1) A decisão proferida pela autoridade administrativa prisional em processo administrativo disciplinar – PAD que apura o cometimento de falta grave disciplinar no âmbito da execução penal é ato administrativo, portanto, passível de controle de legalidade pelo Poder Judiciário.
Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar na execução penal é imprescindível a instauração de processo administrativo (PAD) pelo diretor do presídio, assegurado, inclusive, o direito de defesa, a ser exercido por advogado constituído ou defensor público. O tema já foi motivo de controvérsia no STJ, que editou a súmula 533, na qual conclui que o procedimento é obrigatório.
A decisão proferida no procedimento tem natureza de ato administrativo, que, portanto, pode sofrer controle de legalidade pelo Poder Judiciário. Há precedentes desta tese nos quais condenados questionavam atos judiciais que haviam modificado a conclusão do PAD para tornar mais severa a punição. Segundo o STJ, considerando que o condenado deve se defender dos fatos, e não da natureza legal da falta cometida, é possível que o juiz da execução, zelando pela correta aplicação da lei, faça o controle da decisão administrativa e imponha sanção mais severa:
“1. É possível o controle judicial sobre decisão administrativa do diretor do presídio que, no uso de suas atribuições, considerou a falta disciplinar cometida pelo sentenciado como de natureza média. 2. Inafastável, pois, a possibilidade de o Magistrado da execução, após requerimento do órgão ministerial, “zelar pelo correto cumprimento da pena” (art. 66, VI, da LEP), o que inclui a apreciação das penalidades administrativas aplicadas pelo diretor do presídio, no âmbito do controle de legalidade da referida decisão administrativa. 3. In casu, o agravante exerceu trabalho externo na Defensoria Pública da União até seu afastamento em razão de ter sido detectado que o registro de seu ponto de saída teria sido registrado por outro reeducando nos dias 3 e 13 de maio de 2016. Instaurado incidente de regressão de regime, a autoridade administrativa considerou que a conduta praticada consistiu em falta de natureza média. O Tribunal de origem, todavia, reconheceu que a falta cometida além de configurar ilícito penal (art. 299 do CP), também seria de natureza grave, consoante o disposto no art. 50, VI, c. c. art. 39, V, da Lei de Execução Penal. 4. “Assim, ainda que se reconheça certa discricionariedade da autoridade administrativa prisional no exercício de dosimetria da penalidade administrativa – conforme previsto no art. 59 da LEP -, não se pode admitir a convolação dessa atividade em arbitrariedade e, ainda, retirar do Poder Judiciário a devida intervenção” (HC 365.431/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 8/11/2016)” (AgRg no AREsp 1.439.580/SP, j. 15/10/2019).
2) A decisão que reconhece a prática de falta grave disciplinar deverá ser desconstituída diante das hipóteses de arquivamento de inquérito policial ou de posterior absolvição na esfera penal, por inexistência do fato ou negativa de autoria, tendo em vista a atipicidade da conduta.
Em regra, as apurações que tramitam nas esferas penal e administrativa são independentes, pois têm naturezas diversas. Há, no entanto, algumas situações em que a decisão proferida no procedimento administrativo é afetada pela conclusão do inquérito policial ou pela sentença na ação penal. Isso ocorre quando, reconhecida a falta grave no PAD, o procedimento criminal conclui que o fato não existiu ou que o condenado não foi seu autor. Nesses casos, não há possibilidade de subsistir a punição disciplinar:
“II – Em consulta ao processo instaurado para apuração do crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, que supedaneou o reconhecimento da falta grave, verifica-se que o d. Juízo acolheu a promoção do Ministério Público estadual e determinou o arquivamento do inquérito policial, ao reconhecer a atipicidade da conduta. III – A falta grave suscitada nos autos teria ocorrido unicamente pela prática de fato previsto como crime doloso no curso da execução penal, nos termos do art. 52 da Lei de Execuções Penais. Logo, determinado o arquivamento do inquérito policial com fundamento na atipicidade, ou seja, na inexistência de crime, deve ser afastada a caracterização de falta grave. Precedentes” (HC 462.463/RS. j. 13/12/2018).
3) No processo administrativo disciplinar que apura a prática de falta grave, não há obrigatoriedade de que o interrogatório do sentenciado seja o último ato da instrução, bastando que sejam respeitados o contraditório e a ampla defesa, e que um defensor esteja presente.
Pode-se definir o interrogatório como sendo a resposta dada pelo acusado às perguntas que lhe são formuladas para esclarecimento do fato delituoso e suas circunstâncias. Seguindo moderna tendência, o interrogatório é o último ato da instrução processual penal, o que realça seu caráter de meio de defesa. Não obstante essa característica de meio de defesa, o STJ tem decidido que, no PAD, não é obrigatório que o interrogatório seja o último ato da instrução:
“2. No procedimento administrativo disciplinar que apura a prática de falta grave, não há obrigatoriedade de que o interrogatório do sentenciado ocorra no último ato da instrução, bastando que seja sempre respeitado o contraditório e a ampla defesa, além da presença de um defensor. (AgRg no HC 369.712/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 17/5/2018, DJe 1º/6/2018) 3. Ademais, admitir a nulidade sem nenhum critério de avaliação, mas apenas por simples presunção de ofensa aos princípios constitucionais, é permitir o uso do devido processo legal como mero artifício ou manobra de defesa e não como aplicação do justo a cada caso, distanciando-se o direito do seu ideal, qual seja, a aplicação da justiça (HC 117.952/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Quinta Turma, julgado em 27/5/2010, DJe 28/6/2010)” (HC 483.451/SP, j. 26/02/2019)
4) A palavra dos agentes penitenciários na apuração de falta grave é prova idônea para o convencimento do magistrado, haja vista tratar-se de agentes públicos, cujos atos e declarações gozam de presunção de legitimidade e de veracidade.
É um tanto controverso, no processo penal, o valor probatório a ser conferido ao depoimento de policiais. Parte da jurisprudência vê com enormes reservas essa espécie de depoimento. Afinal – argumentam – se o policial foi o responsável pela prisão do réu, buscará, sempre, conferir ares de legalidade ao seu ato. Não faria sentido, que, por exemplo, tendo prendido o acusado por tráfico de entorpecente, afirmasse que a droga não se encontrava em poder daquele primeiro. Há, de outra parte, posicionamento francamente favorável ao depoimento de policiais. É que, tendo participado diretamente da diligência que culminou na deflagração de processo contra o réu, mais do que ninguém se encontra preparado para depor sobre os fatos. Demais disso, importaria em verdadeiro contrassenso que o Estado, de um lado, habilitasse o agente a prestar-lhe serviços, mediante, inclusive, ingresso na carreira por um concurso público para, de outro, negar credibilidade a seu depoimento.
Debate semelhante existe sobre a possibilidade de admitir o depoimento de agentes penitenciários no procedimento que apura a prática de falta grave. O STJ admite o depoimento como prova idônea:
“Registre-se entendimento deste Tribunal no sentido de que a prova oral produzida, consistente em declarações coesas dos agentes de segurança penitenciária se mostraram suficientes para a caracterização da falta como grave […]. A Jurisprudência é pacífica no sentido de inexistir fundamento o questionamento, a priori, das declarações de servidores públicos, uma vez que suas palavras se revestem, até prova em contrário, de presunção de veracidade e de legitimidade, que é inerente aos atos administrativos em geral. (HC n. 391.170, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, julgado em 1º/8/2017, publicado em 7/8/2017). Na mesma linha de entendimento: HCn. 334.732, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 17/12/2015, publicado em 1º/2/2016” (AgRg no HC 562.216/SP, j. 26/05/2020).
5) No processo administrativo disciplinar instaurado para apuração de falta grave supostamente praticada no curso da execução penal, a inexistência de defesa técnica por advogado na oitiva de testemunhas viola os princípios do contraditório e da ampla defesa e configura causa de nulidade do PAD.
6) A ausência de defesa técnica em procedimento administrativo disciplinar instaurado para apuração de falta grave em execução penal viola os princípios do contraditório e da ampla defesa e enseja nulidade absoluta do PAD.
A súmula 533 do STJ, que exige a instauração de procedimento administrativo para a imposição de sanção por falta disciplinar, é clara ao dispor também que deve ser assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado. Todos os atos que, por sua natureza, admitem o contraditório e a ampla defesa devem ser praticados na presença do advogado do condenado. A falta de defesa acarreta a nulidade do procedimento:
“II – “Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar, no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado” (REsp n. 1.378.557/RS, Terceira Seção, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 21/3/2014, grifei). III – O Plenário do col. Pretório Excelso, em julgamento do RE n. 398.269/RS, Rel. Exmo. Min. Gilmar Mendes, DJe 26/2/2010, concluiu pela inaplicabilidade da Súmula Vinculante n. 5 aos procedimentos administrativos disciplinares realizados em sede de execução penal, ressaltando a imprescindibilidade da defesa técnica nesses procedimentos, sob pena de afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, aos ditames da LEP e à legislação processual penal. IV – A apuração e aplicação de sanção disciplinar em procedimento administrativo disciplinar instaurado para apuração de falta grave supostamente praticada no curso da execução penal sem a presença de defesa técnica, viola os princípios do contraditório e da ampla defesa e configura causa de nulidade absoluta do PAD” (HC 517.663/MG, j. 01/10/2019).
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