A Lei n. 8.429/1992 (LIA) trata da prescrição em seu artigo 23, dispositivo com a seguinte redação:
“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
III – até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei”
Comentaremos os incisos na segunda e na terceira partes. Por ora, abordaremos os principais pontos polêmicos acerca do assunto.
Cumpre assinalar, desde logo, que ao interpretar o art. 37, § 5º, da CF/88, o STF entendeu que são imprescritíveis as pretensões de ressarcimento ao erário com base na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificados na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) – RE 852475/SP, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2018, com repercussão geral – tema 897. Ver também Súmula 282 do TCU.
Os demais atos ilícitos – os não dolosos atentatórios à probidade da administração e aos anteriores à edição da Lei 8429/1992 – são prescritíveis; aplicando-se a eles o que fora decidido no RE 669.069/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 03/02/2016: é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil – Tema 666.
Assim, fora os atos de improbidade administrativos QUE CAUSEM DANO AO ERÁRIO E forem praticados com o ELEMENTO DOLO, as demais sanções, listadas na Lei de Improbidade Administrativa são submetidas a prazos prescricionais.
Assim, à Lei de Improbidade Administrativa coube estabelecer, no art. 23, os prazos de prescrição para os ilícitos praticados, “ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Como dissemos em nosso Análise das Divergências Jurisprudenciais no STF e STJ. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 165, o prazo estabelecido no art. 23 da Lei n. 8.429/92 se refere à aplicação das sanções do art. 12 que não envolvam o ressarcimento ao erário que, se praticado de forma dolosa, é imprescritível.
Por consequência disso, é comum que parte das sanções descritas no art. 12 da LIA esteja prescrita, mas remanesça interesse no prosseguimento da ação para obter o ressarcimento ao erário. Pode ser decretada, pois, a prescrição apenas em relação às sanções, mas se admite o prosseguimento da ação de improbidade quanto ao pedido de reparação de danos (seria o caso de prescrição parcial). Para José dos Santos Carvalho Filho (Improbidade Administrativa. São Paulo: Atlas, 2019, p. 142, “a autonomia das pretensões específicas reside em que eventual fato impeditivo relacionado a uma delas não afeta necessariamente a outra.“
Por isso, nada impede seja utilizada a ação referida no art. 17 da Lei n. 8.429/1992, ou qualquer outra dotada de eficácia similar, com o fim, único e exclusivo, de demonstrar a prática do ato de improbidade e perseguir a reparação do dano. A imprescritibilidade, é importante, frisar, embora busque resguardar a apresentação de uma pretensão em juízo, encontra justificativa na ratio essendi no direito tutelado – vide GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 713.
Nessa linha, entende o STJ que “a prescrição das sanções pela prática de atos de improbidade não impede o ajuizamento de ação objetivando ressarcimento de dano” (REsp 1232548/SP, DJe 24/10/2013)
Cumpre registrar que nas ações de improbidade administrativa a prescrição é interrompida com o simples ajuizamento da ação (independentemente da data da citação, qual retroage ao ajuizamento), de modo que não são relevantes para fins de contagem do prazo de prescrição as datas em que se sucedem a decisão de recebimento da inicial e a consequente notificação dos acusados – vide no STJ: AgInt no REsp 1824085/RS, DJe 17/03/2020 e REsp 1749057/RS, DJe 17/12/2018.
Interrompe-se a prescrição da pretensão condenatória com o ajuizamento da ação dentro do prazo de 5 (cinco) anos previsto no art. 23 e incisos, ainda que a citação do réus seja efetiva após esse prazo.
Devemos pontuar ainda que não se admite, nas ações de improbidade, a decretação da prescrição intercorrente, pois o art. 23 somente se refere somente à prescrição quinquenal para ajuizamento da ação – vide REsp 1721025/SE, DJe 02/08/2018 e AgInt no AREsp 962.059/PI, DJe 29/05/2017). O art. 23 da Lei 8.429/1992, que regula o prazo prescricional para propositura da ação de improbidade administrativa, não possui comando a permitir a aplicação da prescrição intercorrente nos casos de sentença proferidas há mais de 5 (cinco) anos do ajuizamento ou do ato citatório na demanda (REsp 1289993/RO, DJe 26/09/2013).
E por ser matéria de ordem pública, a prescrição pode ser decretada de ofício pelo magistrado – vide PAZZAGLINI FILHO, Mariano. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. São Paulo, Atlas, 2014, p. 248. Para José dos Santos Carvalho Filho (2019, p. 144), o sistema vigente sobre a declaração de ofício da prescrição “aplica-se perfeitamente à ação de improbidade administrativa.” De fato, para o STJ, é lícito ao juiz declarar de ofício a prescrição – vide REsp 693132/RS, DJe 07/12/2006. Para a doutrina, o art. 191 do Código Civil, que admite que a prescrição pode ser objeto de renúncia, é inaplicável à prescrição da improbidade – por todos, Carvalho Filho (2019, p. 144).
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