Não é novidade que, no julgamento do HC 126.292/SP e das ADC 43 e 44, o Supremo Tribunal Federal considerou possível o início da execução da pena após o recurso em segunda instância.
Antes disso, no HC 84.078/MG, o tribunal havia considerado impossível que se executasse a pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória e estabelecera a possibilidade de encarceramento apenas se verificada a necessidade de que isso ocorresse por meio de cautelar (prisão preventiva). À época, asseverou o tribunal, para além do princípio da presunção de inocência, que “A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão”.
No novo julgamento (HC 126.292), considerou-se que a prisão após a apreciação de recurso pela segunda instância não desobedece a postulados constitucionais – nem mesmo ao da presunção de inocência – porque, a essa altura, o agente teve plena oportunidade de se defender por meio do devido processo legal desde a primeira instância. Uma vez julgada a apelação e estabelecida a condenação (situação que gera inclusive a suspensão dos direitos políticos em virtude das disposições da LC nº 135/2010), exaure-se a possibilidade de discutir o fato e a prova, razão pela qual a presunção se inverte. Não é possível, após o pronunciamento do órgão colegiado, que o princípio da presunção de inocência seja utilizado como instrumento para obstar indefinidamente a execução penal. Considerou-se, ainda, a respeito da possibilidade de que haja equívoco inclusive no julgamento de segunda instância, que há as medidas cautelares e o habeas corpus, expedientes aptos a fazer cessar eventual constrangimento ilegal.
O tema voltou à pauta do tribunal por meio das ADC 43 e 44, nas quais se pretendia a declaração de constitucionalidade do art. 283 do CPP, segundo o qual “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Pretendia-se, com isso, evitar os efeitos da decisão tomada no habeas corpus já citado, ou seja, que a prisão se tornasse possível após o julgamento de recursos em segunda instância.
Mas o objetivo não foi alcançado, pois o STF conferiu ao art. 283 do CPP interpretação conforme para afastar aquela segundo a qual o dispositivo legal obstaria o início da execução da pena assim que esgotadas as instâncias ordinárias.
Desde então, têm sido impostas certas limitações à execução da pena após o pronunciamento da segunda instância. Tanto o próprio STF quanto o STJ têm julgados pontuais nos quais são feitas considerações que tentam restringir a execução a determinadas situações.
O STJ, por exemplo, firmou o entendimento de que a execução provisória da pena restritiva de direitos é incabível porque o art. 147 da Lei de Execução PenalArt. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares., que trata da execução das penas restritivas de direitos e que exige o trânsito em julgado, não foi objeto de julgamento pelo STF no HC 126.292/SP e das ADC 43 e 44. Além disso, mesmo antes do julgamento do HC 84.078/MG pelo STF – época em que a execução provisória da pena era admitida –, a jurisprudência impunha idêntica restrição sobre as penas restritivas de direitos (AgRg no REsp 1.667.341/RN, DJe 20/10/2017).
O STF também já teve a oportunidade de se manifestar a esse respeito, ainda que em decisão de caráter liminar (HC 144.908/RS, j. 23/06/2017), por meio da qual determinou a suspensão da execução provisória da pena de um ex-prefeito condenado pela prática do crime de falsidade ideológica. Naquele caso, após recurso de apelação improvido, a defesa recorrera ao STJ, que não conheceu do recurso e, atendendo a pedido do Ministério Público, determinou a remessa de cópia dos autos ao juízo de primeira instância para a execução provisória da pena. O relator, ministro Lewandowski, aduziu que o juiz de primeira instância havia garantido, na sentença, a possibilidade de que o agente apelasse em liberdade em razão da natureza da pena imposta e da inexistência de motivos para a prisão preventiva. Tendo em vista que o Ministério Público não se insurgiu contra isso e o próprio Tribunal de Justiça não determinou o cumprimento antecipado da pena, não caberia, segundo o ministro, ao STJ prejudicar a situação do réu em seu próprio recurso, principalmente se estiverem ausentes os fundamentos para a prisão preventiva.
Mais recentemente, outra liminar foi concedida, agora pelo ministro Gilmar Mendes (HC 147.953/SP, DJe 23/10/2017), para a suspensão da execução provisória da pena de treze anos de reclusão, imposta a um ex-prefeito da cidade de Fernandópolis/SP, pela prática dos crimes tipificados no art. 1°, incisos I e II, do Decreto-lei 201/1967 e no art. 299, caput e parágrafo único, do Código Penal.
Na decisão, o ministro fez referência aos julgamentos proferidos pelo STF a respeito da execução provisória da pena e citou o voto do ministro Dias Toffoli no HC 126.292/SP, no qual se estabelecia a possibilidade de execução somente depois que o STJ houvesse se pronunciado em recurso especial eventualmente interposto, isso sob o fundamento de que o instituto da repercussão geral dificulta a admissão de recurso extraordinário de matéria penal, que, todavia, é amplamente apreciada no âmbito do recurso especial, que abrange com muita frequência situações de conflito de entendimento entre tribunais.
E não é a primeira referência que o ministro Gilmar Mendes fez ao voto de Dias Toffoli a respeito da prejudicialidade do recurso especial em relação à execução provisória da pena. No julgamento do HC 142.173/SP (DJe 06/06/2017), asseverou o ministro:
“No julgamento do HC 126.292/SP, o Ministro Dias Toffoli votou no sentido de que a execução da pena deveria ficar suspensa com a pendência de recurso especial ao STJ, mas não de recurso extraordinário ao STF. Para fundamentar sua posição, sustentou que a instituição do requisito de repercussão geral dificultou a admissão do recurso extraordinário em matéria penal, que tende a tratar de tema de natureza individual e não de natureza geral – ao contrário do recurso especial, que abrange situações mais comuns de conflito de entendimento entre tribunais. Manifesto, desde já, minha tendência em acompanhar o Ministro Dias Toffoli no sentido de que a execução da pena com decisão de segundo grau deve aguardar o julgamento do recurso especial pelo STJ”.
Essas decisões, como se nota, revelam a tendência de limitar a possibilidade de execução provisória da pena àquelas situações em que a manutenção da decisão condenatória seja revestida de maior segurança, fundamentando-se basicamente no fato de que, ao julgar o HC 126.292/SP e as ADC 43 e 44, o STF não estabeleceu que a execução provisória da pena é obrigatória, mas que pode ser determinada diante das circunstâncias do caso concreto.
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