampouco que corrija o regime inicial.
Ocorre que a reincidência também tem efeitos na execução. O livramento condicional, por exemplo, é concedido após o cumprimento de determinada fração da pena, e esta fração varia conforme o condenado seja primário ou reincidente. Desde a edição da Lei 13.964/19, as regras relativas à progressão de regime também são profundamente influenciadas pela reincidência (art. 112, incisos I a VIII, da LEP), embora já o fossem, em certa medida, mesmo antes da alteração legal, nos casos de crimes hediondos ou equiparados (em que a progressão dependia do cumprimento de 2/5 da pena, no caso do primário, ou de 3/5, no caso do reincidente).
Há certa divergência a respeito da possibilidade de o juiz da execução invocar a reincidência não reconhecida na sentença condenatória. Há tempos a 6º Turma do STJ decide que a reincidência é uma circunstância de caráter pessoal que, por ter efeitos na execução da pena, pode ser invocada pelo juiz da execução ainda que a sentença condenatória seja omissa. A eficácia e a correta aplicação de institutos próprios da execução penal não dependem de expressa menção à reincidência no édito condenatório:
“3. ‘A individualização da pena no processo de conhecimento visa aferir e quantificar a culpa exteriorizada no fato passado. A individualização no processo de execução visa propiciar oportunidade para o livre desenvolvimento presente e efetivar a mínima dessocialização possível. Daí caber à autoridade judicial adequar a pena às condições pessoais do sentenciado’. (BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 23 ). 4. Não prospera, nessa perspectiva, o argumento de que a consideração da reincidência, apenas na fase de execução penal, revelaria o inaceitável reformatio in pejus, tendo em vista que não há falar em agravamento da reprimenda, mas apenas em individualização da pena, que na esfera de competência do juízo da execução se relaciona com institutos próprios (progressão de regime, livramento condicional etc). 5. In casu, asseverado pelo magistrado, na sentença condenatória, que o ora recorrente possuía condenação anterior transitada em julgado (período depurador não foi alcançado), a qual foi utilizadas para exasperar a pena na primeira fase da dosimetria, não há violação à coisa julgada ou reformatio in pejus quanto à consideração do Juiz da execução, no sentido de ser o recorrente reincidente para fins de progressão de regime. 6. Agravo regimental não provido” (AgRg no REsp 1.642.746/ES, j. 03/08/2017).
Em decisões mais recentes, a 5ª Turma, que não partilhava desta orientação, aderiu a ela:
“1. Predomina, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a orientação no sentido de que a reincidência do acusado constitui circunstância pessoal que acompanha o condenado durante toda a execução criminal, podendo ser reconhecida pelo Juízo da execução que supervisiona o cumprimento da pena, ainda que não reconhecida pelo juízo que prolatou a sentença condenatória. Ressalva do entendimento do Relator em sentido diverso. […] 3. Nessa linha de raciocínio, a reincidência deve ser considerada como um fato relacionado à condição pessoal do condenado que não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Juízo da execução (AgRg no HC n. 510.572⁄MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 6⁄8⁄2019, DJe 13⁄8⁄2019). Assim, as condições pessoais do apenado, tal como a reincidência, ainda que não sejam reconhecidas na condenação, devem ser observadas pelo Juízo das execuções para concessão de benefícios, já que tal proceder encontra-se na sua esfera de competências, definida no art. 66 da LEP, descabendo falar-se em reformatio in pejus ou em violação da coisa julgada material, mas em individualização da pena relativa à apreciação de institutos próprios da execução penal (AgRg no HC n. 511.766⁄MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 18⁄6⁄2019, DJe 27⁄6⁄2019). 4. Em suma: a) o entendimento desta Corte Superior é no sentido de que compete ao Juízo das Execuções Penais aferir todos os elementos necessários à correta e individualizada execução da pena, razão pela qual lhe é permitido decidir acerca da existência de condições pessoais que interessem à fase executiva, como é o caso da reincidência, ainda que esta circunstância não tenha sido reconhecida no título condenatório; b) não importa que o Apenado tenha sido considerado primário no édito condenatório, tendo em vista que a análise das circunstâncias pessoais (reincidência ou primariedade) é de competência do juízo da execução no momento do deferimento, ou não, dos benefícios (AgRg no HC 493.043⁄MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 6⁄8⁄2019, DJe 19⁄8⁄2019)” (AgRg no AgRg no HC 516.865/MG, j. 10/09/2019).
No julgamento do EREsp 1.738.968/MG (j. 27/11/2019), a Terceira Seção do tribunal decidiu formalizar esta orientação:
“A Terceira Seção do STJ, em apreciação aos embargos de divergência, pacificou o entendimento que encontrava dissonância no âmbito das turmas de direito penal sobre o momento da individualização da pena. Decidiu o acórdão embargado, da Quinta Turma, que a reincidência que não esteja expressamente reconhecida no édito condenatório não pode ser proclamada pelo juiz da execução, sob pena de violação à coisa julgada e ao princípio da non reformatio in pejus. O acórdão paradigma, da Sexta Turma, por sua vez, entendeu que as condições pessoais do paciente, como a reincidência, devem ser observadas pelo juízo da execução para concessão de benefícios. Tratando-se de sentença penal condenatória, o juízo da execução deve se ater ao teor do referido decisum, no que diz respeito ao quantum de pena, ao regime inicial, bem como ao fato de ter sido a pena privativa de liberdade substituída ou não por restritiva de direitos, fatores que evidenciam justamente o comando emergente da sentença. Todavia, as condições pessoais do réu, da qual é exemplo a reincidência, devem ser observadas na execução da pena, independente de tal condição ter sido considerada na sentença condenatória, eis que também é atribuição do juízo da execução individualizar a pena. Como se sabe, a individualização da pena se realiza, essencialmente, em três momentos: na cominação da pena em abstrato ao tipo legal, pelo Legislador; na sentença penal condenatória, pelo Juízo de conhecimento; e na execução penal, pelo Juízo das Execuções. Esse entendimento, a propósito, tem sido convalidado pelo Supremo Tribunal Federal, para o qual o ‘reconhecimento da circunstância legal agravante da reincidência (art. 61, I, do Código Penal), para fins de agravamento da pena do réu, incumbe ao juiz natural do processo de conhecimento. De outro lado, a aferição dessa condição pessoal para fins de concessão de benefícios da execução penal compete ao juiz da Vara das Execuções Penais. Trata-se, portanto, de tarefas distintas. Nada obsta a ponderação da reincidência no âmbito da execução penal do reeducando, ainda que não lhe tenha sido agravada a pena por esse fundamento, quando da prolação da sentença condenatória’”.
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