Informativo: 868 do STF – Processo Penal
Resumo: O juízo federal no qual se iniciaram as investigações é prevento para julgar crimes envolvendo pornografia infantil ocorridos também sob a jurisdição de outra seção judiciária, especialmente quando há conexão entre os delitos.
Comentários:
Dá-se a competência por prevenção, nos termos do artigo 83 do CPP, sempre “que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa”. Como destaca Espínola FilhoCurso de processo criminal, 2ª. Ed., 1930, vol. II, p. 210, “a realização de qualquer ato processual, a determinação de qualquer medida relativa ao processo, que os juízes da mesma jurisdição, com igual competência, praticarão naturalmente precedendo a distribuição, veda a posterior distribuição da ação penal, porque já se firmou, previamente, a competência do juízo”. É dizer: detectando-se uma jurisdição cumulativa entre dois ou mais juízes, aquele que primeiro praticou um ato no processo torna-se prevento para conhecer do feito. Daí já se ter afirmado que a prevenção serve como verdadeiro critério de desempate entre juízes de mesma competência.
Julgando um caso no qual o impetrante de habeas corpus havia sido condenado pelo cometimento dos crimes tipificados nos arts. 217-A do CP e 240, 241-A e 241-B do ECA, o STF estabeleceu a prevenção da Justiça Federal de Curitiba em detrimento da Justiça Federal de São Paulo, local onde residia o agente e no qual, consequentemente, ocorreram os crimes de estupro e de produção, armazenamento e distribuição de material pornográfico envolvendo menores.
Em regra, não há, em torno da investigação do crime de estupro, maiores problemas para se estabelecer a competência de julgamento pela regra do art. 70 do CPP: “ A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. Isto ocorre porque os atos de estupro se desenvolvem em lugar determinado, prontamente identificável.
O mesmo não pode ser dito, no entanto, a respeito dos delitos relativos à produção, ao armazenamento e à distribuição de material pornográfico com menores de idade, pois tais delitos são comumente cometidos por meio da rede mundial de computadores, que traz como características a extrema difusão e a facilidade de envio, recebimento e guarda do material produzido. Mesmo a produção de imagens ou vídeos dispensa o contato pessoal entre o autor e a vítima. Afinal, nada impede que, por meio de uma câmera ligada à internet, o agente dirija e registre o menor em cenas de autocontemplação ou de interação com outra pessoa.
Essas características provocam intenso debate judicial a respeito da competência para julgamento, seja quanto ao lugar da infração, seja quanto ao órgão incumbido de julgar (Justiça Estadual ou Justiça Federal).
No caso julgado pelo STF, a Defensoria Pública da União pretendia a anulação do feito em virtude da incompetência da Justiça Federal de Curitiba porque, embora a investigação houvesse se iniciado naquele local, as condutas se deram em São Paulo, onde se consumaram os crimes.
O STF, no entanto, afastou a nulidade argumentando que a Justiça Federal de Curitiba era preventa para o julgamento dos crimes ocorridos em São Paulo porque a constatação desses crimes só foi possível após a prisão de pedófilos no Paraná. A investigação então iniciada possibilitou a identificação dos delitos ocorridos em São Paulo, tornando o outro juízo encarregado de julgar toda a cadeia criminosa.
O tribunal também se alicerçou na conexão considerando tanto o fato de que vários agentes compartilhavam pornografia e trocavam informações entre Curitiba e São Paulo quanto o de que a identificação do impetrante só foi possível graças à prova obtida na investigação em Curitiba. Parece-nos que neste caso a conexão pode ser fundamentada na intersubjetividade por concurso (duas ou mais infrações penais praticadas por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar) como também na instrumentalidade (a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influi na prova de outra infração).
Lembramos, em tempo, que a orientação dos tribunais superiores a respeito da competência das Justiças Estadual e Federal nos crimes relativos à pornografia infantil e cometidos via internet se firmou no sentido de que a Justiça Federal é competente quando se verificar a internacionalidade do delito, assim entendida a simples possibilidade de que o material seja visualizado desde o exterior, ainda que armazenado em servidor brasileiro. Cabe à Justiça Estadual julgar os casos em que a transmissão e o armazenamento do material são feitos dentro do Brasil, sem possibilidade de que se dissipem na rede (como por e-mail ou Whatsapp entre pessoas específicas, como decidiu o STJ no CC 150.564/MG, julgado em 02/05/2017). Recomendamos, a esse respeito, a leitura do acórdão do RE 628.624/MG, julgado pelo STF em 29/10/2015.
HC 135.883/PR
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