Segundo o art. 334, caput, do Código Penal, caracteriza-se o crime de descaminho pela conduta de iludir, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, o pagamento de direito ou imposto devido em face da entrada ou saída da mercadoria não proibida.
O dispositivo legal tipifica ainda, no § 1º, condutas equiparadas ao descaminho em quatro incisos. O inciso IV faz incorrer nas mesmas penas do caput quem adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.
Essa conduta é uma modalidade especial de receptação que se dá no exercício da atividade comercial ou industrial e envolve mercadorias importadas clandestinamente por terceiro.
O descaminho em sua modalidade básica, que se dá no momento da importação da mercadoria, é sem dúvida de competência da Justiça Federal, como sabemos. Mas e as modalidades equiparadas, especificamente a do inciso IV?
Segundo o STJ, o julgamento compete também à Justiça Federal, exatamente em virtude da equiparação ao descaminho.
No caso julgado, o agente havia sido surpreendido vendendo cigarros de importação permitida pela ANVISA, mas sem a documentação relativa ao desembaraço aduaneiro. O juízo estadual declinou de sua competência sob o fundamento de que, tratando-se do crime de descaminho, cabe à Justiça Federal analisar a ação penal. O juízo federal, por outro lado, suscitou o conflito de competência argumentando que o simples fato de as mercadorias terem origem estrangeira não atrai a competência federal, presente apenas quando demonstrada a transnacionalidade da conduta submetida a julgamento.
O STJ, contudo, estabeleceu a competência na Justiça Federal em virtude da expressa equiparação legal da conduta cometida ao descaminho:
“4. Para que se configure a modalidade de descaminho descrita no caput do art. 334 do Código Penal (iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria) é necessário identificar indícios de que o agente de alguma forma, dolosamente, aderiu e/ou participou do processo de introdução do bem no país sem o recolhimento dos tributos devidos.
5. Entretanto, a lei também equipara ao descaminho a conduta descrita no § 1º, IV, do Código Penal, que atribui a mesma pena a quem “adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos” (Incluído pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965). De se ressaltar que a mesma figura foi mantida nos mesmos termos após a alteração trazida pela Lei 13.008/2014. No caso concreto, a despeito de não haver, nos autos, indícios de que o investigado tenha participado da importação da mercadoria e do não recolhimento deliberado dos tributos de importação, o fato de ter sido flagrado, em seu estabelecimento comercial (ainda que informal), vendendo cigarros de origem estrangeira sem nota fiscal pode, em tese, ser equiparado pela lei ao descaminho.
6. Como o descaminho tutela prioritariamente interesses da União, é de se reconhecer a competência da Justiça Federal para conduzir o inquérito policial e, eventualmente, caso seja oferecida denúncia, julgar a ação penal, aplicando-se à hipótese dos autos o disposto no enunciado n. 151 da Súmula desta Corte.” (CC 159.680/MG, j. 08/08/2018)
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