Entrou em vigor no dia 19 de abril a Lei 13.546/17, que, dentre outras disposições, insere nos crimes de homicídio culposo e de lesão corporal culposa cometidos na direção de veículo automotor uma circunstância qualificadora relativa à embriaguez do condutor.
De acordo com o novo diploma legal, o crime do art. 302 do CTB passa a ter pena de reclusão de cinco a oito anos se o agente conduz o veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência (§ 3º). O art. 303, por sua vez, passa a ter pena de reclusão de dois a cinco anos se o agente conduz o veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima (§ 2º).
As qualificadoras foram inseridas, respectivamente, no terceiro e no segundo parágrafos de ambos os dispositivos, que, antes, dispõem sobre causas de aumento de pena. Com efeito, o homicídio culposo tem a pena elevada de um terço à metade se o agente: a) não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação; b) praticar o crime em faixa de pedestres ou na calçada; c) deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; d) estiver conduzindo, no exercício de sua profissão ou atividade, veículo de transporte de passageiros. Estas mesmas circunstâncias majoram a pena da lesão corporal culposa.
Diante da ordem das disposições nos artigos 302 e 303, indaga-se: as causas de aumento se aplicam também às qualificadoras?
Antevemos a formação de duas orientações.
A primeira se fundará no argumento de que a posição topográfica dos parágrafos impede que sobre as qualificadoras incidam majorantes que se seguem imediatamente ao caput. Dessa forma, se o agente embriagado atropela e mata – ou lesiona – alguém sobre a faixa de pedestres, por exemplo, esta circunstância, que torna o crime mais grave, deve ser considerada na aplicação da pena-base, especificamente no momento em que se analisam as circunstâncias do delito.
A segunda orientação – a qual desde já propomos – se funda na interpretação sistemática e na compatibilidade lógica entre os dispositivos. Não é possível estabelecer a relação entre parágrafos do mesmo artigo apenas e tão somente com base na posição em que se encontram. É necessário cotejá-los e analisar se seus termos são compatíveis entre si, tal como vem sendo feito, por exemplo, no crime de furto (art. 155 do CP Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.) para a incidência do privilégio (§ 2º § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.) nas qualificadoras (§ 4º § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.), como estabelece a súmula 511 do STJÉ possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.; ou como ocorre, ainda no furto, na incidência da majorante do repouso noturno (§ 1º § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno. ) sobre as qualificadoras (STJ: AgRg no REsp 1.708.538/SC, DJe 12/04/2018), pois a subtração cometida em período de menor vigilância torna o bem mais vulnerável e agrava a conduta, seja ela simples ou incrementada por alguma das circunstâncias qualificadoras.
Dá-se exatamente o mesmo no caso do homicídio e da lesão corporal cometidos por motorista embriagado numa das situações que caracterizam as majorantes. Não há nenhum óbice a que tais crimes sejam cometidos sobre a faixa de pedestres, nem que o motorista os pratique sem carteira de habilitação, nem mesmo que deixe de prestar socorro à vítima do acidente ou que esteja em serviço de transporte de passageiros.
A nosso ver, portanto, é perfeitamente possível que nas penas do homicídio e da lesão corporal culposos qualificados incidam as majorantes dispostas nos parágrafos que antecedem as qualificadoras. Todas aquelas circunstâncias tornam ainda mais grave a conduta do motorista embriagado, e não há nenhum motivo razoável para que não sejam consideradas conforme sua própria natureza.
Para se aprofundar, recomendamos:
Curso: Carreira Jurídica (mód. I e II)
Curso: Intensivo para o Ministério Público e Magistratura Estaduais + Legislação Penal Especial