Informativo: 683 do STJ – Processo Penal
Resumo: O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei n. 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.
Comentários:
O acordo de não persecução penal é uma espécie de ajuste obrigacional celebrado entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente homologado pelo juiz, no qual o indigitado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde logo, condições menos severas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele imputado.
É evidente que os instrumentos negociais, há tempos presentes no processo cível, cumprem expectativas dos indivíduos e agentes político-econômicos, porque abreviam o tempo para a solução do conflito e atendem um prático cálculo de utilidade social. O consenso entre as partes se estabelece em um ambiente de coparticipação racional, mediante vantagens recíprocas que concorrem para uma aceitabilidade no cumprimento da medida mais efetiva, sentimento que eleva o senso de autorresponsabilidade e comprometimento com o acordo, atributos que reforçam a confiança no seu cumprimento integral.
São pressupostos cumulativos do acordo, todos previstos, mesmo que implicitamente, no caput do art. 28-A do CPP:
a) existência de procedimento investigatório: a segurança de que existe um procedimento formalizado é importante para os atores do sistema criminal, evitando abusos do Estado e, ao mesmo tempo, permitindo a transparência na negociação.
b) não ser o caso de arquivamento dos autos: o ANPP pressupõe justa causa para a denúncia-crime, isto é, o mínimo de suporte fático, aquele início de prova (mesmo que indiciária) capaz de justificar a oferta da instância penal.
c) cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos e o crime não ter sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa: para a aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere a lei são consideradas as causas de aumento e diminuição, aplicáveis ao caso concreto (§1º do art. 28-A).
d) o investigado ter confessado formal e circunstanciadamente a prática do crime: a Resolução 181/17 determina que a confissão detalhada dos fatos e as tratativas do acordo devem ser registrados pelos meios ou recursos de gravação audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações. A Lei 13.964/19 não exigiu tais formalidades, que, no entanto, merecem ser observadas na medida do possível.
Importante alertar que, apesar de pressupor confissão, o acordo não contempla o reconhecimento expresso de culpa pelo investigado. Há, se tanto, uma admissão implícita de culpa, de índole puramente moral, sem repercussão jurídica. A culpa, para ser efetivamente reconhecida, demanda o devido processo legal. Não sem razão, diz o §12 que “A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do §2º. deste artigo”.
Para os inquéritos policiais em andamento antes do início da eficácia da Lei 13.964/19, o membro do Ministério Público pode verificar se o investigado confessou a prática do crime. Se tiver confessado, e for cabível o ANPP, pode ser designada data para ser proposto o acordo. Se não há confissão, pode ser oferecida a denúncia, salvo se o membro do Ministério Público considerar viável a notificação do investigado para comparecer a fim de verificar o interesse em confessar e celebrar o acordo.
E para os casos em que há processo formalizado, a Lei 13.964/19 pode ser aplicada retroativamente para que o acordo seja proposto? Segundo decidiu a Quinta Turma do STJ, não é possível propor o acordo de não persecução penal se a denúncia já houver sido recebida:
“A Lei n. 13.964/2019 (comumente denominada como “Pacote Anticrime”), ao criar o art. 28-A do Código de Processo Penal, estabeleceu a previsão no ordenamento jurídico pátrio o instituto do acordo de não persecução penal.
Em síntese, consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se faz necessária a otimização dos recursos públicos e a efetivação da chamada Justiça multiportas, com a perspectiva restaurativa.
A respeito da aplicação retroativa do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), a 5ª Turma deste Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, embora o benefício processual/penal possa ser aplicado aos fatos anteriores à vigência da lei, a denúncia não pode ter sido recebida ainda.
Recentemente, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC-191.464/STF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJe de 12/11/2020, ao examinar o tema, proclamou o mesmo entendimento” (HC 607.003/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, j. 24/11/2020).
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