A prisão domiciliar, como indica a denominação, nada mais representa do que a possibilidade de que o autor de um delito tenha sua liberdade restrita ao âmbito de sua residência. Esta espécie de privação de liberdade pode tanto ser de natureza cautelar quanto pode representar uma forma de cumprimento da pena. Vejamos, a seguir, em que se distinguem as duas medidas.
A prisão domiciliar disciplinada no art. 318 do Código de Processo Penal tem o caráter de medida provisória, de cunho processual, precário, cautelar, capaz de substituir a prisão preventiva. Para essa substituição é necessário demonstrar que a medida é adequada e suficiente para garantia da ordem pública, da ordem econômica, do regular andamento da instrução criminal e da futura aplicação da lei penal. Em outras palavras: a prisão domiciliar do art. 318 se constitui também em uma medida cautelar – tanto quanto a preventiva –, que não se justifica caso ausentes os pressupostos para aquela prisão, quando então deve o juiz conceder a liberdade provisória.
Segundo dispõe o art. 318 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva pode ser substituída pela domiciliar quando o agente for: a) maior de 80 (oitenta) anos; b) extremamente debilitado por motivo de doença grave; c) imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; d) gestante; e) mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; f) homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Note-se que nas situações em que a lei estabelece a possibilidade de prisão domiciliar com base na existência de filhos, os tribunais superiores – não obstante sejam inúmeras as concessões – têm se manifestado no sentido de que não se trata se direito subjetivo, reconhecido automaticamente. Hão de ser analisadas as circunstâncias da prisão – como a personalidade do agente, a natureza do crime cometido, etc. – para que a medida seja adequada às características do caso concreto. Cabe ao juiz, portanto, sopesar os direitos colocados em jogo (de um lado, a proteção à criança e, de outro, a defesa da coletividade), para, somente a partir dessa premissa, decidir sobre o pedido que, tornamos a ressaltar, não se satisfaz com o mero preenchimento de requisitos objetivos. A respeito, destacamos duas decisões do STJ que tratam expressamente dos requisitos subjetivos:
“A previsão insculpida na lei reformadora do art. 318 do Código de Processo Penal não é de caráter puramente objetivo e automático, cabendo ao magistrado avaliar em cada caso concreto a situação da criança e, ainda, a adequação da benesse às condições pessoais da presa” (RHC 83.488/SP, j. 23/05/2017).
“O inciso III do art. 318 do CPP, introduzido pela Lei n. 12.403⁄2011, bem como o inciso V do mesmo artigo, introduzido pela Lei n. 13.257⁄16, não trouxeram maiores detalhamentos sobre os requisitos subjetivos a serem atendidos para conversão da prisão preventiva em domiciliar. No caput do art. 318 do Código de Processo Penal encontra-se a previsão de que o Juiz poderá converter a prisão preventiva em domiciliar. Dessa forma, essa análise deve ser feita caso a caso, pois se por um lado não existe uma obrigatoriedade da conversão, por outro a recusa também deve ser devidamente motivada. O requisito objetivo está atendido, uma vez que a paciente é mãe de criança de 4 anos de idade, acometida por “atraso no desenvolvimento da marcha”, distúrbio no qual a criança apresenta quadros de crises convulsivas, sendo necessário o acompanhamento da genitora (dados comprovados por meio da certidão de nascimento e relatório médico acostados aos autos). No tocante ao preenchimento do requisito subjetivo, ainda que se trate de crime equiparado a hediondo, pesa em favor da paciente o fato de se tratar de acusada primária, com bons antecedentes e residência fixa. Assim, considerando que a presente conduta ilícita se trata de fato isolado na vida da paciente, acrescido ao fato de que até o momento da prisão era ela a responsável pela guarda, criação e orientação das menores, mostra-se adequada a conversão da custódia cautelar em prisão domiciliar” (HC 394.039/SP, j. 23/05/2017).
Já a prisão domiciliar aludida na Lei de Execução Penal tem a índole de pena, pressupondo, portanto, ao menos a possibilidade de execução provisória da reprimenda aplicada. Pode ser concedida quando se tratar de: a) condenado maior de 70 (setenta) anos; b) condenado acometido de doença grave; c) condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; d) condenada gestante.
É aplicada em favor dos condenados que cumprem pena em regime aberto, mas, como bem lembra Renato Marcão, há “algumas situações excepcionais em que se tem concedido a modalidade domiciliar mesmo quando o sentenciado não está no regime aberto e dentre elas sobressaem aquelas em que o preso se encontra em estado grave de saúde” (Curso de Execução Penal, Ed. Saraiva, p. 186). É o que tem decidido o STJ:
“O Superior Tribunal de Justiça tem decidido que é possível a concessão de prisão domiciliar ao sentenciado, em cumprimento de pena em regime fechado ou semiaberto, quando comprovada sua debilidade extrema por doença grave e a impossibilidade de recebimento do tratamento adequado no estabelecimento prisional” (HC 365.633/SP, j. 18/05/2017).
Recentemente, aliás, tivemos o caso, muito noticiado, do ex-médico Roger Abdelmassih, que, cumprindo pena em regime fechado, teve deferida a prisão domiciliar em virtude de sua debilidade física. De acordo com a decisão, o condenado será submetido a monitoramento eletrônico e, uma vez restabelecida sua saúde ou garantido o tratamento adequado pelo Estado, deverá retornar à unidade prisional.
Além disso, a prisão domiciliar da Lei de Execução Penal pode ser aplicada nas situações em que o condenado tem direito a progredir do regime fechado para o semiaberto, mas o sistema penitenciário não tem estrutura para garantir a progressão. De acordo com a orientação dos tribunais superiores, a manutenção do preso em regime mais severo do que determina a lei é uma forma de constrangimento ilegal.
Note-se, no entanto, que a prisão domiciliar não é a primeira medida a ser adotada; e nem sempre a manutenção do preso no mesmo estabelecimento é causa de constrangimento ilegal. A esse respeito, recomendamos a leitura dos nossos comentários à súmula vinculante nº 56 e ao Informativo 861 do STF.
Para se aprofundar, recomendamos:
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Curso: Intensivo para o Ministério Público e Magistratura Estaduais + Legislação Penal Especial
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos (2017)