Informativo: 673 do STJ – Direito Penal e Processo Penal
Resumo: Ausentes os elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes relacionados a pirâmide financeira em investimento de grupo em criptomoeda.
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Há diversas as infrações penais cometidas contra o sistema financeiro que, devido ao interesse direto da União, são de competência da Justiça Federal. É o caso, por exemplo, da evasão de divisas e da fraude em instituição financeira, tipificadas na Lei 7.492/86. São infrações que de alguma forma atingem a União, que tem interesse em controlar a movimentação de moeda para fora e para dentro do Brasil, não somente em virtude da influência que isso pode exercer na economia interna, mas também por questões de ordem tributária, como também tem o interesse de manter a higidez do sistema financeiro nacional garantindo sua operação em condições nas quais as pessoas possam confiar.
Ultimamente, um aumento considerável na utilização das denominadas criptomoedas tem gerado controvérsias a respeito da competência para o julgamento de crimes decorrentes de operações financeiras em diversas circunstâncias. Negociadas apenas por meio virtual, sem nenhum controle do Banco Central nem de algum outro órgão ligado à fiscalização do sistema financeiro, é inevitável que as criptomoedas ensejem a multiplicação de atos ilícitos nas transações, o que pode provocar certa perplexidade nos operadores do sistema criminal, cujas normas não acompanham a evolução tecnológica e o incremento das atividades delituosas decorrentes desta evolução.
Não obstante a denominação criptomoeda, a tendência atual do STJ é de bem diferenciá-la da moeda propriamente dita, cuja emissão e circulação têm o controle estrito do Banco Central. Isso tem como consequência direta o afastamento da competência da Justiça Federal para julgar boa parte dos crimes que envolvem esse novo meio de transacionar. A não ser que o fato envolva também algum crime contra o sistema financeiro, o tribunal tem conferido à Justiça Estadual a competência para julgar fatos que, na sua visão, atingem principalmente a economia popular (CC 161.123/SP, j. 28/11/2018). Um exemplo recente é o julgamento do CC 170.392/SP, j. 10/06/2020), no qual se caracterizou como simples pirâmide financeira o investimento de grupo em criptomoeda:
“A Terceira Seção do STJ já se pronunciou no sentido de que a captação de recursos decorrente de “pirâmide financeira” não se enquadra no conceito de atividade financeira, razão pela qual o deslocamento do feito para a Justiça Federal se justifica apenas se demonstrada a prática de evasão de divisas ou de lavagem de dinheiro em detrimento de bens e serviços ou interesse da União.
Registre-se que o entendimento da Terceira Seção harmoniza-se com julgados da Quinta e da Sexta Turmas do STJ que tipificaram condutas análogas às descritas no presente conflito como crime contra a economia popular.
No caso analisado, o juízo estadual declinou de sua competência para a Justiça Federal, entendendo que se trataria de um crime contra o Sistema Financeiro Nacional, uma vez que se investiga um grupo de investimentos em criptomoedas (‘bitcoin’) e que, na verdade, se trataria de pirâmide financeira.
No entanto, ao declinar da competência, o Juízo Estadual deixou de verificar a prática, em tese, de crime contra a economia popular, cuja apuração compete à Justiça Estadual, nos termos da Súmula n. 498/STF, bem como não demonstrou especificidades do caso que revelassem conduta típica praticada em prejuízo a bens, serviços ou interesse da União.
Assim, ausentes elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, os autos devem permanecer na Justiça Estadual”.
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Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos
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