A ampla maioria das penas é perseguida mediante ação penal pública incondicionada, que dispensa qualquer espécie de iniciativa do ofendido. Há também, em número muito menor, as ações penais públicas condicionadas a representação do ofendido ou a requisição do ministro da Justiça, assim como as ações penais privadas, de titularidade do ofendido.
A representação é disciplinada no art. 39 do Código de Processo Penal, segundo o qual trata-se de um direito que “poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial”.
Como se nota, a representação pode ser escrita ou oral, sendo mais comum, na imensa maioria dos casos, que se adote esta última prática. Formulada oralmente perante a autoridade policial (o que é corriqueiro na prática), ou ao juiz ou ao órgão do Ministério Púbico, essa representação será reduzida a termo, ou seja, o que dito oralmente será “colocado no papel”, em uma expressão mais coloquial.
Há quem sustente que a representação, por ser o instrumento por meio do qual se cumpre a condição de procedibilidade, deve ter caráter formal, assim como a peça acusatória – embora, é claro, em menor grau. Isso quer dizer que a representação deve ser subscrita por advogado e deve seguir os rigores técnicos exigidos de uma peça que veicula a notícia de um crime, inclusive com detalhes como a tipificação penal.
Essa orientação, todavia, é minoritária, pois a ampla maioria da doutrina considera dispensável qualquer rigor formal. Significa dizer, por exemplo, que a representação não precisa ser exercida por escrito e, muito menos, subscrita por advogado. Nem é necessário que o ofendido, porque leigo na maioria das vezes, aponte o artigo de lei em que incurso seu agressor. Basta, assim, a prática, pelo ofendido ou demais legitimados, de qualquer ato que, de alguma forma, demonstre a intenção de que o autor do delito seja processado.
Ora, o fato de a vítima dirigir-se à delegacia de polícia e solicitar a elaboração de um boletim de ocorrência já denota, inequivocamente, seu desejo de que seja deflagrada, mais adiante, a ação penal contra seu ofensor. Do contrário, qual seria a razão para se dirigir à autoridade policial? E, se em uma colisão de veículos, na qual resultam lesões corporais de natureza culposa, a vítima deixa de noticiar o fato à polícia, é porque, de alguma forma, se ajustou com o outro motorista, concluindo-se, então, que não quer vê-lo processado. Ou seja: a própria iniciativa de procurar a autoridade policial e noticiar o fato deve ser encarada como intenção de que o agente seja processado.
O § 2º do art. 39 dispõe que a “representação conterá todas as informações que possam servir à apuração do fato e da autoria”, mas isso não quer dizer que o ofendido seja obrigado a relatar detalhadamente todas as circunstâncias do fato e quem foi seu autor. Se o fizer, ótimo, pois isso pode possibilitar o imediato oferecimento da denúncia pelo Ministério Público; mas a representação pode se sustentar em elementos mínimos, que serão o fundamento para que seja deflagrada a investigação.
A dispensa de formalidades para o exercício do direito de representação é, ademais, orientação pacífica do STJ:
“1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a representação nos crimes de ação penal pública condicionada à representação não exige maiores formalidades, bastando que haja a manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal, demonstrando a intenção de ver o autor do fato delituoso processado criminalmente. Precedentes. 2. Na espécie, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ressaltou que, na primeira oportunidade em que foi ouvida, a genitora da menor deixou expressamente consignado o desejo de representar contra o autor do fato criminoso. Além disso, ponderou que a lavratura do Boletim de Ocorrência e o atendimento médico prestado à vítima deveriam ser considerados com verdadeira representação, pois contêm todas as informações necessárias para que se procedesse à apuração da conduta supostamente delituosa. Diante disso, concluiu estar demonstrado o desejo de submeter o acusado à jurisdição criminal, em harmonia com a orientação desta Casa” (AgRg no HC 233.479/MG, DJe 02/02/2017).
O tribunal, aliás, já considerou, em um caso cuja vítima era menor de idade, que o fato de a representação ter sido exercida pela avó, e não pelos representantes legais, não poderia obstar a ação penal, justamente porque se dispensam rigores formais:
“1. A controvérsia disposta nos autos versa acerca da possibilidade de terceiro (avó, no caso), que não seja representante legal, possa representar – no interesse da vítima – na ação penal pública condicionada, em razão da prescindibilidade de rigores formais para o ato, no caso de crime sexual contra menor de idade praticado antes da vigência da Lei n. 12.015/2009 – arts. 214 c/c o 224, a, e 226, II, do Código Penal. 2. Doutrina e jurisprudência são uniformes no sentido de que a representação prescinde de qualquer formalidade, sendo suficiente a demonstração do interesse da vítima ou seu representante em autorizar a persecução criminal. 3. A representação tem mais caráter material do que formal, admitindo-se a iniciativa de outras pessoas ligadas à vítima: avós, tios, irmãos, pais de criação, pessoas encarregadas da guarda, entre outras” (AgRg no REsp 1.618.438/MG, DJe 11/05/2017).
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