Informativo: 892 do STF – Processo Penal
Resumo: Tendo sido o crime praticado mediante violência real, incide o enunciado 608 da Súmula do STF, mesmo após o advento da Lei 12.015/2009.
Comentários:
Antes da Lei 12.015/2009, a ação penal nos crimes sexuais era em regra de iniciativa privada, de acordo com o que estabelecia o caput do art. 225 do CP. Havia, no entanto, exceções:
a) procedia-se mediante ação pública condicionada à representação se a vítima ou seus pais não podiam prover às despesas do processo sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;
b) procedia-se mediante ação pública incondicionada se o crime era cometido com abuso do poder familiar, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador; se da violência resultasse na vítima lesão grave ou morte; se o crime de estupro (ou de atentado violento ao pudor) fosse praticado mediante o emprego de violência real (súmula 608 do STF).
A entrada em vigor da Lei 12.015/09 modificou o cenário ao estabelecer que a ação penal passaria a ser em regra pública condicionada, transformando-se em pública incondicionada quando a vítima fosse menor de dezoito anos ou pessoa vulnerável.
Diante da modificação da natureza da ação penal – que passou de privada para pública –, alguns questionavam a aplicabilidade da súmula neste novo cenário. Segundo Cezar Roberto Bitencourt Disponível em http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/aplicacao-da-sumula-608-do-stf-no-estupro-posicao-favoravel/17876, as disposições da súmula, que apenas reforçam o disposto no art. 101 do CP a respeito da ação penal nos crimes complexos, continuam aplicáveis exatamente por esse motivo:
“No crime de estupro qualificado pelo resultado morte da vítima ou lesão grave, a ação penal é, inegavelmente, pública incondicionada, segundo a norma especial contida no art. 101 do Código Penal. Esse dispositivo legal, ao contrário do que se tem entendido, não consagra uma norma geral, pois sua razão de ser são exatamente as exceções quanto à natureza da ação penal pública incondicionada (regra geral), as quais se encontram na Parte Especial do Código Penal. Aliás, quanto à hipótese de estupro com resultado morte da vítima ou lesão grave, convém que se destaque, não houve alteração alguma, continua como sempre foi, ou seja, crime de ação pública incondicionada.
(…)
A previsão legal relativa ao crime complexo (art. 101), como estamos sustentando, não só é especial como também específica, uma vez que se destina a todos os crimes complexos distribuídos pelo Código Penal, independentemente do capítulo em que se encontrem. Na realidade, as previsões sobre a ação penal constantes do art. 225 e seu parágrafo único fazem parte, como uma subespécie (complementar), daquela regra geral, segundo a qual a natureza da ação penal, quando não for incondicionada, deve vir expressa em lei; nesse sentido, a previsão casuística sobre a iniciativa da ação penal (v.g., arts. 145, 225 etc.) constitui norma geral complementar para esses crimes sexuais. Não teria sentido o afastamento do conteúdo do art. 101 por previsões sobre a natureza da ação penal, as quais, em razão do princípio da excepcionalidade, devem ser sempre expressas. Em outros termos, interpretação em sentido contrário esvaziaria a finalidade da previsão do art. 101, que poderia, inclusive, ser suprimido do Código Penal por absoluta inutilidade.
Com efeito, se não houvesse tais previsões, seria desnecessária a definição contida no referido artigo, pois, na ausência de menção expressa, a ação penal seria sempre pública incondicionada (art. 100). Em outras palavras, o conteúdo do art. 101 do Código Penal destina-se especificamente àquelas infrações penais cuja persecutio criminis depende da iniciativa do ofendido, na medida em que as outras dele não necessitam: são de ação pública incondicionada”.
Na decisão proferida no julgamento do HC 125.360/RJ (j. 27/02/2018), o STF confirmou a plena eficácia da súmula: “No caso, a denúncia do paciente foi realizada em 2012, quando já estava em vigor a Lei 12.015/2009, que alterou o disposto no art. 225 do Código Penal (2), e mais de cinco anos após a ocorrência do delito. A Turma asseverou que as instâncias ordinárias concluíram que o crime foi praticado mediante violência real. Incide, portanto, o Enunciado 608 da Súmula do STF (3), mesmo após o advento da Lei 12.015/2009. Com efeito, rejeitou a alegação de decadência ao fundamento de que a ação penal é pública incondicionada, na linha do que decidido no HC 102.683/RS (DJe de 7.2.2011)”.
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