O art. 302 do Código de Trânsito comina ao autor de homicídio culposo na direção de veículo automotor as penas de detenção (ou reclusão, na forma qualificada do § 3º) e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Há quem argumente que a imposição de limitação ao direito de dirigir não pode atingir o motorista profissional que, por imprudência, negligência ou imperícia, tenha matado alguém na direção de seu veículo. Isto porque, tratando-se do meio pelo qual este indivíduo exerce sua profissão e sustenta a si e à sua família, impedi-lo de dirigir equivale a provocar privações que exorbitam a finalidade da pena.
Mas a orientação majoritária se firmou no sentido de que a limitação não só é possível como é crucial para retirar de circulação motoristas que, exatamente pela profissão, deveriam adotar condutas com nível de prudência mais elevado do que a média. É o que há muito decide o STJ:
“2. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, a imposição da pena de suspensão do direito de dirigir é exigência legal, conforme previsto no art. 302 da Lei 9.503⁄97. O fato de o paciente ser motorista profissional de caminhão não conduz à substituição dessa pena restritiva de direito por outra que lhe seja preferível. (HC 66.559⁄SP, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves. DJU de 07⁄05⁄2007)” (AgRg no AREsp 1.044.553/MS, Quinta Turma, j. 23/05/2017).
“De acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, os motoristas profissionais – mais do que qualquer outra categoria de pessoas – revelam maior reprovabilidade ao praticarem delito de trânsito, merecendo, pois, a reprimenda de suspensão do direito de dirigir, expressamente prevista no art. 302 do CTB, de aplicação cumulativa com a pena privativa de liberdade. Dada a especialização, deles é de se esperar maior acuidade no trânsito” (AgRg no REsp 1.771.437/CE, Sexta Turma, j. 11/06/2019).
Em julgamentoRE 607.107/MG realizado ontem (12/02/2020) em sede de repercussão geral, o plenário do Supremo Tribunal Federal chegou à mesma conclusão, por unanimidade.
Um motorista de ônibus havia sido condenado porque, ao abalroar uma motocicleta, provocou a morte do condutor. No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais afastou a suspensão da habilitação sob o fundamento de que a penalidade inviabilizava o direito ao trabalho. O Ministério Público recorreu então ao STF sustentando que se a Constituição Federal admite a privação da liberdade, que necessariamente impede o condenado de exercer sua profissão, não há razão plausível para julgar inconstitucional a suspensão da habilitação imposta em conjunto com a privação da liberdade ou com a restrição de direitos que a substitua.
O relator do recurso extraordinário, min. Roberto Barroso, afirmou que o exercício da profissão não é um direito absoluto, e a Constituição Federal admite restrições, desde que concretamente razoáveis e adequadas. Para o ministro – seguido pelos demais – a suspensão da habilitação do condenado por conduta imprudente no trânsito nada mais é do que um elemento de individualização da pena, adequado à necessidade de punições severas diante do número alarmante de vítimas de crimes dessa natureza.
Em razão de ter sido reconhecida a repercussão geral, firmou-se a seguinte tese, que será aplicada a outros setenta e cinco processos sobrestados em instâncias inferiores:
“É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional condenado por homicídio culposo no trânsito” (Tema 486).
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