Cometido um crime de menor potencial ofensivo, isto é, cuja pena máxima não seja superior a dois anos, o art. 76 da Lei 9.099/95 permite ao Ministério Público a proposição de transação penal, desde que: a) o agente não tenha sido definitivamente condenado, pela prática de crime, a pena privativa de liberdade; b) nem tenha sido beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela transação penal; c) indiquem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
A transação penal é medida despenalizadora que evita a deflagração da ação penal por meio do cumprimento de obrigações normalmente correspondentes a penas restritivas de direitos ou multa. Uma vez oferecida a proposta – o que normalmente acontece antes da elaboração da denúncia, mas, na prática, acaba também ocorrendo na própria cota de oferecimento da inicial ou mesmo em momento posterior –, designa-se audiência para que o agente tome ciência de seu conteúdo e se manifeste sobre se concorda em se submeter à medida indicada. Caso concorde, aguarda-se o tempo necessário para o cumprimento da medida, que, a depender do caso, pode ser executada ao longo de meses.
Mas, ao contrário do que faz na suspensão condicional do processo (art. 89, § 6º), a Lei 9.099/95 não dispõe sobre a suspensão do prazo prescricional enquanto o agente cumpre a medida alternativa a que se obrigou na transação. Em razão da falta de previsão legal, e por se tratar de medida que prejudica o autor do crime, o STJ deu provimento a recurso em habeas corpus para afastar a possibilidade de suspensão do prazo e reconhecer a extinção da punibilidade.
No caso julgado, o agente havia provocado culposamente um acidente de trânsito do qual decorreram lesões corporais graves em uma pessoa. A transação penal consistiu no pagamento de R$ 150.000,00 em sessenta prestações mensais, que não foram integralmente pagas, o que levou o Ministério Público a oferecer denúncia.
A defesa alegou que o prazo prescricional havia transcorrido integralmente, mas o Tribunal de Justiça local decidiu que não se poderia cogitar a prescrição durante o período em que o agente deveria cumprir a transação penal. Manteve, assim, a decisão de primeira instância:
“Em que pese o requerimento ministerial no sentido de que seja reconhecida a prescrição da pretensão punitiva após o decurso de oito anos contados da data do fato, cumpre reconhecer que indiciado se encontra em período de prova, e, portanto, em fase de cumprimento da pena alternativa imposta, cujo cumprimento efetivo e integral se constitui como causa extintiva da punibilidade do autor.
(…)
Proposta a transação penal pelo titular da ação penal, não há que se falar em inércia, mas na adoção de providência prevista em lei e cuja propositura se atribui de modo exclusivo ao Ministério Público, que, observados os requisitos autorizadores, poderá utilizar-se desse instituto – idealizado como alternativa menos gravosa ao oferecimento da denúncia – nos casos de infrações reconhecidas como sendo de menor potencial ofensivo.
Desse modo, admitir a consolidação do fenômeno prescritivo durante o período de prova implicaria em injustificável esvaziamento da proposta de transação penal, tornando-a ineficiente, além de frustar as justas expectativas de reparação da vítima.
Irrazoável que um instituto, no qual o autor da infração submete-se voluntariamente ao cumprimento de pena alternativa, ainda que de modo antecipado, como forma de evitar os constrangimentos decorrentes do ajuizamento de uma ação penal, tenha os seus efeitos exauridos por força de prescrição, no exato momento em que o agente é obrigado a suportar um ônus a ele imposto como condição suspensiva de um gravame ainda maior”.
O STJ, contudo, refutou a tese, pois a Lei 9.099/95 não dispõe a respeito da suspensão do prazo prescricional em decorrência da aceitação da transação penal. Admitir a suspensão, portanto, caracteriza ofensa ao princípio da legalidade:
“Vale destacar que o regramento do referido instituto despenalizador prevê somente que a aceitação da proposta não gerará o efeito da reincidência, bem como impedirá a utilização do benefício novamente em um prazo de 5 anos (art. 76, § 4º, da Lei n. 9.099/1995).
Além disso, de acordo com o disposto na Súmula Vinculante n. 35 do Supremo Tribunal Federal, descumprido o acordo, poderá o Ministério Público oferecer a denúncia, momento em que se dará início à persecução penal em juízo.
Portanto, não há previsão legal de que, celebrado o acordo, e enquanto não cumprida integralmente a avença, ficará suspenso o curso do prazo prescricional.
Impende rememorar, nesse sentido, que, “em observância ao princípio da legalidade, as causas suspensivas da prescrição demandam expressa previsão legal” (AgRg no REsp n. 1.371.909/SC, relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 23/8/2018, DJe de 3/9/2018).
Cabe destacar que a Lei n. 9.099/1995, ao tratar da suspensão condicional do processo, instituto diverso, previu, expressamente, no art. 89, § 6º, que “não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo”. Assim, determinou, no caso específico do sursis processual, diferentemente da transação penal, que durante o seu cumprimento não correria o prazo prescricional.
Da mesma forma, semelhante previsão consta do art. 366 do Código de Processo Penal, que, ao cuidar da suspensão do processo, impõe, conjuntamente, a suspensão do curso do prazo prescricional.
Assim, a permissão de suspensão do curso do prazo prescricional sem a existência de determinação legal consubstancia flagrante violação ao princípio da legalidade”.
Para se aprofundar, recomendamos: