O art. 40, inc. VI, da Lei 11.343/06 majora a pena dos delitos tipificados nos arts. 33 a 37 se o crime envolver ou visar a atingir criança (menor de 12 anos) ou adolescente (com 12 anos completos, porém menor de 18) ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação (alienado metal, enfermo, senil, ébrio etc.).
O propósito do aumento é tornar mais severa a punição não só de quem se vale de inimputáveis – ou de outros vulneráveis – para viabilizar o comércio ilícito de drogas, mas também de quem de alguma forma busca atingir, com o comércio, essas mesmas pessoas, que não têm suficiente discernimento para avaliar as consequências nefastas do uso de substâncias psicotrópicas. Em resumo: a pena é aumentada tanto nas situações em que menores ou outras pessoas sem o necessário discernimento são cooptados para que atuem no tráfico quanto nas situações em que são visados na qualidade de consumidores.
O STJ proferiu diversas decisões no sentido de que a prova da menoridade dispensava a apresentação de certidão de nascimento ou documento semelhante, bastando que a condição do menor fosse demonstrada por qualquer meio dotado de fé pública, inclusive boletim de ocorrência baseado na simples declaração do indivíduo (AgInt no AREsp 852.726/SC, j. 17/05/2016). Mas, como havia divergência entre as turmas com competência criminal, a questão foi submetida à Terceira Seção, que, em 2019, impôs a necessidade de comprovação da menoridade por documento hábil (EREsp 1.763.471/DF, j. 14/08/2019). Recentemente, e agora sob o rito dos recursos repetitivos, o tribunal voltou a se debruçar sobre o tema e reiterou a orientação firmada em 2019:
“1. O Código de Processo Penal estabelecia, em seu art. 155 – antes mesmo da edição da Lei n. 11.690/2008 –, que a prova quanto ao estado das pessoas deveria observar as restrições constantes da lei civil. Atualmente, o dispositivo prevê, em seu parágrafo único: “Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”.
2. O Código Civil fixa, em seu art. 9º, a obrigatoriedade de registro, em assentamento público, dos seguintes acontecimentos: I – os nascimentos, casamentos e óbitos; II – a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz; III – a interdição por incapacidade absoluta ou relativa; IV – a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.
3. A legislação pátria relativiza a exigência de registro, em assentamento público, para a comprovação de questões atinentes ao estado da pessoa. Exemplificativamente, o art. 3º da Lei n. 6.179/1974 dispõe: “A prova de idade será feita mediante certidão do registro civil ou por outro meio de prova admitido em direito, inclusive assento religioso ou carteira profissional emitida há mais de 10 (dez) anos”.
4. Na mesma linha de raciocínio, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 74, em 15/4/1993. Confira-se o enunciado: “Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil”.
5. Em diversas situações – redução do prazo prescricional, aplicação da atenuante do art. 65, I, do Código Penal, comprovação da idade de vítima de crimes contra a dignidade sexual –, a jurisprudência desta Corte Superior considera necessária, para a comprovação da idade, a referência a documento oficial que ateste a data de nascimento do envolvido – acusado ou vítima. Precedentes. 6. No julgamento dos EREsp n. 1.763.471/DF (Rel. Ministra Laurita Vaz, 3ª S., DJe 26/8/2019), a Terceira Seção desta Corte Superior sinalizou a impossibilidade de que a prova da idade da criança ou adolescente supostamente envolvido em prática criminosa ou vítima do delito de corrupção de menores ser atestada exclusivamente pelo registro de sua data de nascimento, em boletim de ocorrência, sem referência a um documento oficial do qual foi extraída tal informação (como certidão de nascimento, CPF, RG, ou outro).
6. De fato, soa ilógico que, para aplicar medidas favoráveis ao réu ou que visam ao resguardo da dignidade sexual da vítima, por exemplo, se exija comprovação documental e, para agravar a situação do acusado – ou até mesmo para justificar a própria condenação – se flexibilizem os requisitos para a demonstração da idade.
7. Na espécie, a análise do auto de prisão em flagrante permite verificar que, ao realizar a qualificação do menor, a autoridade policial menciona o número de seu documento de identidade e o órgão expedido, circunstância que evidencia que o registro de sua data de nascimento não foi baseado apenas em sua própria declaração, pois foi corroborado pela consulta em seu RG. Logo, deve ser restabelecida a incidência da majorante em questão.
8. Recurso provido para restabelecer a incidência da majorante prevista no inciso VI do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 e, por conseguinte, readequar a pena imposta ao recorrido, nos termos do voto, assentando-se a seguinte tese: ‘Para ensejar a aplicação de causa de aumento de pena prevista no art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006 ou a condenação pela prática do crime previsto no art. 244-B da Lei n. 8.069/1990, a qualificação do menor, constante do boletim de ocorrência, deve trazer dados indicativos de consulta a documento hábil – como o número do documento de identidade, do CPF ou de outro registro formal, tal como a certidão de nascimento’” (REsp nº 1.619.265/MG, j. 07/04/2020).
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