O caput do art. 217 do Código Penal tipifica, com reclusão de oito a quinze anos, a conduta de quem tem conjunção carnal ou pratica outro ato libidinoso com alguém menor de quatorze anos de idade. A conduta de praticar atos libidinosos abrange tanto o ato sexual no qual tem a vítima um comportamento passivo (permitindo que com ela se pratiquem os atos) como no qual seu comportamento é ativo (praticando ela mesma os atos de libidinagem no agente).
Dá-se a consumação com a prática de atos de libidinagem, e, considerando as condutas nucleares que compõem o tipo (ter e praticar), é possível, em tese, o fracionamento da conduta, o que consequentemente abre espaço para a tentativa.
Há, no entanto, algumas decisões tomadas pelo STJ que têm restringindo consideravelmente a possibilidade de se caracterizar o conatus no crime de estupro de vulnerável. Tais decisões vêm na esteira do rígido tratamento que o tribunal tem adotado sobre práticas sexuais envolvendo vulneráveis, a começar pela súmula 593, que afasta peremptoriamente a relevância do consentimento ou da experiência sexual.
Assim, já se decidiu que o crime se caracteriza inclusive em situações nas quais não há contato físico entre o agente e a vítima:
“O Parquet classificou a conduta do recorrente como ato libidinoso diverso da conjunção carnal, praticado contra vítima de 10 anos de idade. Extrai-se da peça acusatória que as corrés teriam atraído e levado a ofendida até um motel, onde, mediante pagamento, o acusado teria incorrido na contemplação lasciva da menor de idade desnuda. Discute-se se a inocorrência de efetivo contato físico entre o recorrente e a vítima autorizaria a desclassificação do delito ou mesmo a absolvição sumária do acusado.
A maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do Código Penal – CP, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido.
O delito imputado ao recorrente se encontra em capítulo inserto no Título VI do CP, que tutela a dignidade sexual. Cuidando-se de vítima de dez anos de idade, conduzida, ao menos em tese, a motel e obrigada a despir-se diante de adulto que efetuara pagamento para contemplar a menor em sua nudez, parece dispensável a ocorrência de efetivo contato físico para que se tenha por consumado o ato lascivo que configura ofensa à dignidade sexual da menor. Com efeito, a dignidade sexual não se ofende somente com lesões de natureza física. A maior ou menor gravidade do ato libidinoso praticado, em decorrência a adição de lesões físicas ao transtorno psíquico que a conduta supostamente praticada enseja na vítima, constitui matéria afeta à dosimetria da pena, na hipótese de eventual procedência da ação penal.” (RHC 70.976/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 10/8/2016)
Na mesma toada, o tribunal decidiu que o contato do órgão sexual do agente com o corpo da vítima consuma o crime mesmo que não tenha havido efetiva relação sexual. No caso, um homem havia sido surpreendido enquanto passava seu órgão genital nas costas e nas nádegas de uma criança de apenas quatro anos de idade. O STJ restabeleceu a sentença condenatória de primeira instância sob o argumento de que o acórdão que provia a apelação contrariava a orientação consolidada pela Terceira Seção do tribunal sob o rito dos recursos repetitivos: para que se caracterize o crime do art. 217-A do CP, basta que o agente pratique conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com o vulnerável.
Valendo-se exatamente da mesma orientação, há alguns dias o STJ afastou a forma tentada num caso em que o padrasto da vítima havia sido acusado de beijá-la na boca, acariciá-la intimamente e abraçá-la pelas costas.
A primeira instância havia condenado o agente a quatorze anos de reclusão por crime consumado. Em apelação, o Tribunal de Justiça reformou a sentença e reconheceu a tentativa sob o argumento de que considerar perfeito o crime sem que tivesse havido efetivo contato sexual era desproporcional.
O STJ, no entanto, reiterou sua orientação diante da comprovação da ocorrência de atos que, embora não propriamente sexuais, foram praticados com a finalidade de satisfazer a libido do agente. E, enfim, alertou o ministro Jorge Mussi: “A título de ilustração, cumpre referir que o Superior Tribunal de Justiça entende que é inadmissível que o julgador, de forma manifestamente contrária à lei e utilizando-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, reconheça a forma tentada do delito, em razão da alegada menor gravidade da conduta, o que tem ocorrido corriqueiramente em processos que apuram crimes dessa natureza”.
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