Em decisão inédita (ao menos, para mim), D. magistrada do Pará rejeitou denúncia oferecida pelo Ministério Público contra mulher surpreendida tentando ingressar num dos estabelecimentos prisionais do Estado com um aparelho de telefone celular escondido na cavidade vaginal, cujo destino era um preso. Para a magistrada sentenciante, dentre outros argumentos que veremos juntos, o tipo do art. 349-A do Código Penal é inconstitucional porque veicula uma espécie de crime de “perigo imaginário, já que tal conduta, por si só, não pode ser considerada potencialmente lesiva sem que nela interfira a crença fundamentalista do intérprete de que há uma classe de pessoas, chamada ‘bandidos’, que não tem laços familiares, de amizade e tampouco afetividade, portanto deles somente o que se espera é que cometam delitos”.
Nas linhas que seguem vou tentar refutar a tese da inconstitucionalidade – e outras levantadas na r. decisão – e reforçar a importância e necessidade da punição de condutas desse tipo.
O art. 349-A do CP pune, com detenção de três meses a um ano, ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional.
A introdução de aparelho de comunicação no presídio, antes de março de 2007, não gerava, em regra, qualquer consequência para o preso que fosse surpreendido na sua posse, para o agente público que se omitisse no dever de vedar a sua entrada ou mesmo para o particular que o introduzisse no sistema penitenciário. Os dois primeiros comportamentos, com o advento da Lei 11.466/2007, foram tipificados como falta grave (art. 50, VII, da LEPArt. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: (...) VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. ) e crime (art. 319-A do CPArt. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo), respectivamente. Havia o legislador se esquecido, no entanto, de tipificar a conduta do particular. Para suprir essa lacuna, a Lei 12.012/2009 introduziu no Código Penal o art. 349-A, aliás com punição extremamente branda se considerarmos a gravidade das consequências provocadas pelo uso de aparelhos de telefone no interior de presídios.
Feita essa retrospectiva normativa, volto para a decisão aqui discutida.
ART. 349-A CP E O DELITO DE PERIGO IMAGINÁRIO
O primeiro argumento aventado para rejeitar a denúncia é aquele já destacado linhas inaugurais deste estudo: sem que o efetivo uso de equipamentos de comunicação pelo preso seja crime, a tipificação isolada da conduta de ingressar no estabelecimento com o equipamento não pode prosperar, pois revela não a pretensão de tutelar um bem jurídico, mas a adoção de uma nova modalidade de delito, o crime de perigo imaginário.
Ouso discordar: a elevação de determinada conduta à categoria de crime – seja de dano, de perigo concreto ou de perigo abstrato – sempre tem como pressuposto a proteção de um bem jurídico. É para mim impossível a tipificação criminal de uma conduta sem que haja um correspondente objeto jurídico a ser tutelado, seja qual for a denominação estabelecida de acordo com o resultado normativo (dano ou perigo). Isso quer dizer: mesmo que existisse o tal crime de perigo imaginário, haveria, sem a menor sombra de dúvida, um bem jurídico a ser tutelado: aquele imaginariamente posto em perigo pela conduta criminosa!
O crime de que trata o art. 349-A do Código Penal não é de “perigo imaginário”, mas de perigo abstrato, consumando-se com a prática de qualquer um dos núcleos ainda que o preso não tenha acesso efetivo ao aparelho. É de perigo abstrato porque se presume – corretamente, diga-se de passagem – de forma absoluta o risco advindo da conduta de ingressar em um presídio com um aparelho que permite a comunicação externa irrestrita justamente por parte de quem está privado de liberdade e que, portanto, deve ter suas atividades submetidas a rígido controle das autoridades prisionais.
Os termos em que o debate deve ser proposto – como de fato vem sendo pela doutrina penal – é se o crime de perigo abstrato é ou não constitucional. O debate deriva justamente do fato de que, sendo o perigo presumido pela lei, dispensa-se a efetiva demonstração do risco, o que ofenderia o princípio da lesividade, segundo o qual se exige que do fato praticado ocorra lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. A tese, todavia, não seduziu os tribunais superiores – para quem a criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal – nem a maior parte da doutrina, que considera razoável a punição de determinadas condutas que, embora sem causar danos ou sem submeter o bem jurídico a perigo efetivo, podem trazer consequências graves cuja apuração específica tornaria inviável qualquer punição. É o caso, por exemplo, do tráfico de drogas: se fosse necessário comprovar o perigo concreto ou o dano advindo da conduta de vender drogas, inúmeras punições seriam obstadas.
Esse fundamento do perigo abstrato é adequadíssimo ao crime do art. 349-A do CP. As consequências advindas da conduta de introduzir no estabelecimento prisional um aparelho de comunicação externa podem ser – e normalmente são – gravíssimas. Sabe-se perfeitamente o número imenso de crimes cometidos por esse meio, e a conduta que proporciona a prática desses crimes deve ser pronta e severamente punida. Se dependesse da comprovação do dano causado – ou mesmo de eventual perigo concreto provocado –, a punição da introdução do aparelho se tornaria uma possibilidade remota.
Não parece correto pressupor – como o fez a nobre magistrada – que a punição da conduta de introduzir celular em presídio dependeria de que fosse também crime o efetivo uso de tais equipamentos pelo preso (e não é, como já alertei). Fosse assim, qualquer conduta da qual decorresse outra que por sua vez pudesse provocar algum dano – ou mesmo perigo – só poderia ser punida se esta segunda conduta também fosse crime. Aplicada essa tese, o induzimento ao suicídio só poderia ser crime se o suicídio também o fosse!
E, não obstante a conduta do preso seja atípica na esfera penal, é considerada falta grave (art. 50, VII, da Lei nº 7.210/84), que pode obstar os benefícios da execução. Não se trata, portanto, de conduta indiferente aos olhos do legislador.
PRESUNÇÃO DE QUE O APARELHO SERVIRÁ PARA A PRÁTICA DE CRIMES
A decisão prossegue destacando que são diversos “os objetivos de quem faz chegar à posse daqueles que se encontram nos estabelecimentos prisionais um aparelho telefônico de comunicação móvel”. Segundo a juíza, não é possível concluir “que todo preso somente usa telefone celular para cometer crimes”.
A experiência mostra, com certa tranquilidade estatística, que raramente um preso recebe um aparelho de telefone celular, trazido escondido numa cavidade corporal por outra pessoa, simplesmente para utilizá-lo na comunicação com seus entes queridos, para assim aplacar a melancolia que lhe causam tantas limitações advindas das implacáveis regras de disciplina impostas pelo encarceramento infligido em decorrência de um crime praticado. A esmagadora maioria dos casos retratam a utilização do aparelho para o cometimento de crimes e para comandar organizações criminosas. Sabe-se perfeitamente que o acesso aos telefones é controlado por membros do crime organizado que também controlam as instalações penitenciárias. São esses membros que determinam o que pode ser feito com os aparelhos e que os utilizam – direta ou indiretamente – para cometer crimes – como as tão conhecidas extorsões por meio das quais criminosos induzem as vítimas a acreditar que um membro da família foi sequestrado e que o resgate deve ser depositado em determinada conta bancária, ou, com menos cupidez, induzem-nas a depositar créditos para os próprios telefones por meio dos quais cometem a extorsão – ou para comandar os demais membros da organização em empreitadas criminosas extremamente graves fora dos estabelecimentos prisionais. É dessa forma que chefes de organizações criminosas comandam, mesmo presos, o comércio de drogas e determinam sequestros e homicídios. Parece-me ingenuidade considerar que a remota possibilidade de um preso receber o telefone para conversar com sua mãe antes do sono noturno seja motivo para afastar a incidência da norma penal quando o que ocorre, em 99 de cada 100 casos, é a prática de infrações penais da mais alta gravidade.
ART. 349-A CP E A RESPONSABILIDADE OBJETIVA
Para a juíza, partindo das premissas constitucionais de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, bem como tendo em consideração que aparelhos de comunicação móvel, de rádio ou similares não são de uso vedado, “para que se possa reconhecer que há perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido é necessário admitir a figura da responsabilidade objetiva no direito penal, pois somente assim é possível chegar ao resultado ‘crime’ quando se agregam os fatores ‘preso’ e ‘aparelhos telefônicos de comunicação móvel’”.
Em primeiro lugar, não há nada no tipo penal do art. 349-A que agregue presos e aparelhos telefônicos. As condutas punidas são as de ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. O crime não tem nenhuma relação direta com o preso, pois o que se pune é a conduta de alguém de fora do estabelecimento.
Por essa razão, não parece correta a conclusão de que a punição estudada caracteriza responsabilidade objetiva. Ora, essa forma de responsabilidade – vedada no âmbito penal – dispensa dolo e culpa, contentando-se simplesmente com a conduta – comissiva ou omissiva. Como é possível falar em responsabilidade sem dolo em decorrência da conduta de alguém que insere na própria cavidade vaginal um aparelho de telefone para introduzi-lo em um presídio? Não é possível, evidentemente. Essa conduta não pode ser de nenhuma forma associada com a destinação que o preso conferirá ao aparelho.
APARELHO DE COMUNICAÇÃO: OBJETO MATERIAL LÍCITO
O fato de os aparelhos de comunicação móvel serem de uso permitido não traz nenhum alento. Facas também o são. Chaves de fenda, martelos e serrotes, também. Deveriam ser permitidos no interior de um presídio só por esse motivo? É claro que não, porque podem ser utilizados para, vejam só!, o cometimento de crimes. A argumentação utilizada na sentença, contudo, pode fazer com que as autoridades prisionais sejam obrigadas a aceitar a posse de uma faca por parte de um preso que alegue a necessidade do artefato para sua legítima defesa em tão hostil ambiente. Ou podem ser compelidas a liberar a entrada de serrotes e martelos para o preso que pretenda desenvolver seus dotes na arte da marcenaria. Por que não?
Aparelhos de comunicação móvel, de rádio ou similares podem não ser em geral de uso vedado, mas sua entrada e utilização no interior de estabelecimentos prisionais é proibida. Tanto que responde por falta grave o preso surpreendido com o aparelho e – segundo a orientação do STJ – com acessórios imprescindíveis para o funcionamento, como carregadores e baterias. Assim como são criminosos o diretor do estabelecimento e os agentes públicos que deixam de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico. Não há absolutamente nenhuma razão plausível para deixar de punir quem pretenda introduzir clandestinamente o aparelho no estabelecimento prisional.
ART. 349-A CP E O DIREITO PENAL DO INIMIGO
Não se trata, ao contrário do que se expõe na decisão, de “ratificar o reconhecimento implícito de que determinadas categorias de indivíduos são inimigos naturais da ‘sociedade’, e que esta é um conjunto formado exclusivamente pelas ‘pessoas de bem’”. A argumentação é, com o devido respeito, equivocada. Não se trata, em absoluto, de impor a determinadas categorias de indivíduos a pecha de inimigos da sociedade, muito menos de cometer a ingenuidade de considerar que o conjunto social além da tal categoria seja formado exclusivamente por pessoas de bem, mas de reconhecer a ululante situação em que presos – que, por definição, estão privados de direitos cujo exercício obstaria a efetividade da medida privativa de liberdade – têm acesso a aparelhos de comunicação para cometer crimes contra quem está fora do presídio.
É absolutamente imprescindível que a comunicação de presos com o exterior seja rigorosamente controlada. Imagine-se a situação em que alguém seja preso preventivamente por ter cometido coação contra uma testemunha no curso de um processo. Qual seria a efetividade da medida se esse preso tivesse acesso a um aparelho de telefone celular para reiterar a coação? Nenhuma! E, ainda que se parta da ingênua premissa de que um preso tenha recebido o aparelho telefônico para comunicações lícitas, como controlar, dentro de um presídio, quais outros detentos terão acesso àquele aparelho e para quais finalidades? Seria algo manifestamente inexequível, principalmente porque, como já observamos, os presos em geral são submetidos a outros poucos que determinam o que deve ser feito. Eis o perigo que se busca evitar.
Fundamentar, como se fez, a rejeição da denúncia no fato de que a figura penal do art. 349-A é uma “construção jurídico-normativa” que exerce “a função de criminalizar e confinar” parte dos membros da sociedade “em guetos” não convence, a par de não ter nenhuma relação com a figura típica em análise. É a rançosa ideologia da luta de classes empregada para demonstrar a opressão que o Direito Penal supostamente exerce sobre desprivilegiados. Nada mais enganoso, no entanto. Argumentos desse tipo servem única e exclusivamente para desviar a atenção do que de fato é importante: a prática de uma conduta criminosa e suas consequências para o restante da sociedade que, se não é composto exclusivamente por pessoas de bem, é certamente integrado por uma esmagadora maioria que controla seus impulsos para atuar dentro dos limites impostos pela lei.
Essa argumentação de que se elege um grupo que passa a ser tratado como inimigo da sociedade e de que a tipificação de determinadas condutas tem por escopo criminalizar e confinar os membros desse grupo em guetos chega a ser absurda diante da figura criminosa do art. 349-A, que pune, vejam bem!, a conduta de fazer ingressar aparelhos de comunicação em presídios! Enfatizo: quem está fora do estabelecimento prisional atua deliberadamente contra a lei – não só penal – para fazer com que criminosos tenham acesso a aparelhos que os façam se comunicar com o exterior. Diante disso, indaga-se onde estaria o propósito de eleger inimigos e criar guetos? Não se trata disso, absolutamente. Ao tipificar a conduta – e de forma muito branda –, o legislador simplesmente respondeu à necessidade de lidar criminalmente com algo que vinha sendo disseminado em presídios de todo o país. E que infelizmente ainda é, especialmente se considerarmos as providenciais contribuições de decisões desse tipo.
OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Chega-se inclusive a fundamentar a decisão na dignidade da pessoa humana, impedindo-se “que seja alijado [sic] do processo de interpretação da norma a análise dos objetivos implementados por ela”.
Em primeiro lugar, não há absolutamente nada, na punição de quem faz ingressar um objeto proibido em um estabelecimento prisional, que ofenda a dignidade da pessoa humana, segundo o qual é vedada a reprimenda indigna, cruel, desumana ou degradante.
O argumento me parece vazio, introduzido com o propósito de sensibilizar incautos e de justificar o injustificável, pois não há nada de indigno, cruel, desumano ou degradante na punição de alguém que atua, em última análise, para colaborar com práticas criminosas que se darão a partir do momento em que os presos tenham comunicação com o exterior – daí, aliás, considerarmos muito branda a pena imposta.
Há mais, no entanto.
ART. 349-A CP E SUA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA
As justificativas do projeto de lei que culminaria no art. 349-A do Código Penal foram apontadas, surpreendentemente, como impeditivos à aplicação da lei.
Ora, a interpretação da lei baseada no propósito do legislador já é um tanto controversa, pois não raro traz ao texto legal elementos que nem remotamente o integram. Investigar os propósitos do legislador pode ademais conduzir a resultados incertos, carregados de subjetivismo. O juiz da Suprema Corte americana Antonin ScaliaScalia’s Court, A Legacy of Landmark Opinions and Dissents, Regnery Publishing, 2016, p. 23, cujo brilhantismo era reconhecido até mesmo por quem se opunha às suas decisões, dizia que “somos governados pela lei, não pela intenção dos legisladores”. A respeito dessa forma de interpretação, Scalia era assertivo: é pouco confiável. Inicialmente porque não é determinável, já que muitos legisladores reunidos podem propor ou aprovar um projeto de lei pelos mais diversos e impensáveis motivos. Em segundo lugar porque, caso seja possível determinar o motivo, o que governa a população, como já citamos, é a lei, não as motivações utilizadas pelo Congresso, que de resto não as ratifica, senão unicamente o texto legal, único vinculante.
Não obstante essa forma de interpretação seja controversa, não são poucos os que a utilizam. Esses, no entanto, fazem-no para averiguar a melhor forma de aplicar a lei. Utilizar a exposição das razões pelas quais a lei deveria existir para negar sua aplicação é realmente algo inédito e que causa perplexidade.
E se considerarmos as justificativas do projeto de lei só podemos concluir que a figura criminal é absolutamente necessária. Qualquer pessoa em contato com o sistema prisional é capaz de testemunhar a quantidade de infrações penais cometidas por meio de aparelhos celulares ilegalmente introduzidos nos estabelecimentos.
Contra a aplicação do art. 349-A do CP, afirma a guerreada decisão da culta magistrada, que a discussão na Câmara dos Deputados foi marcada por ter somente parlamentares discursando a favor do projeto. Ora, o fundamento, portanto, está na inaplicabilidade do artigo por insuficiência de discursos. O Poder Judiciário não é corregedor do Legislativo, e, ainda que lhe caiba, por meio das ações adequadas, averiguar o cumprimento do devido processo legislativo, o número de discursos não está entre os requisitos constitucionais para a aprovação de um projeto de lei.
Prosseguindo na forma de interpretação, destacou-se que um parágrafo que constava do projeto foi retirado porque, segundo um parlamentar, conferiria uma “enorme saída de defesa” a quem tivesse o aparelho no presídio. O referido parágrafo estabeleceria: “ficando comprovado que o uso do aparelho descrito não se destinava à prática de crime, o juiz poderá deixar de aplicar a pena”.
Segundo se extrai da decisão, isso deixa em dúvida a necessidade de punição. É óbvio, no entanto, que ocorre justamente o contrário, pois, como bem apontou o parlamentar, aquele parágrafo praticamente inviabilizaria a punição. Invocar a justificativa da lei para não a aplicar pode ser classificado – com muito boa vontade – de um erro crasso; invocar algo que foi retirado do projeto porque inviabilizaria a aplicação da futura lei para justificar exatamente sua inaplicabilidade é simplesmente iníquo.
A decisão não se esgotou nesses pontos.
CRIME E O ESTADO LAICO
Para a culta magistrada, “A crença de que o crime decorre da impunidade afasta da discussão qualquer possibilidade de que se investigue as causas subjacentes ou de que se possa perquirir se de fato o bem jurídico tutelado merece a proteção no contexto de um Estado Democrático laico”. Não se compreende o que laicidade tem a ver com a situação de fato correspondente ao ingresso criminoso de aparelhos de comunicação em presídio. No mais, também não nos é alcançável o que relaciona a punição da introdução ilegal de um objeto em um presídio com a impunidade e com as demais causas do crime. Quanto ao bem jurídico tutelado, trata-se da administração da justiça – com especial atenção à segurança pública. Se outros magistrados passarem a entender que essa objetividade jurídica não justifica punição, temo pelo futuro dos crimes tipificados nos artigos 338Reingresso de estrangeiro expulso Art. 338 - Reingressar no território nacional o estrangeiro que dele foi expulso: Pena - reclusão, de um a quatro anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena. a 359 do Código Penal.Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito Art. 359 - Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial: Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
Por fim, a decisão se lastreia em alguns artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (especificamente, artigos 1º, 2º, 5º, 7º, 8º e 19º). É inegável que esse importante documento deve ser utilizado para balizar o tratamento conferido aos autores de crimes que estejam sendo submetidos a restrição de liberdade. É aplicável, no entanto – e obviamente – naquilo em que seja compatível com a natureza da medida a que está sendo submetido o criminoso. Invocar os dispositivos mencionados para fundamentar o óbice à punição pelo crime do art. 349-A é tão conveniente quanto seria utilizá-los para o mesmo propósito em toda e qualquer infração penal.
CONCLUSÃO
Diante disso, com a mesma sinceridade em que respeito a culta magistrada, reitero minha convicção sobre a plena constitucionalidade do art. 349-A do CP. Concluo não só ser possível, mas imprescindível a punição da conduta de quem de alguma forma colabora para a entrada de aparelhos de comunicação em estabelecimentos prisionais. A conduta, muitas vezes subestimada, é gravíssima na medida em que colabora diretamente para o cometimento das mais diversas infrações penais, que, não fosse pela facilidade de comunicação entre os criminosos, poderiam ser evitadas.
Para se aprofundar no tema:
Livro: Manual de Direito Penal (parte especial)
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