Informativo: 995 do STF – Direito Processual Penal
Resumo: A inobservância do prazo nonagesimal do art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal não acarreta a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade dos fundamentos.
Comentários:
A prisão preventiva tem caráter essencialmente transitório, pois se satisfaz com meros indícios suficientes de autoria, na dicção do art. 312 do CPP. Daí seu caráter de exceção, que a faz cabível apenas nas situações taxativamente elencadas na lei e impõe, ademais, a revisão a todo o tempo, seja para revogação, quando já decretada, seja para decretá-la novamente.
Considerando “a preocupação da magistratura com as situações de prisão provisória com excesso de prazo ou a manutenção da privação da liberdade após o cumprimento da sua finalidade”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou em 2009 a Resolução nº 66, na qual determina que, estando o réu preso provisoriamente há mais de três meses, com o processo ou inquérito parado, cumpre ao juiz (ou ao relator, tratando-se de recurso), investigar as razões da demora, indicando, ainda, as providências adotadas, a serem posteriormente comunicadas à Corregedoria Geral de Justiça ou à Presidência do Tribunal (no caso do relator). A propósito, como observam Alberto Silva Franco e Maurício Zanoide, sendo o juiz “obrigado a declinar os motivos da demora sempre que concluir a instrução fora do prazo, com maior razão deverá fundamentar a necessidade da prisão cautelar, se o arco de tempo processual, a que alude Chiavario, previsto para um determinado procedimento, estiver consumido” (Código de Processo Penal e sua Interpretação Judicial, 2ª ed., vol. 1, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 279) (grifo original).
Para reforçar o caráter transitório da prisão cautelar e garantir que os fatos utilizados para justificar a prisão lhe sejam contemporâneos, a Lei 13.964/19 acrescentou ao art. 316 do CPP um parágrafo que, seguindo o espírito da resolução do CNJ, obriga que o órgão emissor da decisão revise a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, sob pena de se caracterizar o constrangimento ilegal que pode resultar na concessão de habeas corpus.
Segundo decidiu o plenário do Supremo Tribunal Federal, o escoamento do prazo sem que o juiz se manifeste não acarreta a automática revogação da prisão. É necessário, de qualquer forma, que o juiz seja provocado a revisar a necessidade de manter a prisão:
“A inobservância do prazo nonagesimal do art. 316 do Código de Processo Penal (CPP) (1) não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.
O disposto no art. 316, parágrafo único, do CPP insere-se em um sistema a ser interpretado harmonicamente, sob pena de se produzirem incongruências deletérias à processualística e à efetividade da ordem penal. A exegese que se impõe é a que, à luz do caput do artigo, extrai-se a regra de que, para a revogação da prisão preventiva, o juiz deve fundamentar a decisão na insubsistência dos motivos que determinaram sua decretação, e não no mero decurso de prazos processuais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) rechaça interpretações que associam, automaticamente, o excesso de prazo ao constrangimento ilegal da liberdade, tendo em vista: a) o critério de razoabilidade concreta da duração do processo, aferido à luz da complexidade de cada caso, considerados os recursos interpostos, a pluralidade de réus, crimes, testemunhas a serem ouvidas, provas periciais a serem produzidas, etc.; e b) o dever de motivação das decisões judiciais [Constituição Federal (CF), art. 93, IX] (2), que devem sempre se reportar às circunstâncias específicas dos casos concretos submetidos a julgamento, e não apenas aos textos abstratos das leis.
À luz desta compreensão jurisprudencial, o disposto no art. 316, parágrafo único, do CPP não conduz à revogação automática da prisão preventiva. Ao estabelecer que “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”, o dispositivo não determina a revogação da prisão preventiva, mas a necessidade de fundamentá-la periodicamente.
Mais ainda: o parágrafo único do art. 316 não fala em prorrogação da prisão preventiva, não determina a renovação do título cautelar. Apenas dispõe sobre a necessidade de revisão dos fundamentos da sua manutenção. Logo, não se cuida de prazo prisional, mas prazo fixado para a prolação de decisão judicial.
Portanto, a ilegalidade decorrente da falta de revisão a cada 90 dias não produz o efeito automático da soltura, porquanto esta, à luz do caput do dispositivo, somente é possível mediante decisão fundamentada do órgão julgador, no sentido da ausência dos motivos autorizadores da cautela, e não do mero transcorrer do tempo.
No caso, trata-se de referendo de decisão do presidente do STF que, em sede de plantão judiciário, após reconhecer a existência de risco de grave lesão à ordem e à segurança pública, concedeu a suspensão de medida liminar proferida nos autos do HC 191.836/SP e determinou a imediata prisão do paciente. A periculosidade do agente do writ em foco para a segurança pública resta evidente, ante a gravidade concreta do crime (tráfico transnacional de mais de 4 toneladas de cocaína, mediante organização criminosa violenta e que ultrapassa as fronteiras nacionais) e a própria condição de liderança de organização criminosa de tráfico de drogas atribuída ao paciente, reconhecida nas condenações antecedentes que somam 25 anos.
Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, referendou a decisão em suspensão de liminar, com a consequente confirmação da suspensão da decisão proferida nos autos do HC 191.836/SP até o julgamento do writ pelo órgão colegiado competente, determinando-se a imediata prisão do paciente, nos termos do voto do ministro Luiz Fux (presidente e relator), vencido o ministro Marco Aurélio, que inadmitia a possibilidade de presidente cassar individualmente decisão de um integrante do STF. O ministro Ricardo Lewandowski, preliminarmente, não conhecia da suspensão e, vencido, ratificou a liminar” (SL 1395 MC Ref/SP, j. 15/10/2020).
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