A índole constitucional é contrária à utilização de provas obtidas por meios ilícitos no processo penal. Tamanha é a intensidade do repúdio a provas espúrias que o constituinte originário teve o cuidado de elencá-lo entre os direitos e as garantias fundamentais (art. 5º, inc. LVI). E o legislador ordinário, seguindo a orientação constitucional, em 2008 deixou explícita também no Código de Processo Penal a inadmissibilidade da prova ilícita:
“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.
O debate em torno da produção de provas é sempre intenso e abrange os mais diversos aspectos, mas sem dúvida são os meios de prova de utilização mais recente – e cada vez mais difundida – que suscitam discussões extensas.
Nos últimos anos, não há dúvida de que interceptações e gravações de conversas mantidas entre criminosos ou entre estes e suas vítimas têm sido os meios de produção de provas mais debatidos, justamente porque cada vez mais utilizados em razão do incremento de aparatos tecnológicos que, há não muito tempo, eram inacessíveis até mesmo a vários dos órgãos incumbidos da investigação criminal.
Quanto à interceptação de conversa telefônica, a posição dos tribunais superiores é bem definida, de sorte que, mantida uma conversa telefônica, sua gravação valerá como prova desde que um dos interlocutores tenha conhecimento dela. Assim, em uma conversa entre “A” e “B”, se “A” grava esse diálogo, a prova é tida como lícita. Ao revés, em uma conversa mantida entre “A” e “B”, se “C” a grava, sem o conhecimento dos interlocutores e sem autorização legal para tanto, configura-se a ilicitude da prova. Vale lembrar que o sigilo das comunicações tem expressa previsão constitucional, no art. 5º, inc. XII, a saber: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial …”. O mesmo pode ser dito a respeito da gravação ambiental de conversas em que um dos interlocutores registra, sem o conhecimento dos demais, o conteúdo do que está sendo dito
“A gravação feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, nada tem de ilicitude, principalmente quando destinada a documentá-la em caso de negativa” (STF – Rela. Ellen Gracie – RT 826/524).
“A violação do sigilo das comunicações, sem autorização dos interlocutores, é proibida, pois a Constituição Federal assegura o respeito à intimidade e vida privada das pessoas, bem como o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas (art. 5º, inciso XII, da CF 88). Entretanto, não se trata nos autos de gravação da conversa alheia (interceptação), mas de registro de comunicação própria, ou seja, em que há apenas os interlocutores e a captação é feita por um deles sem o conhecimento da outra parte. No caso, a gravação ambiental efetuada pela corré foi obtida não com o intuito de violar a intimidade de qualquer pessoa, mas com o fito de demonstrar a coação que vinha sofrendo por parte da ora recorrente, que a teria obrigado a prestar declarações falsas em juízo, sob pena de demissão. Por não se enquadrar nas hipóteses de proteção constitucional do sigilo das comunicações, tampouco estar disciplinada no campo infraconstitucional, pela Lei nº 9.296/96, a gravação unilateral feita por um dos interlocutores com o desconhecimento do outro deve ser admitida como prova, em face do princípio da proporcionalidade” (STJ – REsp n° 1113734-SP – Rel. Og Fernandes, j. 28.09.2010, DJe 06.12.2010)
Recentemente, o STJ reiterou a mesma orientação num caso em que um particular gravou diálogo no qual um defensor público solicitava, em razão da função, vantagem indevida para atuar em um processo no qual a defesa seria exercida pela Defensoria Pública.
No caso julgado, mãe e filha haviam procurado a Defensoria Pública para que fosse exercida a defesa desta última em um processo criminal por tráfico de drogas. O defensor solicitou a quantia de R$ 8.000,00 para que a defesa fosse devidamente exercida por ele. Após efetuar o pagamento de uma das parcelas combinadas, a mãe da acusada naquele processo procurou o Ministério Público, prestou declarações e foi encaminhada à Polícia Civil, que a orientou a gravar o diálogo com o defensor público, a ela fornecendo inclusive o equipamento de gravação.
O defensor púbico – condenado em primeira instância – recorreu ao STJ sustentando sua defesa basicamente em três pontos: a) ilegalidade da gravação, produzida sem autorização judicial e induzida pela polícia, que forneceu até mesmo o equipamento; b) o crime de corrupção passiva tem como vítima o Estado, razão pela qual a pessoa que gravou a conversa deveria ser considerada apenas testemunha dos fatos, não vítima; c) a gravação de conversa entre o defensor e uma familiar de quem seria defendido vulnerou o sigilo profissional do advogado.
O tribunal, no entanto, refutou todos os argumentos defensivos.
No que tange à ilegalidade da prova, reiterou-se a orientação de que a gravação efetuada por um dos interlocutores dispensa autorização judicial, pois não se está diante de violação da intimidade, mas da adoção de providências pelo interessado para o resguardo de direito próprio. Diante disso, aliás, é irrelevante a propriedade do aparelho utilizado para a gravação, pois se trata de mero instrumento para a prática de um ato legal. O ministro Reynaldo Soares da Fonseca – relator – ponderou ainda que o fornecimento do equipamento e a orientação para que a vítima fizesse a gravação não constituíram indevido induzimento para que o defensor público cometesse crime, pois a solicitação da vantagem já havia partido dele mesmo em momento anterior, e as conversas posteriores tratavam apenas da combinação a respeito dos pagamentos que deveriam ser efetuados.
Quanto ao sujeito passivo do crime, o tribunal assentou que o fato de a corrupção passiva vitimar imediatamente o Estado não impõe a qualidade de testemunha ao indivíduo a quem é feita a solicitação da vantagem. Trata-se, no caso, de sujeito passivo mediato, que deve ser considerado também vítima porque sofre o constrangimento decorrente do ato ilegal cometido pelo servidor público. Esta conclusão somente é afastada se tiver havido, antes, o crime de corrupção ativa, que faz desaparecer a conduta de solicitar vantagem e transforma em aceitação ou recebimento o ato ilegal do funcionário público.
Finalmente, afastou-se a alegação de violação do sigilo profissional porque a proteção instituída sobre a comunicação entre o advogado e o cliente visa à proteção de ambos, não apenas do profissional em detrimento do próprio cliente. Concluir que o sigilo profissional se oporia à própria vítima da indevida solicitação de vantagem seria um desvirtuamento do instituto e – acrescentamos – uma espécie de indenidade em favor de servidores públicos ocupantes de cargos semelhantes e que decidissem cometer o mesmo crime.
Recurso Especial 1.689.365/RR