Informativo: 647 do STJ – Processo Penal
Resumo: É possível a concessão de prisão domiciliar, ainda que se trate de execução provisória da pena, para condenada com filho menor de 12 anos ou responsável por pessoa com deficiência.
Comentários:
Em fevereiro de 2018, a 2ª Turma do STF concedeu habeas corpus coletivo (HC 143.641/SP, j. 20/02/2018) no qual figuravam como pacientes “todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional” que ostentassem “a condição de gestantes, de puérperas ou de mães com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade”, além das próprias crianças que porventura estivessem na companhia de suas mães.
O suporte fático para a concessão da ordem consistiu na comprovação de que mulheres grávidas e mães de crianças (compreendidas no sentido legal conferido pelo art. 2º do ECA: até doze anos incompletos) estavam sendo submetidas a prisões preventivas em situação degradante, não dispunham de cuidados médicos pré-natais e pós-parto e não contavam com berçários e creches para seus filhos. Em razão disso, determinou-se “a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o benefício”. E estendeu-se a ordem de ofício a todas as demais presas gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, assim como às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas que estivessem na mesma situação daquelas beneficiadas diretamente pela impetração.
No final do ano passado, a Lei 13.769/18 alterou a legislação processual penal para disciplinar a matéria de forma expressa. Para tanto, inseriram-se no Código de Processo Penal os artigos 318-A e 318-B.
O art. 318-A estabelece que a prisão preventiva decretada sobre a “mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar”, desde que a presa: I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. Já o art. 318-B dispõe que a substituição da prisão preventiva pela domiciliar pode ser efetuada com aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319.
Em decisão proferida no habeas corpus 487.463/SP (j. 02/04/2019), o STJ estendeu a possibilidade de substituição para presas que já estejam submetidas à execução da pena. Segundo a decisão, há precedentes do tribunal em que se admitiu a prisão domiciliar para presas em execução provisória da pena. E, além disso, a prisão domiciliar é admitida também na Lei de Execução Penal, neste caso para condenadas com filho menor ou deficiente físico ou mental.
No caso julgado pelo STJ, a acusada estava em prisão domiciliar e, advinda a condenação e a respectiva confirmação em segunda instância, iniciou o cumprimento da pena de cinco anos de reclusão em regime inicial fechado pela prática do crime de tráfico de drogas.
De acordo com o tribunal, razões humanitárias justificam o abrandamento do tratamento penal inclusive na execução da pena:
“No caso, a ré havia sido beneficiada com a conversão da prisão preventiva em domiciliar, mas, diante da confirmação da condenação, foi determinada a expedição do mandado de prisão, para se dar início à execução provisória da pena.
Contudo, há precedentes desta Corte autorizando a concessão de prisão domiciliar mesmo em execução provisória da pena, não se podendo descurar, ademais, que a prisão domiciliar é instituto previsto tanto no art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, para substituir a prisão preventiva de mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos, quanto no art. 117, inciso III, da Lei de Execuções Penais, que se refere à execução provisória ou definitiva da pena, para condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental.
Nesse encadeamento de ideias, uma interpretação teleológica da Lei n. 13.257/2016, em conjunto com as disposições da Lei de Execução Penal, e à luz do constitucionalismo fraterno, previsto no art. 3º, bem como no preâmbulo, da Constituição Federal, revela ser possível se inferir que as inovações trazidas pelo novo regramento podem ser aplicadas também à fase de execução da pena, conforme já afirmado pela Quinta Turma.
(…)
Portanto, considero legítima a substituição da prisão preventiva por domiciliar, por se tratar de mãe de criança de 3 anos, que não praticou crime com violência ou grave ameaça, nem contra sua descendentes, sendo, ademais primária.
Prevalecem, pois, neste momento, as razões humanitárias.
Oportuno destacar que “essa particular forma de parametrar a interpretação da lei (…) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). Mais: Constituição que tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo de nossa Constituição caracteriza como ‘fraterna'”. (HC n. 94163, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 2/12/2008, DJe-200 DIVULG 22-10-2009 PUBLIC 23/10/2009 EMENT VOL-02379-04 PP-00851)”
O tema é sem dúvida sensível, mas não podemos deixar de apontar a existência de relevantes diferenças entre a prisão preventiva e a prisão decorrente de condenação e suas respectivas substituições por prisão domiciliar.
O art. 318-A do CPP trata da substituição da prisão preventiva, que, executada em estabelecimento prisional, é decretada a título cautelar e precário, ao passo que o art. 117 da LEP trata do recolhimento em residência particular quando o condenado já está cumprindo pena, e em regime aberto, cujas condições em nada assemelham à prisão preventiva, evidentemente. A substituição do art. 318-A, por criticável que seja (como apontamos em artigo anterior), tem em consideração a natureza precária da prisão, precariedade esta que não se identifica na prisão decorrente de condenação, ainda que a execução da pena seja determinada com fundamento nas recentes decisões judiciais que admitiram o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado.
A prisão preventiva é determinada porque, não obstante o fato ainda esteja sob julgamento, há elementos indicativos de que o recolhimento cautelar é imprescindível para a manutenção da ordem pública, de ordem econômica ou para garantir o regular andamento do processo ou a futura execução penal. Neste caso, o legislador houve por bem inserir novos elementos que, cotejados com os demais, podem provocar o abrandamento da restrição cautelar de liberdade. A execução da pena, por outro lado, não é baseada nos mesmos critérios, mas sim na adequação e na suficiência diante da gravidade do fato cometido e de características pessoais como a personalidade e os antecedentes do condenado. O regime de cumprimento, portanto, deve ser determinado de acordo com tais circunstâncias, pois, do contrário, não se cumprem minimamente as finalidades da pena.
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O mesmo Informativo 647 traz decisão em que a Terceira Seção do STJ estabeleceu a impossibilidade de exasperar a pena valorando negativamente a personalidade e a conduta social do agente em razão de condenações anteriores:
“Cinge-se a discussão a definir sobre a possibilidade da utilização de múltiplas condenações transitadas em julgado não consideradas para efeito de caracterização da agravante de reincidência (art. 61, I, CP) como fundamento, também, para a exasperação da pena-base, na primeira fase da dosimetria (art. 59, CP), tanto na circunstância judicial “maus antecedentes” quanto na que perquire sua “personalidade”. Com efeito, a doutrina, ao esmiuçar os elementos constituintes das circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal, enfatiza que a conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios – referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito –, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social). Nesse sentido, é possível concluir que constitui uma atecnia entender que condenações transitadas em julgado refletem negativamente na personalidade ou na conduta social do agente. Isso sem contar que é dado ao julgador atribuir o peso que achar mais conveniente e justo a cada uma das circunstâncias judiciais, o que lhe permite valorar de forma mais enfática os antecedentes criminais do réu com histórico de múltiplas condenações definitivas. Observe-se, por fim, que essa novel orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça se alinha também à orientação seguida pela Segunda Turma do Pretório Excelso”.
Os fundamentos são os mesmos de decisão anterior, proferida pela Sexta Turma e publicada no Informativo 643, que comentamos aqui.
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos