No dia 20 de abril de 2023 foi publicada a Lei n. 14.550/2023, que “altera a Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para dispor sobre as medidas protetivas de urgência e estabelecer que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida não excluem a aplicação da lei”. Esta lei, de autoria da então Senadora Simone Tebet, teve seu anteprojeto redigido no âmbito do Consórcio de ONGs que fomentou a criação da Lei Maria da Penha e, portanto, representa os legítimos anseios dos movimentos de mulheres e feministas quanto ao fim da tolerância de todas as formas de violências contra as mulheres. Estes autores participaram do processo de redação e aperfeiçoamento do anteprojeto[1]. O presente artigo tem o objetivo de esclarecer quanto à interpretação teleológica da nova legislação e suas repercussões práticas e dogmáticas. Recomendamos fortemente que os/as profissionais do Direito leiam a exposição de motivos da nova lei, para a clara compreensão da finalidade da edição da norma[2].
A nova lei parte da premissa de que a Lei Maria da Penha – LMP: (a) possui um programa normativo de eficiência na proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar (LMP, art. 1º), (b) denuncia esta forma de violência como sendo uma violência baseada no gênero (art. 5º, caput), e (c) tem como seu principal instrumento de proteção jurídica imediata as medidas protetivas de urgência (art. 18 et seq.). Todavia, desde a edição da Lei observa-se que, quando da sua aplicação por seus mais diversos segmentos (polícia, perícia, advocacia, defensoria, ministério público, magistratura etc.) inúmeros são os casos de desvirtuamento do viés protetivo preconizado expressamente no art. 4º da LMP (o qual determina que na interpretação da LMP “serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”).
As diversas controvérsias jurídicas sobre a aplicação da Lei Maria da Penha causam grave insegurança jurídica, e, muitas vezes, desproteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar. Daí a importância e a conveniência da nova legislação.
Convém observar que a Lei n. 14.550/2023 não realiza uma alteração de diretrizes na LMP, mas, sim, uma verdadeira interpretação autêntica que busca afastar as aplicações restritivas que esvaziavam o sentido original da lei, como explicitado na própria exposição de motivos da nova norma.
Há dois grupos de temas sensíveis nessa interpretação autêntica: o conceito jurídico de violência baseada no gênero e os requisitos decisórios relacionados às medidas protetivas de urgência – MPU, como natureza jurídica, questões probatórias e tempo de vigência, conforme se verá na sequência.
1 O CONCEITO JURÍDICO DE VIOLÊNCIA BASEADA NO GÊNERO – art. 40-A, inserido pela Lei n. 14.550/2023
A nova Lei, insere o art. 40-A, o qual busca esclarecer o campo de aplicação da Lei Maria da Penha, nos seguintes termos:
Art. 40-A. Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no art. 5º, independentemente da causa ou motivação dos atos de violência, ou da condição do ofensor ou da ofendida.
O art. 5º citado no novo artigo, por sua vez, estabelece que para os efeitos da Lei, “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (grifo nosso), seguindo-se, em seus incisos, a especificação dos três contextos de aplicação da lei: relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto.
Sobre a questão, antes da edição da nova Lei subsistiam duas interpretações: uma restritiva, que exigia a verificação acerca da motivação de gênero em relação à violência e, outra, que considerava que ato de violência doméstica, familiar e oriunda de relação íntima de afeto contra uma mulher é sempre uma forma de violência baseada no gênero, porque é derivada de representações sociais e culturais de gênero estruturantes das relações sociais e por afetarem as mulheres de forma desproporcional.
O segundo posicionamento está alinhado à nova norma e, consequentemente, com os objetivos trazidos na Lei Maria da Penha, que é o de aumentar o espectro de proteção da mulher vítima em situação de violência doméstica e familiar. Também se encontra alicerçado no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, o qual ao tratar da “Desigualdade de gênero” e das “Desigualdades estruturais, relações de poder e interseccionalidades”, esclarece que (BRASIL, 2021, item 2, “a”):
A homens e mulheres são atribuídas diferentes características, que têm significados e cargas valorativas distintas. O pouco valor que se atribui àquilo que associamos culturalmente ao “feminino” (esfera privada, passividade, trabalho de cuidado ou desvalorizado, emoção em detrimento da razão) em comparação com o “masculino” (esfera pública, atitude, agressividade, trabalho remunerado, racionalidade e neutralidade) é fruto da relação de poder entre os gêneros e tende a perpetuá-las. Isso significa dizer que, no mundo em que vivemos, desigualdades são fruto não do tratamento diferenciado entre indivíduos e grupos, mas, sim, da existência de hierarquias estruturais. A assimetria de poder se manifesta de diversas formas. Ela se concretiza, por exemplo, em relações interpessoais – a violência doméstica é uma forma de concretização dessa assimetria, bem como a violência sexual. Entretanto, por trás e para além de relações interpessoais desiguais, existe uma estrutura social hierárquica, que é o que molda, dentre outros, as relações interpessoais, os desenhos institucionais e o direito.
Convém citar, ainda, que a Recomendação CN 02, de 22 de março de 2023, oriunda do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, traz a mesma preocupação com a desigualdade e a violência de gênero, ao recomendar a (BRASIL, 2023, epígrafe):
adoção de medidas destinadas a assegurar a atuação da Instituição ministerial com perspectiva de gênero voltada a modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher, bem como assegurar materialmente na atuação do MP o tratamento igualitário na temática de gênero.
Atualmente, decisões do Tribunal da Cidadania já vinham procurando construir o entendimento de que não seria necessário discutir concretamente vulnerabilidade da mulher para aplicar a LMP, pois esta seria presumida. O exemplo mais eloquente desta corrente jurisprudencial é a decisão da Corte Especial do STJ de 2022:
AGRAVO REGIMENTAL E PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. NOTÍCIA CRIME OFERTADA CONTRA DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO E PROCURADOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APOSENTADO. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LEI MARIA DA PENHA. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. FUMUS BONI IURI E PERICULUM IN MORA. LEI 11.340/2006. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA. […]
9- O Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir.
10- Para a incidência da Lei Maria da Penha, é necessário que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorra: a) de ação ou omissão baseada no gênero; b) no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação de afeto; tendo como consequência: c) morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial. Precedentes.
11- Na hipótese dos autos, não apenas a agressão ocorreu em ambiente doméstico, mas também familiar e afetivo, entre pais e filhos, marido e mulher e entre irmãos, eliminando qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema da Lei 11.340/2006. […]
(STJ, AgRg na MPUMP n. 6/DF, rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 18/5/2022)
Outro tema que também já estava se consolidando no STJ era o entendimento de que o estupro de vulnerável contra menina, no contexto doméstico ou familiar, sempre seria de competência do Juizado da Mulher, pois “é descabida a preponderância de um fator meramente etário, para afastar a competência da vara especializada e a incidência do subsistema da Lei Maria da Penha” (STJ, RHC 121.813/RJ rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., j. 20/10/2020). Essa questão, foi posteriormente pacificada no âmbito da 3ª Seção do STJ, podendo-se colher do voto do Min. Rogério Schietti a seguinte argumentação:
Na espécie, as condutas descritas na denúncia são tipicamente movidas pela relação patriarcal que o então padrasto estabeleceu com a enteada. O controle sobre o corpo da filha, a ponto de se entender legitimado a praticar o ato invasivo para a satisfação da própria lascívia, é fator típico da estrutura de violência contra pessoas do sexo feminino.
(STJ, HC 728.173/RJ rel. Min. Olindo Menezes (convocado), 3ª S., j. 26/10/2022; voto do Min. Rogério Schietti).
Nesta linha, podemos encontrar outros também oriundos do STJ que decidiram no sentido de ser desnecessária produção de prova sobre a vulnerabilidade da mulher, que seria presumida pela lei. Nesse sentido:
– Filho contra mãe (STJ, AgRg no Resp n. 1.931.918/GO, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., j. 28/9/2021);
– Ameaça e injúria do companheiro contra a companheira (STJ, AgRg no HC n. 682.283/MG, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 14/9/2021);
– Ameaça e lesões corporais do neto contra a avó, com quem reside (STJ, AgRg no AREsp n. 1.819.124/GO, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 11/5/2021);
– Ameaças do genro contra a mãe da ex-companheira (STJ, AgRg no AREsp n. 1.698.077/GO, rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j. 9/3/2021).
Não obstante entendimento acima mencionado e que melhor se alinha ao disposto na LMP, havia outro segmento jurisprudencial que entendia que para a aplicação da LMP não bastava que a vítima fosse uma mulher e que ela sofresse violências em uma das três relações legalmente previstas (doméstica, familiar, íntima de afeto). Seria necessário, ainda, que o sistema de justiça avaliasse se aquela violência seria ou não uma forma de “violência baseada no gênero”. Este entendimento abriu as portas para que o sistema de justiça passasse a excluir da aplicação da LMP casos de violência doméstica e familiar contra a mulher – VDFCM ao argumento de que em tais casos não haveria uma “motivação de gênero” pelo ofensor, ou não haveria uma condição de vulnerabilidade da vítima a justificar a aplicação do subsistema protetivo.
Esta perspectiva acabava por psicologizar a categoria jurídica de “violência baseada no gênero” como algo ínsito ao dolo (consciência e vontade) do indivíduo, ao invés de ser perspectivada como um fenômeno sociocultural, estrutural. Gênero é a “organização social da diferença sexual, construída a partir das relações de poder, da ação das instituições, das práticas e dos discursos” (ÁVILA, MESQUISTA, 2020, p. 192). Esta causalidade estrutural está ancorada no sexismo, reconhecido pelo acúmulo de pesquisas das ciências sociais (MACHADO, 2016), a exemplo de outros sistemas de opressão estrutural, como o racismo e a homofobia. Em outras palavras, a configuração da violência baseada no gênero deveria ser uma análise objetiva derivada da norma especial, em razão do contexto relacional onde mulheres nas situações previstas na LMP (relação doméstica, familiar, ou íntima de afeto) usualmente sofrem mais violência que homens e encontram-se mais vulnerabilizadas, seja do ponto de vista quantitativo como qualitativo (consequências diferenciadas da violência para as mulheres). A equivocada busca por uma “motivação de gênero” também desloca o centro gravitacional da LMP para o ofensor (indevidamente usando, por analogia, parâmetros de tipos penais que exigem dolo específico), ao invés de alinhar-se nas necessidades de proteção às mulheres, derivadas do direito fundamental a uma vida livre de todas as formas de violência (cf. LMP, art. 4º).Vale relembrar que a jurisprudência já entendia que a qualificadora do feminicídio em contexto de violência doméstica e familiar possui natureza objetiva, ou seja, deriva do contexto relacional e não da motivação (STJ, AgRg AREsp 1166764, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., j. 06/06/2019).
A consequência desta corrente jurisprudencial restritiva era o indeferimento do pedido de MPU em casos típicos de violência contra a mulher baseada no gênero, com o inquérito policial sendo redistribuído ao Juizado Especial Criminal ou à Vara Criminal, conforme o caso, onde a persecução penal prosseguiria sem a especial sensibilidade e capacitação dos atores jurídicos regulamentada no subsistema da LMP. Ou seja, um desmonte do sistema protetivo às mulheres, aumentando o risco de ela vir a sofrer novos episódios de violência. Um exemplo recente desta tendência jurisprudencial equivocada pode ser visto aqui:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. SITUAÇÃO QUE NÃO SE INSERE NAS HIPÓTESES DA LEI N. 11.340/2006. COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL COMUM. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA.
[…] A jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido de que, para que a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica seja firmada, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico ou familiar, exigindo-se que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher […].
(STJ, AgRg no AREsp n. 2.099.532/RJ, rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), 5ª T., j. 21/6/2022)
Havia diversos precedentes nessa linha, recusando a aplicação da LMP nos seguintes contextos:
– Vias de fato do padrasto contra a enteada, visitando a passeio, por divergências financeiras (STJ, AgRg no AgRg no AREsp n. 1.993.476/DF, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 15/2/2022);
– Ameaça contra a irmã, quando ela solicitou a mudança do irmão de casa, em contexto de prévios comportamentos agressivos potencializados pelo álcool (STJ, AgRg no AREsp 1700032/GO, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 09/12/2020);
– Lesão corporal praticada pelo pai contra filha adulta, por divergência no pagamento da conta de energia (STJ, AgRg no AREsp 1544860/GO, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª T., ju. 28/04/2020);
– Ameaça praticada pela nora contra a sogra, argumentando que a LMP deveria ter aplicação estrita às relações íntimas de afeto (STJ, HC 175.816/RS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., j. 20/06/2013);
– Ameaça e vias de fato praticadas pela sogra contra a ex-nora, em contexto de conflitos quanto à visitação do filho da ofensora, ao argumento de que se o Tribunal de origem afirmou ausência de provas de relação familiar, não caberia reexame pelo STJ (STJ, RMS 64.832/MT, rel. Min. Laurita Vaz, 6ª T., j. 13/04/2021);
– Ameaça e injúria contra a companheira do pai, em contexto de conflito patrimonial (STJ, AgRg no Resp 1829086/GO, rel. Min. Laurita Vaz, 6ª T., j. 02/06/2020);
– Agressão física do filho contra a mãe, após a mãe repreendê-lo por estar embriagado e usando drogas (STJ, AgRg no AREsp 1593011/GO, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., j. 09/06/2020);
– Lesão corporal da filha contra a mãe, em razão de “desentendimentos múltiplos” (STJ, RHC 50.636/AL, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 28/11/2017).
Usualmente as decisões excluíam do âmbito de aplicação da LMP casos que envolvessem conflitos patrimoniais, disputas entre ex-companheiros sobre guarda ou visitação dos filhos, uso abusivo de álcool ou drogas pelo ofensor, ou ausência de coabitação entre familiares. Este é um entendimento que não se sustenta sociologicamente ou juridicamente (MACHADO, 2016; ÁVILA, MESQUITA, 2020; BIANCHINI, 2021). Patrimônio e patriarcado possuem o mesmo radical, o pátrio poder, ou seja, a suposta autoridade que homens teriam para administrar os recursos financeiros da família. Aliás, a própria LMP prevê em seu art. 7º, IV sua aplicabilidade à violência patrimonial, inclusive prevendo, no art. 24, MPUs específicas de proteção patrimonial. No que tange ao uso de álcool ou drogas por parte dos supostos autores de agressões, convém lembrar que estas substâncias não são a causa da violência, mas um fator de risco, pois reduzem os freios inibitórios e elevam a probabilidade de a violência ser praticada. Em relação à coabitação, a LMP não a exige para nenhuma das três hipóteses de sua aplicação, sendo necessário, tão somente, a presença dos contextos indicados no seu art. 5ª (doméstico, familiar e íntimo de afeto). Vulnerabilidades interseccionais não excluem a violência baseada no gênero, ao contrário, elas elevam o risco de sua ocorrência.
A violência baseada no gênero é, por definição, invisível, naturalizada e estrutural às relações sociais. Exigir que operadores do direito enxerguem a violência baseada no gênero e, se não a identificarem, estarem autorizados a excluir o caso do sistema protetivo da LMP, significa criar a fórmula perfeita para multiplicar idiossincrasias e produzir um caos de insegurança às mulheres no acesso à de justiça. Ou seja, a própria afirmação da competência demandaria aprofundado exame de provas sobre uma violência que é invisível, naturalizada e muitas vezes justificada. Todas essas características podem ser observadas nas reiteradas decisões que acatavam a tese de (i)legítima defesa da honra nos casos de parceiros que se sentiam desonrados por conta de comportamento da vítima (traição ou suposta traição). Somente no ano de 2021, o STF, por ocasião do julgamento liminar da ADPF 779, declarou a tese inconstitucional, com confirmação de mérito tendo ocorrido no ano de 2023.
A multiplicação dos conflitos de competência em razão dessa controvérsia, para crimes de penas baixas que usualmente prescrevem em três anos (CP, art. 109, inciso VI) fomenta prescrições, portanto, impunidade e, infelizmente, a sensação no suposto autor do fato de que fora injusto o processo a que ele foi submetido, reforçando, assim, um discurso, ainda presente, que desacredita da palavra da vítima. E, ela por sua vez, ainda que sofra novos episódios de violência, dificilmente confiará seu problema novamente ao judiciário. É muito prejudicial, portanto, a insegurança na definição da própria competência jurisdicional (que causa, por sua vez, a ineficácia judicial). Tal situação foi, inclusive, trazida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos quando do julgamento do caso Márcia Barbosa, ao evidenciar que:
A ineficácia judicial frente a casos individuais de violência contra as mulheres propicia um ambiente de impunidade que facilita e promove a repetição de fatos de violência em geral e envia uma mensagem segundo a qual a violência contra as mulheres pode ser tolerada e aceita, o que favorece sua perpetuação e a aceitação social do fenômeno, o sentimento e a sensação de insegurança das mulheres, bem como sua persistente desconfiança no sistema de administração de justiça. Essa ineficácia ou indiferença constitui em si mesma uma discriminação à mulher no acesso à justiça. (CORTE IDH, 2021, § 125)
Em verdade, em nenhum momento a LMP utiliza-se das categorias de “vulnerabilidade” ou “hipossuficiência”. Estas categorias são utilizadas pela jurisprudência em outras áreas, como o direito do consumidor, ou trabalhista, ou infanto-juvenil. Observa-se que, em nenhum desses ramos do direito pode o sistema de justiça deixar de aplicar o CDC porque considera que o consumidor não seria vulnerável no caso concreto, ou deixar de aplicar a CLT porque o trabalhador celetista não seria vulnerável, ou deixar de aplicar o ECA porque o adolescente possui desenvolvida capacidade intelectual ou autonomia financeira, por exemplo. Disposições protetivas são sempre aplicadas aos indivíduos integrantes do grupo protegido, independentemente de discussão concretas sobre vulnerabilidades, a proteção jurídica diferencia opera-se de iure. Curiosamente, apenas para a proteção às mulheres se criam tais barreiras de acesso à justiça especializada, uma evidente manifestação de discriminação institucional de gênero.
Esta controvérsia jurisprudencial, ainda que numa tendência de uniformização no sentido que entendemos correto, criava o risco de o Tribunal de Justiça afirmar que não haveria prova da violência baseada no gênero, e o recurso especial nem sequer ser conhecido pelo STJ, esbarrando na vedação de reexame probatório (Súmula 7).
Portanto, para espancar qualquer espécie de dúvida interpretativa, a Lei n. 14.550/2023 insere à LMP, como já mencionado, o art. 40-A, o qual determina a aplicação da LMP “a todas as situações previstas no art. 5º, independentemente da causa ou motivação dos atos de violência, ou da condição do ofensor ou da ofendida.”
Isso significa que, para a aplicação da LMP, basta que se trate de vítima mulher, que alega ter sofrido violência no âmbito das relações domésticas, familiares, ou íntimas de afeto. Isso é suficiente para definir o estatuto jurídico aplicável ao caso (LMP), trazendo segurança jurídica à definição da competência do Juizado da Mulher. Em outras palavras, a lei expressamente conceitua que todos os casos de VDFCM são formas de violência baseada no gênero, que a discriminação às mulheres nesses casos não é um pré-requisito probatório de aplicação da lei, e sim o seu pressuposto político. Não se trata nem de presunção legal, há, isso sim, a definição de uma categoria jurídica; portanto, não há que se falar em produção de prova de ausência de vulnerabilidade (o que voltaria a trazer a insegurança jurídica sobre o estatuto protetivo da LMP). Esta conceituação jurídica de que toda VDFCM é violência baseada no gênero está perfeitamente alinhada com as diretrizes de órgãos internacionais derivados de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como o MESECVI (Convenção de Belém do Pará) e o Comitê CEDAW (Convenção CEDAW da ONU). Vale registrar que as recomendações destes órgãos integram o denominado direito internacional consuetudinário, compondo o arcabouço de interpretação sistemática do tratado (jus cogens), por se tratar de uma interpretação dos próprios representantes dos Estados signatários, nos termos do art. 31.3 da Convenção de Viena (Decreto n. 7.030/2009), sobre a interpretação de tratados internacionais (MECHLEM, 2009).
Nesse sentido, a exposição de motivos da nova lei cita duas recomendações do Comitê CEDAW da ONU que respaldam o entendimento de que todo ato de VDFCM é uma violência baseada no gênero. Conferir:
Recomendação 19/1992, item 11
[Violência baseada no gênero são] Atitudes tradicionais pelas quais as mulheres são vistas como subordinadas aos homens, ou tendo papéis estereotipados, fomentam práticas envolvendo violência e coerção, tais quais a violência familiar, casamentos forçados, mortes de viúvas, ataques de ácido e circuncisão feminina. Tais preconceitos e práticas podem justificar a violência baseada no gênero como uma forma de proteção ou controle sobre a mulher. O efeito de tal violência na integridade física e psicológica das mulheres é a privação de sua igual fruição, exercício e conhecimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Apesar deste comentário se referir especialmente à violência atual ou à ameaça de violência, as consequências subjacentes a tais formas de violência baseada no gênero colaboram para manter os papéis subordinados e contribui para o baixo nível de participação política e para os níveis baixos de educação, habilidades e oportunidades de trabalho das mulheres.
Recomendação 35/2017, item 9
Comitê CEDAW da ONU estabelece que eventos específicos do conflito não devem desnaturar as causas sociais que expõem as mulheres a um risco mais acentuado de sofrerem violência nas relações domésticas, familiares e íntimas de afeto. Nos termos desse texto: O conceito de “violência contra as mulheres”, tal como definido na Recomendação Geral n. 19 e em outros instrumentos e documentos internacionais, coloca ênfase no fato de tal violência ser baseada no gênero. Na mesma linha, na presente recomendação, o termo “violência baseada no gênero contra as mulheres” é usado como um termo mais preciso que faz referência explícita às causas de gênero e aos impactos desta violência nas relações de gênero. Este termo fortalece a compreensão desta violência como um problema social, mais que individual, a exigir respostas compreensivas, além daquelas relacionadas aos eventos específicos, bem como os agressores ou vítimas/sobreviventes individuais.
O novo art. 40-A expressamente estabelece que a aplicação do art. 5º da LMP é independente de causa, motivação ou condição pessoal. A causa imediata da violência ou a motivação do agressor pode ser variada: conflitos patrimoniais, de herança, inconformismo com o pagamento de pensão alimentícia, guarda ou visitação aos filhos. Pode se relacionar com o não cumprimento de papéis de gênero pela mulher: não cuidar bem dos filhos, do companheiro, dos pais, ou suposta infidelidade pela mulher. Podem até mesmo ser motivos aparentemente banais: discussão banal após ambos estarem embriagados em uma festa, não passar o controle da TV, divergência sobre temas cotidianos. Por trás destes temas cotidianos, há uma relação estrutural de poder que normaliza violências disciplinares às mulheres quando estas divergem dos homens e não aceitam a pseudo-autoridade masculina. Não se pode perder de vista que tais contextos também evoluem para feminicídios (ÁVILA, MAGALHÃES, 2022).
Quando a nova lei fala que a aplicação da LMP independe de condição da vítima ou ofensor, ela se refere a aspectos de orientação sexual, identidade de gênero, raça, idade, deficiência, consciência político-ideológica, condição social (mulheres rurais, mulheres de periferias, mulheres pobres ou em situação de rua), condição de saúde ou outros. Por exemplo, mulheres idosas usualmente sofrem violência de seus filhos, usuários de drogas; esta é claramente uma violência baseada no gênero, pois atinge as mulheres idosas de forma quantitativa e qualitativa mais intensa que os homens, independente da condição de mulher idosa e da condição de ofensor usuário de drogas. Ainda que a violência seja praticada simultaneamente contra um homem e uma mulher, a consequência da violência é mais intensa à mulher. Se a mulher reagir à violência (v.g., uma tentativa de legítima defesa, ou mesmo uma anterior provocação seguida de reação desproporcional), esta conduta pela mulher nunca se dá dentro de um quadro de igualdade nas relações de poder e sempre haverá necessidade de aplicação da LMP. Mulheres também podem ser autoras de violência de gênero contra outras mulheres (MACHADO, 2016).
Portanto, a partir de agora, não cabem mais discussões sobre vulnerabilidade da companheira, namorada, irmã, mãe ou qualquer outra na tríplice definição legal (violência doméstica, familiar ou numa relação íntima de afeto), que venha sofrer uma ameaça, agressão física ou qualquer violência. Também não cabe discutir se a violência doméstica ou familiar contra a mulher é ou não uma violência baseada no gênero: a lei faz a opção política de sempre aplicar a LMP. A análise quanto à suficiência de provas para a concessão da MPU ou para a condenação criminal, será o objeto do julgamento, não seu pré-requisito de fixação de competência. Aliás, também neste tema dos parâmetros decisórios para as medidas protetivas de urgência a lei avança.
2 NORTEAMENTO QUANTO AO REGIME JURÍDICO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
A lei clareia três aspectos importantes relacionados à dogmática da MPU: (1) sua natureza jurídica (autônoma e não-criminal), (2) seu requisito probatório suficiente (verossimilhança da palavra da mulher sobre uma situação de VDFCM) e (3) seu prazo de vigência (enquanto houver necessidade de proteção à mulher). Vale registrar que aspectos significativos acolhidos pela novel legislação já era anteriormente defendido pelos autores (BIANCHINI, 2021; ÁVILA, 2019). Vejamos.
2.1 Natureza jurídica autônoma e não-criminal da MPU – novo § 5º, do art. 19 da LMP, incluído pela Lei n. 14.550/2023
A Lei n. 14.550/2023 inseriu o § 5º ao art. 19, com a seguinte redação:
§5º As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.
Com isso, espanca qualquer dúvida acerca da autonomia da MPU. Trata-se de um importante avanço, pois a não consideração da MPU como uma tutela autônoma de processos cíveis ou criminais gerava diversos problemas, podendo-se citar os seguintes:
– se a mulher registra BO por ameaça, apresenta provas (v.g., cópia das mensagens ou áudios enviados por aplicativo de mensagens), solicita MPU, mas informa que não deseja apresentar representação, a inexistência de um processo penal levaria à impossibilidade de concessão de uma medida cautelar criminal.
– se o inquérito policial for arquivado por insuficiência de provas, ou pela prescrição, ou ainda houver absolvição por atipicidade (constatou-se a ameaça, mas ela não foi considerada grave, requisito elementar para a configuração do crime), isso levaria à revogação automática da medida cautelar criminal, apesar de o art. 67, do CPP, estabelecer que tais situações não impedem o ajuizamento de ações cíveis ex delicto.
– se o juiz profere sentença penal condenatória e as partes decidem não recorrer, isso ordinariamente levaria à revogação das eventuais medidas cautelares para haver o início de cumprimento da pena, exatamente quando há certeza da culpa. Imagine-se a situação de o ofensor preso em flagrante, haver denúncia, todas as testemunhas serem ouvidas na primeira audiência de instrução, as partes apresentam alegações finais orais e o juiz já sentenciar em audiência, sem recurso pelas partes: seria possível em que poucos meses após os fatos já houvesse uma condenação criminal transitada em julgado, apesar de claramente ainda haver necessidade de se manterem as medidas de proteção à mulher.
Desde a edição da LMP, as medidas protetivas de urgência foram perspectivadas não como medidas cautelares, acessórias de processos (cíveis ou criminais), mas como medidas independentes. Na versão original do Projeto de Lei que ensejou a edição da LMP, utilizava-se a expressão “medidas cautelares”, mas essa expressão foi substituída por “medidas protetivas de urgência” exatamente para desconectar o novo instituto de qualquer caráter acessório de um processo principal (CALAZANS, CORTES, 2011). Há que se lembrar que MPU não protege processos e sim pessoas (LIMA, 2011). O direito à proteção é independente de eventual colaboração com a persecução penal, pois deriva do direito fundamental a uma vida livre de todas as formas de violência (Convenção de Belém do Pará, art. 3º).
Esta perspectiva não-criminal da MPU pode ser reconhecida em quatro trechos da LMP:
– art. 13: prevê competência híbrida cível e criminal no âmbito do Juizado da Mulher. Idealmente, esta competência deveria ser ampla para todas as ações cíveis relacionadas com o contexto de VDFCM, todavia, o campo jurídico desenvolveu uma (indevida) interpretação restritiva de que as medidas cíveis referidas nesse dispositivo se limitariam à MPU. Nesse sentido, afirma o Enunciado n. 3 do FONAVID: “A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações cíveis e as de Direito de Família ser processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família, respectivamente”;
– art. 15: regulamenta a competência para os processos cíveis regidos pela LMP, indicando que é possível a solicitação de MPU, por opção da ofendida, no lugar do fato (o mesmo da competência criminal), bem como na comarca de domicílio ou residência da vítima ou ainda no local de domicílio do ofensor. Vale registrar que esta possibilidade de demandar MPU fora da comarca do local dos fatos não altera a competência para a respectiva ação penal (STJ, CC n. 187.852/SP, rel. Min. Laurita Vaz, 3ª Seção, j. 9/11/2022);
– art. 22, § 4º: determina a aplicação subsidiária a todas as espécies de MPU que obrigam o ofensor (inclusive a proibição de aproximação e contato) das normas relativas à multa cominatória previstas no Código de Processo Civil;
– art. 24-A, § 3º: estabelece que é possível a concessão de MPU por juiz cível ou criminal.
Este conjunto de normas deveria levar à inequívoca compreensão de que a MPU não é uma medida cautelar criminal, e sim uma medida que independe de qualquer processo cível ou criminal, uma obrigação de fazer ou não fazer derivada de um ato jurídico ilícito que corresponde a uma das formas de VDFCM definidas no art. 7º da LMP. Como no Brasil existem apenas dois códigos de processo, um cível e outro penal, por se tratar de uma medida não-criminal, é possível defini-la, por oposição, como sendo cível, ainda que com um regramento especial, sui generis.
Quanto a este aspecto não-criminal da MPU, afirma Bianchini (2021, p. 43):
Exatamente por conta de seu objetivo precípuo, que é de proteção, entendemos que a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência é sui generis, não se conseguindo encaixá-las nem na moldura penal, nem na cível, nem na administrativa.
Segmento expressivo da doutrina reconduzia a MPU à natureza jurídica cível, vista como o oposto da natureza criminal, ainda que com regramento sui generis (PIRES, 2011; CUNHA, PINTO, 2014; FERNANDES, 2015; DIDIER JR., PASINATO et al, 2016, ÁVILA, 2019).
No que se refere à não exigência de processo penal para a concessão das medidas, tem-se importante decisão do STF, prolatada no ano de 2019, confira-se:
Agravo regimental em habeas corpus. 2. Vigência alongada das medidas protetivas. Lei Maria da Penha. Desnecessidade de processo penal ou cível. 3. Medidas que acautelam a ofendida e não o processo. 4. Agravo a que se nega provimento.
(STF, HC 155187 AgR/MG, 2ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, j. 05/04/2019).
No STJ também há decisões no sentido de que as medidas protetivas de urgência são autônomas de quaisquer processos cíveis ou criminais. Nesse sentido:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). INCIDÊNCIA NO ÂMBITO CÍVEL. NATUREZA JURÍDICA. DESNECESSIDADE DE INQUÉRITO POLICIAL, PROCESSO PENAL OU CIVIL EM CURSO.
1. As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006, observados os requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo crime ou ação principal contra o suposto agressor.
2. Nessa hipótese, as medidas de urgência pleiteadas terão natureza de cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal. “O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas” (DIAS. Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012).
3. Recurso especial não provido.
(STJ, Resp 1.419.421/GO, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11/04/2014).
RECURSO EM HABEAS CORPUS. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. FEITO CRIMINAL ARQUIVADO EM DECORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO DAS MEDIDAS. TUTELA INIBITÓRIA. CARÁTER AUTÔNOMO. SUBSISTEMA DA LEI MARIA DA PENHA. RECURSO PROVIDO.
1. Em conformidade com a doutrina mais autorizada, as medidas protetivas de urgência, previstas no art. 22 da Lei n. 11.340/2006, não se destinam à utilidade e efetividade de um processo específico. Sua configuração remete à tutela inibitória, visto que tem por escopo proteger a vítima, independentemente da existência de inquérito policial ou ação penal, não sendo necessária a realização do dano, mas, apenas, a probabilidade do ato ilícito.
2. O subsistema inerente à Lei Maria da Penha impõe do intérprete e aplicador do Direito um olhar diferenciado para a problemática da violência doméstica, com a perspectiva de que todo o complexo normativo ali positivado tem como mira a proteção da mulher vítima de violência de gênero no âmbito doméstico, familiar ou de uma relação íntima de afeto, como corolário do mandamento inscrito no art. 226, § 8º da Constituição da República.
(STJ, RHC 74395/MG, 6ª T., rel Min. Rogerio Schietti Cruz,. j. 18/02/2020, DJe 21/02/2020).
Todavia, diversas outras decisões das turmas criminais do STJ vinham entendendo que a MPU, especialmente as de afastamento do lar, proibição de aproximação e contato (exatamente as mais usualmente requeridas), teriam natureza de medida cautelar criminal, inclusive indicando que a ausência de indiciamento seria causa suficiente para a perda de justa causa nessas medidas. Conferir:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL SEM INDICIAMENTO DO RECORRENTE. REVOGAÇÃO.
1. Esta Corte possui o entendimento segundo o qual “as medidas de urgência, protetivas da mulher, do patrimônio e da relação familiar, somente podem ser entendidas por seu caráter de cautelaridade – vigentes de imediato, mas apenas enquanto necessárias ao processo e a seus fins” (AgRg no REsp n. 1.769.759/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 7/5/2019, DJe de 14/5/2019).
2. Na hipótese, foram deferidas medidas protetivas em outubro de 2021, pelo prazo de seis meses. Ao término, as medidas foram prorrogadas por mais 6 meses, destacando-se que a ofendida “deu à luz um filho, ingressou com ação de investigação de paternidade contra o Paciente, e este registrou Ocorrências Policiais contra a Ofendida e sua Procuradora”.
3. Constata-se que, apesar de as medidas protetivas terem sido devidamente fundamentadas, ocorreu a conclusão do inquérito policial sem indiciamento do recorrente. Dessa forma, indevida a manutenção das medidas protetivas fixadas.
4. Recurso provido.
(STJ, RHC n. 159.303/RS, rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., j. 20/9/2022)
[…] 5. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o regime jurídico de medidas dispostas na Lei Maria da Penha, por maioria, firmou orientação de que “[a]s medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do art. 22 da Lei Maria da Penha têm caráter eminentemente penal, porquanto restringem a liberdade de ir e vir do acusado, ao tempo em que tutelam os direitos fundamentais à vida e à integridade física e psíquica da vítima” (REsp n. 2.009.402/GO, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, em que fui relator para o acórdão, QUINTA TURMA, DJe de 18/11/2022).
6. A aplicação das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor dispostas no art. 22, incisos I, II e III, da Lei Maria da Penha implica uma dupla tutela ao disponibilizar à ofendida um meio célere de proteção própria, de familiares e testemunhas, bem como garantir ao potencial ofensor, caso queira, a possibilidade de se insurgir contra sua imposição ou manutenção sem que tenha que suportar os efeitos da revelia próprios ao processo civil. […]
(STJ, HC n. 762.530/RS, rel. Min. Ribeiro Dantas, rel. acórdão Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª T., j. 6/12/2022)
Vale registrar o correto voto vencido do Min. Ribeiro Dantas nesse acórdão acima:
Entendo que a definição da natureza jurídica é exclusivamente cível para as medidas protetivas do art. 22, 23 e 24 da Lei Maria da Penha, sendo a melhor que se amolda ao princípio da eficiência e segurança jurídica. Fora isso, tem índole satisfativa e inibitória, tendo em vista não servir de instrumentalidade a outro processo civil ou criminal, haja vista não se buscar necessariamente a eficácia prática da tutela principal. Logo, deve seguir as regras do CPC/2015, nos termos dos arts. 13 e 22, § 4º, da Lei 11.340/2006.
Essa natureza propicia uma ampliação do espectro de proteção da Lei Maria da Penha, em comparativo com as medidas ao regime cautelar criminal, o que ressalta a ausência de proteção deficiente ao bem jurídico tutelado pelo texto legislativo em exame.
Portanto, a nova lei acaba com esta divergência jurisprudencial, ao incluir o § 5º ao art. 19 da LMP, o qual estabelece que ”as medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.”
Claramente a interpretação autêntica esclarece que é possível concessão de MPU para atos de VDFCM, ainda que não exista uma correspondência criminal. O art. 7º da LMP, a definir expressamente as modalidades de violência abrangidas pela lei (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, devendo-se observar que a lei usa a expressão “dentre outras”) não criou crimes, mas exemplificou atos jurídicos ilícitos, sendo possível que algumas das formas de violência ali indicadas não tenha perfeita correspondência com tipos penais. Antes da criminalização da perseguição e da violência psicológica (CP, art. 147-A e art. 147-B) havia várias situações assim. Ainda hoje, alguns atos de perseguição sem reiteração, ou ainda atos mais sutis de violência psicológica (como a manipulação ou constrangimento) sem geração de dano emocional, ou alguma eventual aplicação do princípio da subsidiariedade do direito penal podem deixar a mulher descoberta da tutela penal. Contudo, se é violência, é um ato jurídico ilícito, e a mulher tem o direito fundamental de ser protegida de tal violência, independentemente de análises de tipicidade criminal. Por exemplo: Magistrado rejeita a denúncia, por atipicidade, por entender que (supostamente) são necessários pelo menos 3 atos para configurar a reiteração e, consequentemente, o crime de perseguição (CP, art. 147-A). Tal decisão de caráter criminal não pode, por si só, ensejar a não concessão de medida protetiva ou a revogação das que já foram deferidas, quando presentes os requisitos para a decretação delas: verossimilhança na declaração pela mulher de uma situação de violência doméstica e familiar e existência de situação de risco, ainda que mínimo. Outro exemplo: o crime de violência psicológica (CP, art. 147-B) exige, para sua configuração, geração de “dano emocional”, apesar de o art. 7º, inciso II, da LMP, não fazer referência a este resultado para se configurar o ato jurídico ilícito de violência psicológica.
A inovação legislativa acima mencionada (§5º do art. 19) também esclarece que a MPU não necessita de uma ação principal (cível ou criminal), sendo, portanto, autônoma. Trata-se de uma tutela satisfativa de proteção contra uma situação de risco de ocorrência de episódios de VDFCM, que gera para o suposto ofensor uma obrigação de fazer ou não fazer para que esse risco seja reduzido. Não há nem mesmo necessidade de prévio registro de ocorrência policial; é a verossimilhança da alegação pela mulher de uma situação de VDFCM a prova necessária e suficiente para a concessão da MPU. A diretriz legal acolhe a já antiga lição de Lima (2011, p. 329):
O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. E só. Elas não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Elas não visam processos, mas pessoas. […] As medidas protetivas previstas na LMP não se prestam para provar crimes. Elas podem inclusive ser requeridas mesmo quando não seja praticada infração penal. Basta a ocorrência de alguma das violências domésticas elencadas no art. 7º da LMP, pois a Lei busca enfrentar a violência, que nem sempre terá um tipo correspondente na legislação penal.
O entendimento da MPU como tutela autônoma e não-criminal também consta do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, cuja aplicação é obrigatória nos termos da Resolução n. 492/2023 do CNJ. Conferir (BRASIL, 2021, p. 84):
Nos termos do Enunciado 45 do Fonavid, “As medidas protetivas de urgência previstas na Lei n. 11.340/2006 podem ser deferidas de forma autônoma, apenas com base na palavra da vítima, quando ausentes outros elementos probantes nos autos”, o que significa dizer que são autônomas em relação ao processo principal, com dispensa da vítima quanto ao oferecimento de representação em ação penal pública condicionada.
Esta perspectiva autônoma e não-criminal da MPU resolve diversos problemas dogmáticos. Por exemplo, apesar de precedentes de turmas criminais do STJ reconhecerem que a MPU teria natureza jurídica autônoma (v. acima), a 3ª Seção entendia que a concessão da MPU poderia ser apreciada pelo juízo do domicílio da vítima, aplicando-se a teoria do “juízo imediato”. Mas essa teoria representa uma alteração de um suposto juiz natural, de forma que o juízo imediato decidiria a questão de forma urgente e reencaminharia ao juiz natural. Todavia, o juízo do domicílio da mulher não é uma alteração do juiz natural (o juiz criminal do local dos fatos), ao contrário, se a vítima fizer a opção por este juízo ele será o juízo natural pleno para decidir quanto à MPU. Conferir o precedente do STJ:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. PRINCÍPIO DO JUÍZO IMEDIATO. PROTEÇÃO JURISDICIONAL CÉLERE E EFICAZ. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO DE PESSOAS VULNERÁVEIS. DOMICÍLIO DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE INTERFERÊNCIA NA COMPETÊNCIA RELATIVA À EVENTUAL AÇÃO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO.
1. A interpretação sistemática do art. 13 da Lei n. 11.343/06, em conjunto com o art. 147, incisos I e II, da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e do art. 80 da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), permite a aplicação do princípio do juízo imediato às ações em que se pleiteiam medidas protetivas de urgência de caráter penal no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.
2. Independentemente do local onde tenham inicialmente ocorrido as supostas condutas criminosas que motivaram o pedido da vítima, o juízo do domicílio da mulher em situação de violência doméstica e familiar é competente para processar e julgar o pleito de medidas protetivas de urgência por aplicação do princípio do juízo imediato.
3. A aplicação do princípio do juízo imediato na apreciação dos pedidos de medidas protetivas de urgência não entra em conflito com as demais disposições da Lei n. 11.343/06. Ao contrário, essa medida facilita o acesso da mulher vítima de violência doméstica a uma rápida prestação jurisdicional, que é o principal objetivo perseguido pelas normas processuais especiais que integram o microssistema de proteção de pessoas vulneráveis que já se delineia no ordenamento jurídico brasileiro.
4. A competência para examinar as medidas protetivas de urgência atribuída ao juízo do domicílio da vítima não altera a competência do juízo natural para o julgamento de eventual ação penal por crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, que deve ser definida conforme as regras gerais fixadas pelo Código de Processo Penal.
5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Suscitado.
(STJ, CC n. 190.666/MG, rel. Min. Laurita Vaz, 3ª S., j. 8/2/2023)
O fato de o art. 319 do CPP (medidas cautelares alternativas à prisão) ter medidas semelhantes àquelas previstas no art. 22 da LMP (como a proibição de aproximação e contato, ou proibição de frequentar determinados lugares) não torna automaticamente estas medidas cautelares criminais. Em verdade, foi a LMP quem introduziu esta inovação no ordenamento jurídico, em 2006, e apenas em 2011 é que o sistema cautelar criminal foi reformado para emular a LMP. Mas a reforma posterior não altera a natureza jurídica autônoma da MPU, já desenhada na LMP. Em verdade, a MPU, apesar de ter natureza cível e autônoma, insere-se funcionalmente no degradê de tutelas jurídicas que tornam desnecessária a decretação de uma prisão preventiva. O fato de uma tutela cível tornar desnecessária uma tutela criminal não deveria ser motivo de espanto, à luz do princípio da subsidiariedade da intervenção criminal. A proibição de se aproximar da vítima ou de frequentar determinados lugares não é uma restrição significativa à liberdade do suposto ofensor a ponto de terem natureza jurídica criminal, esta é uma restrição tangencial à liberdade, que permanece plena para todos os demais lugares. Ademais, medidas de política criminal podem perfeitamente incluir intervenções jurídicas de outros ramos do Direito que fortaleçam a prevenção da violência. (BIANCHINI; GOMES, p. 35)
Finalmente, o fato de ser possível decretar-se a prisão preventiva em caso de descumprimento da MPU também não a transforma em tutela criminal. Caso um juiz cível decrete a MPU e haja descumprimento, ocorrerá o crime do art. 24-A da LMP e será por este crime que o agressor poderá vir a ser preso (necessariamente pelo juiz com a competência criminal de aplicação da LMP). Vale relembrar que o art. 359 do CP, igualmente, permite a configuração criminal de atos de desobediência a ordens de juízes cíveis.
Portanto, a consagração do caráter autônomo e não-criminal da MPU deriva da constatação de que não se trata de uma medida cautelar criminal. Ainda assim, trata-se de uma medida cível (por oposição ao criminal) sui generis, pois possui um regramento jurídico próprio e diferenciado. Nesse sentido, há enunciados da Comissão Permanente de Violência Doméstica – COPEVID (vinculada ao Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais – CNPG) e do Fórum Nacional de Violência Doméstica – FONAVID (dos membros do Judiciário):
Enunciado n. 04 (COPEVID): As Medidas de Proteção foram definidas como tutelas de urgência, sui generis, de natureza cível e/ou criminal, que podem ser deferidas de plano pelo Juiz, sendo dispensável, a princípio, a instrução, podendo perdurar enquanto persistir a situação de risco da mulher.
Enunciado n. 37 (FONAVID): A concessão da medida protetiva de urgência não está condicionada à existência de fato que configure, em tese, ilícito penal.
Enunciado n. 64 (FONAVID): O arquivamento do inquérito policial ou a absolvição do autor do fato não é requisito determinante para a revogação das medidas protetivas de urgência, ante a sua natureza autônoma, observada a existência de fatores de risco que justifiquem a sua manutenção.
2.2 Requisito probatório de concessão da MPU: a verossimilhança da alegação de VDFCM – novo § 4º do art. 19 da LMP, inserido pela Lei n.14.550/2023
Diversos precedentes têm afirmado que seria necessária prova da ocorrência de violência doméstica para a concessão da MPU, ou prova de situação de risco imediato à vida da mulher. Na prática, estes precedentes consideram que apenas a alegação de violência pela mulher não seria prova suficiente para a concessão da MPU, ou que o risco deveria ser gravíssimo (um quase feminicídio). Estas interpretações não raras vezes estão associadas a argumentos de ausência de violência baseada no gênero e conectam-se à minimização da gravidade de atos de violência psicológica, moral ou patrimonial (v. TJDFT, Acórdão 1413382, 07365617820218070000, rel. Des. Josapha Francisco dos Santos, 2ª T. Crim., j. 31/3/2022).
Usualmente, em casos de lesão corporal, a vítima já apresenta as marcas que respaldam sua narrativa. Discussões sobre eventual contexto de legítima defesa são descabidas nessa fase de proteção de urgência (pedido liminar). Em casos de ameaças ou injúrias por aplicativos de internet, usualmente a mulher apresenta cópia das mensagens, fundamentando suas alegações. Assim, o problema probatório se coloca especialmente quando se trata de ameaças ou injúrias verbais, ou ainda de vias de fato, sem testemunhas ou filmagens por câmeras de segurança.
Para solucionar estas situações limite, a lei reforça sua opção política por proteger a mulher, com a introdução de um § 4º ao art. 19 da LMP, com o seguinte teor:
O dispositivo explicita que o requisito probatório para a concessão da MPU são as declarações prestadas pela mulher, com ou sem registro de boletim de ocorrência policial. Trata-se de cognição sumária, não exauriente, guiada pelo princípio da precaução. A locução “poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade de inexistência de risco” traz uma opção política sentido de atuar de conformidade com o relato feito pela mulher, uma vez que a falta de proteção da mulher de forma imediata pode trazer uma consequência irreversível, que é a concretização da violência (que pode, inclusive, ser fatal, ou seja, levar à sua morte). Ou seja, se a mulher alega estar em situação de VDFCM e não há qualquer motivo objetivo para se considerar que tal alegação é falsa e se não há avaliação por parte da autoridade de inexistência de risco, deve-se proteger a mulher. No caso de a vítima faltar com a verdade ou tiver se equivocado quando à existência do risco, a situação pode ser revertida, com a revogação posterior das medidas protetivas. E, note-se, há medidas protetivas que são exclusivamente dirigidas à vítima e que não causam, assim, cerceamento a nenhum direito do suposto autor da violência. É o caso das seguintes medidas, previstas no art. 24 da Lei Maria da Penha: encaminhamento da ofendida e de seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento (inciso I); determinação de matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga (inciso V).
O novo dispositivo também fixa o objeto do julgamento: avaliação de risco e não comprovação de crime. Apesar de a norma não estabelecer o parâmetro para a avaliação de risco, a interpretação deve ser feita em conjunto com a Lei n. 14.149/2021, que institui o Formulário Nacional de Avaliação de Risco – FoNAR, anteriormente criado pela Resolução Conjunta n. 05/2020 do CNJ e CNMP[3]. O art. 2º, § 1º, da referida lei, estabelece que este formulário precisa ser considerado por todos os integrantes da rede de proteção, e deve subsidiar a atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público. Portanto, se o formulário indicar a presença de risco, ainda que mínimo, mesmo que relacionado a outras esferas de proteção que não apenas a integridade física, não cabe ao aplicador da norma minimizar a gravidade da situação, pois esta é uma opção política do legislador de proteger as mulheres, especialmente no âmbito das medidas de protetivas mais usualmente requeridas, como o afastamento do lar, proibição de aproximação e contato.
O requerido apenas poderá solicitar a revogação da medida se comprovar que os fatos alegados pela requerente são falsos. Ou seja, transfere-se ao requerido (o suposto ofensor) o ônus probatório de demonstrar eventual falsidade da alegação inicial da situação de VDFCM pela mulher e sua situação de risco. O objeto do julgamento não é a cabal comprovação de um crime, mas a existência objetiva de uma situação de risco derivada da alegação verossímil de um ato de VDFCM.A suficiência da palavra da mulher para o deferimento da MPU já havia sido reconhecida no âmbito de enunciado do FONAVID, conferir:
Enunciado n. 45 (FONAVID): As medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006 podem ser deferidas de forma autônoma, apenas com base na palavra da vítima, quando ausentes outros elementos probantes nos autos.
A especial valorização da palavra da mulher igualmente consta do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ (BRASIL, 2021, p. 85):
As declarações da vítima qualificam-se como meio de prova, de inquestionável importância quando se discute violência de gênero, realçada a hipossuficiência processual da ofendida, que se vê silenciada pela impossibilidade de demonstrar que não consentiu com a violência, realçando a pouca credibilidade dada à palavra da mulher vítima […]. Faz parte do julgamento com perspectiva de gênero a alta valoração das declarações da mulher vítima de violência de gênero, não se cogitando de desequilíbrio processual.
Ademais, na fase de tramitação legislativa do PL 1604/2022, o CNPG apresentou monção de apoio integral à proposta, e a Associação Nacional dos Magistrados do Brasil, em conjunto com o FONAVID, apresentaram nota técnica à Câmara dos Deputados em que reconhecem que o “Projeto de Lei que se reveste de grande mérito, na medida em que procura reforçar e tornar mais eficazes os mecanismos de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar” (AMB, FONAVID, 2023, p. 2), mas apresentou proposta de um substitutivo para este § 4º, para que estabelecer a MPU seria concedida “quando o depoimento da ofendida perante a autoridade policial, a apresentação de suas alegações escritas ou as informações do Formulário Nacional de Avaliação de Risco indicarem minimamente a presença de risco […]” (AMB, FONAVID, 2023, p. 4). Esta proposta não foi integralmente acolhida na Câmara, que fez uma alteração na redação vinda do Senado para explicitar que se trata de avaliação de risco. Entendemos que indeferir a MPU quando o risco é inexistente ou deferir quando há risco, ainda que mínimo, são no fundo o mesmo parâmetro.
Vale registrar que a técnica processual de inversão do ônus da prova é usual no âmbito de estatutos de proteção a grupos vulneráveis. Nesse sentido, o art. 6º, inciso VIII, da Lei n. 8.078/1990 (CDC) prevê a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor, de sorte que basta-lhe provar o fato constitutivo de seu direito (verossimilhança da alegação), que os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito se tornam ônus do fornecedor de produtos ou serviços. Esta análise é feita levando-se em consideração as usuais dificuldades que consumidores têm de comprovares suas demandas (Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp n. 2.162.083/SP, rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., j. 24/10/2022). No mesmo sentido, o art. 373, § 1º, do CPC, permite a inversão do ônus da prova, quando houver “excessiva dificuldade de cumprir o encargo [probatório]”. Há regra semelhante no art. 818, § 1º, da CLT.
Com a nova regra do art. 19, § 4º, da LMP, a lei explicita que mulheres em situação de violência doméstica usualmente têm dificuldades de provarem as violências que sofrem no âmbito privado, sem testemunhas ou câmeras de segurança, que elas são a parte presumidamente vulnerável em razão da violência de gênero estrutural nas relações familiares, que há um elevadíssimo risco de escalada desta violência (expresso nos índices alarmantes e cotidianos de violência contra as mulheres). Em uma situação de ausência de certezas, há o risco de mulheres utilizarem da LMP para prejudicar inocentes e o risco de mulheres inocentes serem desprotegidas diante de ofensores. A lei faz a ponderação dos riscos de eventual “erro judiciário” e explicita sua escolha política de proteger as mulheres (a parte vulnerabilizada pelas desiguais relações de gênero) até prova em sentido contrário quanto à desnecessidade de proteção. A tutela não é de certeza para punição, é de gestão social de riscos.
Vale registrar que verossimilhança possui o sentido de presunção de veracidade até prova em sentido contrário, conforme um juízo de habitualidade. Nesse sentido (MACHADO, 2013, p. 26):
Verossímil, nos dizeres de Michaelis, significa ser semelhante à verdade; que não repugna à verdade; provável, que tem a aparência de verdade. É, pois, a possibilidade de algo ser verdadeiro. É fato que o vocábulo verossímil é indeterminado, mas isso não impede que da análise do caso concreto se possa aferir verossimilhança. Trata-se, na verdade, de um juízo de presunção realizado pelo juiz, uma vez que é ele quem fará o exame de verossimilhança, calcado nas regras ordinárias de experiência, isto é, com base na observação do que habitualmente ocorre. Ou, em outros termos, terá o magistrado de se servir dos elementos apresentados na composição do que usualmente é aceito como verossímil.
Esta inversão do ônus da prova é limitada ao julgamento da MPU, não da respectiva ação penal (quando foro caso). Segundo Ávila (2019), enquanto na jurisdição penal a dúvida enseja a absolvição por insuficiência de provas (in dubio pro reo), na tutela de proteção de direitos fundamentais das mulheres vige o princípio de que, se não há certeza de que a mulher está protegida, na dúvida protege-se (in dubio pro tutela). Nesse sentido (ÁVILA, 2019, p. 15):
Considerando que a lei já fez uma ponderação de interesses quanto ao risco ao qual as mulheres estão submetidas, presumindo a necessidade de proteção, e que a alegação da vítima, revestida de verossimilhança, é prova suficiente para o deferimento liminar do pedido, conclui-se que, no que tange às medidas de afastamento do lar, proibição de aproximação e de contato, o padrão decisório para a concessão das medidas protetivas de urgência deve ser o in dubio pro tutela. A racionalidade decisória não é punitiva, mas protetiva e, na dúvida, deve-se proteger. As medidas protetivas de urgência são um instrumento de gestão do risco social associado à violência de gênero, destinadas a evitar a ocorrência de novas situações que incrementem o risco à incolumidade física e psicológica da mulher. O reconhecimento de um direito fundamental a uma vida livre de quaisquer das formas de violência de gênero indicadas no art. 7º da LMP (cf. Convenção de Belém do Pará, art. 3º) representa um “trunfo” (v. DWORKIN, 2002) a favor das mulheres, exercendo uma função de defesa contra práticas que tolerem tais violências, já que estão associadas diretamente à ideia de dignidade humana feminina. As eventuais restrições tangenciais de direitos dos supostos agressores estão respaldadas pelo compromisso jusfundamental do Estado brasileiro em assegurar a cidadania e a qualidade de vida às mulheres.
Ainda assim, o critério de dúvida para a jurisdição criminal exige uma releitura com perspectiva de gênero, depurando-se o depoimento feminino da usual desconfiança discriminatória de que “mulheres mentem e são vingativas”. Nesse sentido, afirma Mendes (2020, p. 97), analisando a perspectiva penal (não a das medidas protetivas):
Obviamente que não se pretende revestir de sacralidade a palavra da mulher vítima de violência doméstica e familiar e, desta forma, suprimir os direitos do suposto autor do fato, [mas] ressignificar a palavra da mulher nesse contexto, expandindo-a na medida do devido processo legal, livre de representações muitas vezes trazidas aos autos por imaginário marcado por estereótipos e discriminações.
Ademais de todas as preocupações acima trazidas, convém considerar que caso fosse necessário provar a existência da situação de perigo relatada pela vítima, o procedimento das medidas protetivas necessariamente seria mais longo, o que contrariaria as diretrizes protetivas da LMP. Imagine-se a necessidade de se colher prova testemunhal ou de se fazer uma perícia. Por ser de urgência, a medida deve ser concedida no prazo de 48 horas, a teor do previsto no art. 18 da LMP. No âmbito internacional, a Recomendação Geral n. 33, do Comitê CEDAW, traz a preocupação com os inúmeros obstáculos e restrições que impedem o acesso das mulheres à justiça, dentre eles, os procedimentos e práticas em matéria probatória (§ 3). Por conta disso, recomenda que sejam adotadas “medidas para garantir que as mulheres não sejam submetidas a atrasos indevidos em solicitações de medidas protetivas” (§ 51, j).
Vê-se que o legislador brasileiro tem sistematicamente indicando que, diante do menor sinal de possível violência, as mulheres devem ser protegidas de forma efetiva e rápida. As medidas protetivas de urgência são requerimentos de proteção à mulher diante de uma situação de risco. Elas não se fundamentam na prova cabal de um crime, mas em indícios suficientes de uma situação de risco. A lei não exige um risco grave e iminente, mas um risco, por mínimo que seja. Assim, a concessão da MPU se guia pelo princípio da precaução e pela máxima efetividade dos direitos fundamentais, informados pelos índices alarmantes de violência contra a mulher no contexto brasileiro e pelas diretrizes internacionais de proteção aos direitos humanos das mulheres. A opção política por, na dúvida proteger, já foi feita pela LMP desde sua edição inicial, conforme consta de sua exposição de motivos[4] e do art. 4º.
Há um segundo aspecto no referido dispositivo. O risco que justifica a concessão da MPU não é apenas o risco à integridade física, mas também o risco de continuidade de quaisquer das violências previstas no art. 7º da LMP. Especialmente, o risco de prejuízos à incolumidade psicológica da mulher, em razão da continuidade de ofensas à sua honra ou importunações, já é suficiente para a concessão da MPU. Vale registrar que a Lei n. 14.188/2021 alterou o art. 12-C da Lei Maria da Penha, para estabelecer que apenas e tão somente a situação de risco à incolumidade psicológica da mulher já é causa suficiente para o deferimento da medida protetiva de urgência, com imediato afastamento do lar, até mesmo por autoridade policial. Ou seja, não são apenas as situações de risco à integridade física que justificam o deferimento de medidas protetivas, reconhece-se que a ofensa à integridade psicológica, como no caso de ameaças, ofensas morais ou comportamentos de agressividade (gritar, impor autoridade), é causa suficiente para o deferimento do pedido de MPU.
Nesse sentido, um correto precedente que acolhe a teoria da proteção integral à mulher na metodologia probatória da MPU pode ser visto no seguinte aresto:
RECLAMAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DECISÃO QUE DEIXA DE PRORROGAR MEDIDA PROTETIVA. INDÍCIOS DE SITUAÇÃO DE RISCO PARA A MULHER. ADOÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA. RECLAMAÇÃO PROVIDA.
1. As medidas protetivas de urgência são requerimento de proteção à vítima, diante de uma situação de risco. Elas se fundamentam não em prova cabal de um crime, mas em indícios suficientes de uma situação de risco. Assim, elas se guiam pelo princípio da precaução e pela máxima efetividade dos direitos fundamentais.
2. Em se tratando de violência doméstica, a palavra da vítima tem relevante valor probatório, não havendo razão para ser desacreditada quando congruente e segura, especialmente quando não há provas em sentido contrário.
3. A requerente se encontra em situação de vulnerabilidade que exige uma maior proteção estatal, a fim de que seja resguardada a sua integridade física e psicológica.
4. RECLAMAÇÃO PROVIDA, para confirmar liminar que prorrogou a vigência da medida protetiva de urgência inicialmente deferida.
(TJDFT, Acórdão 1635375, 07306262320228070000, rel. Des. Robson Barbosa de Azevedo, 2ª T. Crim., j. 27/10/2022)
Todavia, deve-se registrar que a concessão da MPU não se torna um juízo mecânico e automático, mesmo após a reforma. Ainda se trata de uma atividade de julgamento quanto à presença dos requisitos decisórios da MPU, que são: (i) narrativa pela mulher de uma situação de violência doméstica, familiar ou decorrente de relação íntima de afeto (hipóteses de incidência da LMP); (ii) verossimilhança nas declarações da mulher sobre a situação de violência; (iii) indicação de uma situação de risco, ainda que mínimo (ou a ausência de comprovação de plano da ausência de risco); (iv) respeito ao princípio constitucional da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Se algumas destas hipóteses não estiver presente, não será o caso de concessão da MPU. Exemplo 1: mulher narra que sofreu um acidente de trânsito e o motorista (desconhecido) a ameaçou; como não se trata de hipótese de aplicação da LMP, não será caso de concessão de MPU (sem prejuízo, se for o caso, de aplicação da teoria do juízo imediato para a concessão de alguma das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP e posterior redistribuição do processo). Exemplo 2: mulher, em evidente situação de surto psicótico, narra situação de violência praticada por familiares, em conjunto com alucinações, ao passo que os familiares apresentam laudo médico comprovando a doença mental da mulher; nessa situação, a própria narrativa da comunicante não se reveste de verossimilhança. Exemplo 3: mulher narra na DP que teve um namorado que costumava a ameaçar e constranger durante o relacionamento, já encerrado há mais de três anos, que após realizar psicoterapia reconheceu a abusividade destas condutas, mas que não tem mais qualquer contato com o ex-namorado desde o encerramento da relação; nesta situação, ainda que partindo da presunção de veracidade das declarações da mulher, que narra uma situação de VDFCM, verifica-se que a própria mulher informa que há mais de três anos o ex-namorado não a contata, não havendo nenhuma indicação de que haja situação de risco atual, nem mesmo mínimo. Vale reiterar que, se houver algum nível de risco, ainda que mínimo, ainda que “apenas” à integridade psicológica, a diretriz normativa deve ser a da proteção.
Em relação ao princípio da proporcionalidade, verifica-se que a própria lei já fez a ponderação de interesses entre a restrição de direitos do suposto ofensor e a urgência da proteção à mulher, privilegiando a proteção no momento da decisão. Todavia, o princípio da proporcionalidade está imanente no sistema de direitos fundamentais, sendo necessário avaliar se os demais subprincípios estão sendo respeitados, bem como considerar se os direitos de terceiros também não estão em jogo. Vejamos. Exemplo 4: mulher narra que o ex-companheiro, que reside definitivamente no exterior, está reiteradamente encaminhando-lhe mensagens ofensivas, pelo que solicita MPU de afastamento do lar, proibição de aproximação e contato; neste caso, se o casal não mais reside juntos e não há perspectiva de eventualmente ambos se encontrarem, bastará o deferimento da MPU de proibição de contato por todos os meios (inclusive telemáticos) para a proteção à mulher, não havendo adequação (relação entre meio e fim) nos pedidos de afastamento do lar ou proibição de aproximação. Exemplo 5: mulher narra que o ex-companheiro sempre a ofende quando exerce o direito de visita aos filhos, pelo que solicita proibição de aproximação e contato dela e suspensão do direito de visita aos filhos; neste caso, se não há notícia de violência direta aos filhos nem há necessidade de se assegurar sigilo do endereço da mulher por questões de segurança (v.g., perseguição), provavelmente não haverá necessidade de suspensão do direito de visitas, há pois outro meio menos gravoso para assegurar idêntica proteção à mulher, que seria a determinação de visitação por intermédio de terceiro, mantendo-se a proibição de aproximação e contato à mulher. Neste último caso, a necessidade de também ponderar o interesse dos filhos à convivência paterna (desde que tal não configure risco à integridade psicológica da mulher ou dos próprios filhos) é também um direito fundamental a ser considerado na avaliação, sendo ainda conveniente aplicar a diretriz constante do final do inciso IV do art. 22 da LMP, que permite “restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar”.
Em síntese, apesar de a nova lei indicar a prova suficiente para a decisão (alegações pela mulher), trazer o parâmetro para a avaliação da prova (a verossimilhança da alegação) e estabelecer o objeto do julgamento (avaliação de risco e não comprovação de crime), ainda há uma atividade de julgamento, pelo que não há que se falar em violação ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional.
2.3 Prazo de vigência da MPU – novo § 6º do art. 19 da LMP, inserido pela Lei n. 14.550/2023
Finalmente, o último aspecto dogmático regulamentado pela Lei n. 14.550/2023 é relacionado ao prazo de vigência da MPU. Estabelece o novo § 6º do art. 19 da LMP:
§ 6º As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
Pesquisa realizada por Ávila e Garcia (2022) documentou que, dentre os 19 Juizados da Mulher no DF, em um havia a prática decisória de se fixar as medidas protetivas de urgência por apenas 30 dias, em dois havia a prática de deferir por 90 dias, e em outros dois havia a prática de deferir por 120 dias, enquanto em todos os demais a praxe era deferir a MPU sem prazo, implicitamente vinculando sua vigência ao andamento da respectiva persecução penal. A pesquisa também documentou que, em algumas das varas mais restritivas à aplicação da LMP, há praxe de se revogar a MPU após o transcurso do breve prazo de vigência sem ouvir a vítima (em uma das varas o percentual foi de 25%) ou até mesmo de revogar a MPU após o prazo mesmo contra o pedido da mulher, caso não tenham ocorrido novas violências (em uma vara o percentual foi de 37,5%). Esta praxe de deferir a MPU por poucos meses e revogá-la automaticamente ao final deste prazo é, claramente, uma violação da teleologia protetiva da LMP.
Durante a vigência da pandemia de COVID-19, houve a edição da Lei n. 14.022/2020, que estabeleceu em seu art. 5º, caput, a regra de prorrogação obrigatória da vigência da MPU durante o estado de emergência sanitária. A lógica implícita nesse dispositivo era a de que, durante a pandemia, haveria uma maior dificuldade de se contatar as mulheres para esclarecer quanto à necessidade de manutenção da vigência da MPU e, portanto, não seria possível presumir desnecessidade de proteção. Assim, na impossibilidade de contatar as mulheres, deveria haver a prorrogação automática da vigência da MPU. Apesar de o estado de emergência sanitária já ter se escoado, a lógica inicial desta lei deveria prosseguir: não se pode presumir desnecessidade de proteção à mulher.
Pesquisa realizada no DF documentou que o prazo médio para a prática de um feminicídio após o registro de BO contra o ofensor é de um ano, podendo chegar, em alguns casos, a até sete anos após o último registro policial (ÁVILA, MAGALHÃES, 2022). A literatura internacional indica que o prazo de dois anos após a separação é o período crítico de ocorrência de feminicícios (McFARLANE, 1999). Alguns casos de perseguição que se alongam no tempo podem sinalizar a necessidade de manutenção da proteção para além destes prazos.
A LMP não estabeleceu o prazo de duração das medidas protetivas de urgência, mas estabeleceu o parâmetro que deveria ser utilizado para se chegar a essa conclusão hermenêutica, insculpido em seus artigos 1º e 4º a necessidade de o Estado ser eficiente em proteger as mulheres. Agora, o § 6º do art. 19, incluído pela Lei n. 14.550, sinaliza de forma clara que, enquanto persistir risco à mulher, a MPU deve permanecer em vigor. A interpretação deste dispositivo deve ser feita em conjunto com as demais disposições da Lei n. 14.550/2023, que visa afastar as interpretações restritivas quanto à aplicação da LMP e, portanto, afastar as interpretações equivocadas, por exemplo, de que a vigência de MPU de poucos meses, seguida de revogação automática sem oitiva da mulher estaria condizente com a devida proteção à mulher.
Em relação ao prazo de vigência da MPU, é possível vislumbrarmos duas situações: (a) há algum outro processo judicial em curso entre as partes (cível ou criminal) ou (b) não há qualquer outro processo entre elas. Pesquisa no DF documentou que a movimentação de processos judiciais contra o ofensor (como uma intimação para comparecer à audiência) pode se tornar o gatilho para a prática de feminicídios (ÁVILA, MAGALHÃES, 2022). Estes processos judiciais podem induzir tentativas de reaproximação do ofensor, imposições de sua vontade, ou ainda gerarem a frustração de expectativas. Paradoxalmente, o acesso à justiça pelas mulheres em um contexto de prévios atos de VDFCM é, objetivamente, uma situação de incremento de risco. Portanto, é possível presumir-se que, enquanto há um processo judicial contencioso entre os envolvidos, deve haver uma presunção de necessidade de proteção à mulher no curso deste processo. Esta situação não transforma a MPU em uma medida cautelar ao outro processo cível ou criminal, sua finalidade segue sendo a proteção autônoma dos direitos fundamentais da mulher. Apenas se reconhece que há uma necessidade de proteção da mulher durante o andamento de processos judiciais, que pode prolongar-se, se necessário, até mesmo para após a conclusão do processo judicial. Considerando que, ordinariamente, no âmbito da LMP, há um registro de ocorrência policial comunicando crime e solicitação de MPU, não vislumbramos problemas em se deferir a MPU com prazo de vigência atrelado ao andamento do processo criminal. Isso também vale para a continuidade de uma ação cível ou de família. Mas esta praxe não pode perder de vista que é perfeitamente possível, à luz do art. 67 do CPP, que a conclusão do processo criminal permita a continuidade da vigência da proteção à mulher, desde que persista o risco à sua incolumidade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral.
Finalmente, há a situação de se deferir a MPU sem vinculação a qualquer outro processo. Este é o caso do deferimento da MPU pelo juízo cível, sem prévio registro de BO, apenas com a alegação da situação de violência pela mulher. Ou ainda de manutenção da vigência da MPU quando a mulher não apresenta representação, há arquivamento do IP por insuficiência de provas, ou mesmo após a sentença penal condenatória. Aqui, uma boa prática jurisdicional é a verificação periódica com a vítima quanto à necessidade de manutenção da vigência da MPU, atualizando-se sua situação de risco. O recurso ao Formulário Nacional de Avaliação de Risco, criado pela Resolução Conjunta n. 05/2020 do CNJ e CNMP e regulamentado na Lei 14.149/2021, poderá auxiliar nesta análise. Casos extremamente graves e traumáticos de violência podem exigir prazos igualmente longos de proibição de contato (imagine-se a vítima de crime sexual, ou ainda de perseguição que se alonga por anos).
A natureza jurídica autônoma e não-criminal da MPU (já vista acima) também resolve o problema de haver sentença penal condenatória e manutenção da MPU. O STJ tem precedentes admitindo essa vigência estendida, ainda que determinando (a nosso ver, corretamente), uma reapreciação periódica da MPU, para que não sejam eternas. Ao invés de se perspectivar a MPU como uma medida cautelar que pode sobreviver após a condenação criminal, é muito mais lógico simplesmente compreendê-la como uma tutela autônoma em relação ao processo penal. Conferir o precedente (que certamente exigirá uma reformulação com a novel disciplina legal):
HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA. MEDIDA PROTETIVA TORNADA DEFINITIVA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. DESPROPORCIONALIDADE. DIREITO DE LOCOMOÇÃO DO PACIENTE AFETADO DE FORMA PERPÉTUA. ILEGALIDADE CONSTATADA. HIPÓTESE DE INDETERMINAÇÃO DA MEDIDA, COM A NECESSÁRIA AVALIAÇÃO PERIÓDICA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
[…] 2. […] não há como se esquivar do caráter provisório das medidas protetivas, ainda que essa provisoriedade não signifique, necessariamente, um prazo previamente definido no tempo, até porque se mostra imprescindível que a proteção à vítima perdure enquanto o risco recair sobre ela, de forma que a mudança ou não no estado das coisas é que definirá a duração da providência emergencial. Ora, fixar uma providência por prazo indeterminado não se confunde, nem de longe, com tornar essa mesma providência permanente, eterna. É indeterminado aquilo que é impreciso, incerto, vago. Por outro lado, é permanente, eterno, aquilo que é definitivo, imutável.
3. No caso, ao tornar definitiva, na sentença condenatória, a medida protetiva de proibição de aproximação da vítima, anteriormente imposta, o Magistrado de piso acabou por desnaturar por completo a natureza e a razão de ser das medidas protetivas que, por serem “de urgência”, tal como o próprio nome diz, equivalem a uma tutela de defesa emergencial, a qual deve perdurar até que cessada a causa que motivou a sua imposição. Não é à toa que são chamadas de medidas acautelatórias “situacionais” e exigem, portanto, uma ponderação casuística.
4. O que se tem, na verdade, na espécie, é uma providência emergencial, acautelatória e de defesa da vítima, imposta em 15/1/2018, ou seja, assim que os fatos que culminaram na condenação do paciente chegaram ao conhecimento do poder judiciário, e que se eternizou no tempo para além do prazo da própria pena aplicada ao paciente (1 mês e 10 dias de detenção), sem nenhum amparo em eventual perpetuação do suporte fático que a legitimou no início da persecução penal.
5. Levando em conta a impossibilidade de duração ad eternum da medida protetiva imposta – o que não se confunde com a indeterminação do prazo da providência -, bem como a necessidade de que a proteção à vítima perdure enquanto persistir o risco que se visa coibir – aferição que não pode ser realizada por esta Corte, na via exígua do writ -, é caso de se conceder a ordem de habeas corpus, ainda que em menor extensão, a fim de que, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, o Magistrado singular examine, periodicamente, a pertinência da preservação da cautela imposta, não sem antes ouvir as partes.
6. Ordem parcialmente concedida para tornar por prazo indeterminado a medida protetiva de proibição de aproximação da vítima, revogando-se a definitividade estabelecida na sentença condenatória, devendo o Juízo de primeiro grau avaliar, a cada 90 dias e mediante a prévia oitiva das partes, a necessidade da manutenção da cautela.
(STJ, HC n. 605.113/SC, rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., j. 8/11/2022)
3 DIREITO INTERTEMPORAL
Questão que irá surgir com o advento da nova lei é quanto à sua aplicabilidade no tempo.
Em relação aos §§ 4º, 5º e 6º do art. 19 da LMP, trata-se claramente de normas de natureza processual, que regulamentam o tipo de prova suficiente à decisão (alegação pela mulher), o parâmetro de avaliação da prova (verossimilhança da alegação), o objeto do julgamento (avaliação de risco), o caráter autônomo da tutela jurisdicional da MPU e o prazo de vigência da medida (enquanto persistir o risco). Portanto, tratando-se de normas processuais, elas se aplicam imediatamente, nos termos do 14 do CPC, que estabelece que “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”. Considerando que não há preclusão pro judicato em matéria de MPU, podendo o juiz “conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas” (LMP, art. 19, § 3º), cremos que eventuais pedidos de reconsideração, de prorrogação ou de revogação de MPU, concedida antes da vigência da nova lei, devem já levar em consideração os novos parâmetros legalmente definidos.
Em relação à regra do art. 40-A da LMP, trata-se de norma duplamente híbrida, de natureza material e processual, bem como de natureza cível e criminal. Em relação à perspectiva criminal material, incluir um delito no sistema da LMP significa vedar eventuais benefícios despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/1995. O intérprete desavisado poderia considerar que esta natureza híbrida deveria ensejar a não aplicação retroativa do dispositivo. Todavia, conforme consta da própria exposição de motivos da norma, não se trata de uma alteração da LMP, mas de uma interpretação autêntica contra interpretações jurisdicionais restritivas, estas sim alteradoras do sentido original da lei. Conferir (BRASIL, 2022, p. 8):
Resta evidente, portanto, que a violência baseada no gênero permeia, e extrapola, os casos concretos, por ser um problema social. Nesse contexto, restringir o âmbito de aplicação da lei significa negar às mulheres, na realidade, o direito à proteção diferenciada. Significa praticamente esvaziar o sentido da Lei Maria da Penha, diploma nacional reconhecido em todo o mundo por sua qualidade. Desta forma, para deixar explícito o sentido mais amplo na aplicação da Lei, sugerimos a inclusão de alteração nas disposições finais reforçando que não se trata de mudança do sentido originário do art. 5º, mas de interpretação autêntica, que visa afastar a aplicação das interpretações jurisdicionais restritivas.
Vale registrar que o STJ possui precedentes reconhecendo que a lei nova que acolhe um entendimento jurisprudencial anterior (após momento inicial de divergência jurisprudencial) não configura novatio legis in pejus, devendo ser aplicada ex tunc, ainda que prejudique o réu, pois trata-se apenas de aplicar o entendimento da legislação originária, agora esclarecido. Temos dois exemplos: (a) a Súmula n. 593 do STJ, sobre crimes sexuais, teve seu entendimento posteriormente adotado pela Lei n. 13.718/2018, que incluiu o § 5º ao art. 217-A do CP, estabelecendo que configura-se o crime de estupro de vulnerável independentemente do consentimento da vítima ou de ela já ter mantido relações sexuais anteriormente; (b) a Lei n. 12.737/2012 introduziu no art. 298 do CP um parágrafo único, esclarecendo que o cartão de crédito se equipara a documento para fins de prática do crime de falsificação de documento particular. Conferir:
RECURSO ESPECIAL. CARTÃO DE CRÉDITO. CLONAGEM. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. TIPICIDADE. FATO COMETIDO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 12.737/2012. INSERÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO AO ART. 298 DO CÓDIGO PENAL. ELEMENTO NORMATIVO “DOCUMENTO”. LEI INTERPRETATIVA QUE EXPLICITOU O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL JÁ CONSOLIDADO. RECURSO PROVIDO.
[…] 3. Assim, a inserção do parágrafo único ao art. 298 do Código Penal apenas ratificou e tornou explícito o entendimento jurisprudencial da época, relativamente ao alcance do elemento normativo “documento”, clarificando que cartão de crédito é considerado documento. Não houve, portanto, uma ruptura conceitual que justificasse considerar, somente a partir da edição da Lei n. 12.737/2012, cartão de crédito ou de débito como documento. Seria incongruente, a prevalecer a tese da atipicidade anterior à referida lei, reconhecer que todos os casos anteriores assim definidos pela jurisprudência, por meio de legítima valoração de elemento normativo, devam ser desconstituídos justamente em face da edição de uma lei interpretativa que veio em apoio à própria jurisprudência já então dominante. 4. Recurso especial provido.
(STJ, REsp n. 1.578.479/SC, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 02/08/2016)
Portanto, considerando que já se sinalizava corrente jurisprudencial pela Corte Especial do STJ que superava a anterior controvérsia e entendia que é sempre presumida a violência baseada no gênero nos atos de violência doméstica contra a mulher, bem como considerando que a interpretação originária da LMP jamais condicionou sua aplicação a causa, motivações ou condições, conclui-se que a regra do art. 40-A da LMP é de aplicação imediata. Não se trata de reformatio in pejus, mas de novatio legis interpretativa, que não altera, apenas deixa mais claro os exatos termos da norma originária. Assim, a lei interpretativa “limita-se a estabelecer o correto entendimento e o exato alcance da regra anterior, que já deveriam estar sendo aplicados desde o início de sua vigência” (CAPEZ, 2007, p. 61).
CONCLUSÃO
Verifica-se que a LMP é uma lei revolucionária, ao introduzir uma perspectiva vítimo-cêntrica na atuação do sistema de justiça, que objetiva medidas de proteção integral à mulher. Ela introduz a perspectiva de gênero, criando assim a obrigatoriedade de consideração das condições peculiares das mulheres em situação de violência (LMP, art. 4º). A inicial diretriz normativa de ampla proteção a todas as mulheres que conseguem vencer a barreira do silêncio e pedir socorro às autoridades públicas não pode ser anulada por interpretações restritivas pelo sistema de justiça. Nesse sentido, a Lei n. 14.550/2023 não inova no ordenamento jurídico, ela apenas torna mais claras as diretrizes protetivas que sempre estiveram no bojo da LMP.
A lei reforça a diretriz de que todas as mulheres que sofrem violência no âmbito das relações domésticas, familiares e íntimas de afeto têm direito ao estatuto protetivo da LMP, independentemente de discussões sobre se haveria ou não uma “especial motivação de gênero” do ofensor ou ainda se a mulher seria concretamente vulnerável ou hipossuficiente. A lei também esclarece o caráter autônomo da MPU em relação a eventuais processos cíveis ou criminais, a suficiência da verossimilhança da alegação pela mulher de uma situação de violência doméstica e familiar como requisito probatório, criando verdadeira presunção de veracidade das alegações, por uma opção de política criminal (lato sensu), invertendo-se o ônus da prova ao suposto ofensor sobre a eventual inverdade da alegação ou a ausência de situação de risco.
Finalmente, a lei novamente explicita que a finalidade da MPU não é proteger “apenas” a integridade física, mas também evitar a reiteração de quaisquer outras formas de violência, com especial destaque à suficiência da proteção à integridade psicológica (como no caso de ofensas morais), esclarecendo que as medidas devem ser mantidas em vigor enquanto não se verificar que o risco cessou. Estas diretrizes reforçam o compromisso internacional do Estado Brasileiro em ser eficiente na proteção de todas as formas de violência contra as mulheres no contexto doméstico e familiar.
REFERÊNCIAS
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ÁVILA, Thiago Pierobom de; GARCIA, Mariana Badawi. Análise quanto aos diferentes padrões decisórios de medidas protetivas de urgência nos 20 Juizados de VDFCM do Distrito Federal durante o ano de 2019. Brasília: Núcleo de Gênero do MPDFT, 2022. Disponível em: https://www.mpdft.mp.br/portal/images/pdf/nucleos/nucleo_genero/publicacoes/relatorio_pesquisa_01_2022_projeto_info-vd_ng_mpdft.pdf
ÁVILA, Thiago Pierobom de; MAGALHÃES, Thais Quezado Soares. Itinerários processuais anteriores ao feminicídio: os limites da prevenção terciária. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 187, p. 355-395, 2022. Disponível em: https://www.academia.edu/69245566
ÁVILA, Thiago Pierobom de; MESQUITA, Cristhiane Raisse de Paula. O conceito jurídico de “violência baseada no gênero”: um estudo da aplicabilidade da Lei Maria da Penha à violência fraterna. Quaestio Iuris, v.13, n. 1, p. 174-208, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/42985/33942
BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: aspectos criminais e políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero. 2ª ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021.
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[1] A Prof. Lia Zanotta iniciou as discussões sobre este tema, no âmbito do NEPeM/UnB, tendo solicitado a Thiago Pierobom a redação de uma minuta de anteprojeto. Pelo Consórcio de ONGs da Lei Maria da Penha e parceiros participaram das discussões de aperfeiçoamento da minuta original Alice Bianchini, Amom Albernaz Pires, Carmen Hein de Campos, Cleide Lemos, Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Lia Zanotta, Maria Beatriz Gonzalez Fiqueiredo, Myllena Calasans, Thiago Pierobom, além de integrantes dos Gabinetes das Senadoras Simone Tebet (autora), Eliziane Gama (relatora no Senado), Deputada Jandira Feghali (relatora na Câmara dos Deputados), Procuradoria da Mulher no Senado e Secretaria da Mulher na Câmara dos Deputados.
[2] Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9171804&ts=1675453653924&disposition=inline.
[3] Conferir o conteúdo do FoNAR aqui: https://atos.cnj.jus.br/files/original215815202003045e6024773b7dc.pdf
[4] Consta na Exposição de Motivos, em seu item 6 que “o projeto delimita o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, por entender que a lógica da hierarquia de poder em nossa sociedade não privilegia as mulheres. Assim, busca atender aos princípios de ação afirmativa que têm por objetivo implementar “ações direcionadas a segmentos sociais, historicamente discriminados, como as mulheres, visando a corrigir desigualdades e a promover a inclusão social por meio de políticas públicas específicas, dando a estes grupos um tratamento diferenciado que possibilite compensar as desvantagens sociais oriundas da situação de discriminação e exclusão a que foram expostas”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/expmotiv/smp/2004/16.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/expmotiv/smp/2004/16.htm