Informativo: 706 do STJ – Processo Penal
Resumo: Nos crimes de estelionato, quando praticados mediante depósito, por emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou por meio da transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, em razão da superveniência de Lei 14.155/2021, ainda que os fatos tenham sido anteriores à nova lei.
Comentários:
Dadas as diversas circunstâncias em que o estelionato pode ser cometido, não raro surgem dúvidas a respeito do juízo competente para julgamento, pois nem sempre quem sofre o prejuízo e quem obtém a vantagem se encontram no mesmo local e, em tais situações, pode haver certa dificuldade para estabelecer com precisão onde o estelionatário realmente alcançou o proveito de seu ardil.
O Superior Tribunal de Justiça julga incontáveis casos dessa natureza. Em seus julgamentos, a Terceira Seção do tribunal diferenciava as situações em que a fraude é cometida por meio de saque ou compensação de cheque das situações em que a vítima efetua depósito ou transferência de valores para uma conta corrente designada pelo estelionatário:
“[…] 2. Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será de regra determinada pelo lugar em que se consumou a infração e o estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP, consuma-se no local e momento em que é auferida a vantagem ilícita. De se lembrar que o prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não à conduta propriamente. De fato, o núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente. 3. Há que se diferenciar a situação em que o estelionato ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado, da hipótese em que a própria vítima, iludida por um ardil, voluntariamente, efetua depósitos e/ou transferências de valores para a conta corrente de estelionatário.
Quando se está diante de estelionato cometido por meio de cheques adulterados ou falsificados, a obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o cheque é sacado, pois é nesse momento que o dinheiro sai efetivamente da disponibilidade da entidade financeira sacada para, em seguida, entrar na esfera de disposição do estelionatário. Em tais casos, entende-se que o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, seja dizer, onde a vítima possui conta bancária.
Já na situação em que a vítima, induzida em erro, se dispõe a efetuar depósitos em dinheiro e/ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita por certo ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, seja dizer, no momento em que ele é depositado em sua conta. Precedentes: CC 169.053/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2019, DJe 19/12/2019; CC 161.881/CE, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2019, DJe 25/03/2019; CC 162.076/RJ, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2019, DJe 25/03/2019; CC 114.685/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 22/04/2014; CC 101.900/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 06/09/2010; CC 96.109/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2009, DJe 23/09/2009. 4. Tendo a vítima efetuado transferências bancárias para contas de pessoas físicas cujas agências bancárias localizam-se todas no Município de Guarulhos/SP, é de se reconhecer que a competência para condução do inquérito policial é do Juízo de Direito da 4ª Vara criminal de Guarulhos/SP, o suscitado” (AgRg no CC 171.632/SC, j. 10/06/2020).
A Lei 14.155/21 inseriu no art. 70 do CPP o § 4º para dispor o seguinte:
“Nos crimes previstos no art. 171 do Código Penal, quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção”.
A partir dessa lei, portanto, grande parte da controvérsia envolvendo a competência no estelionato plurilocal está resolvida: o crime cometido mediante depósito, emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores deve ser julgado segundo o domicílio da vítima.
Nota-se que a solução legal diverge um tanto da orientação que havia sido firmada pelo STJ. Em decisão recente, a Terceira Seção do tribunal decidiu que a disposição inserida no Código de Processo Penal se aplica inclusive para os crimes cometidos anteriormente à entrada em vigor da Lei 14.155/21:
“Nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal, “[a] competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”.
Quanto ao delito de estelionato (tipificado no art. 171, caput, do Código Penal), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça havia pacificado o entendimento de que a consumação ocorre no lugar onde aconteceu o efetivo prejuízo à vítima.
Ocorre que sobreveio a Lei n. 14.155/2021, que entrou em vigor em 28/05/2021 e acrescentou o § 4.º ao art. 70 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que: “§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.”
Como a nova lei é norma processual, esta deve ser aplicada de imediato, ainda que os fatos tenham sido anteriores à nova lei, notadamente quando o processo ainda estiver em fase de inquérito policial, razão pela qual a competência no caso é do Juízo do domicílio da vítima” (CC 180.832/RJ, j. 25/08/2021).
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