Informativo: 684 do STJ – Direito Penal
Resumo: O deslocamento da majorante sobejante para outra fase da dosimetria, além de não contrariar o sistema trifásico, é a que melhor se coaduna com o princípio da individualização da pena.
Comentários:
O Código Penal, em seu artigo 68, adotou o sistema trifásico (ou Nélson Hungria) para o cálculo da pena privativa de liberdade. Assim, sobre a pena cominada:
1) na primeira fase, estabelece-se a pena-base atendendo às circunstâncias judiciais trazidas pelo artigo 59 do CP: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.
2) na segunda fase, sobre a pena-base incidirão eventuais circunstâncias agravantes e atenuantes (arts. 61, 62, 65 e 66);
3) na terceira fase, encerrando o quantum da reprimenda, serão consideradas as causas de diminuição e aumento de pena previstas tanto na Parte Geral como na Especial do Código.
Interpretando um dos diversos aspectos da aplicação da pena, o STJ concluiu que a existência de múltiplas circunstâncias majorantes não permite, por si, a incidência de diversas frações de aumento. O juiz deve sempre justificar a necessidade de exasperar a pena. É o que dispõe a súmula 443, que trata das causas de aumento no roubo:
“O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes”.
O tribunal tem decidido que, para conferir a maior eficácia possível ao princípio da individualização da pena, eventuais majorantes sobressalentes, isto é, que remanescem após a incidência de determinada fração de aumento, podem ser utilizadas em outras fases de aplicação da pena:
“A questão jurídica diz respeito, em síntese, à valoração de majorantes sobejantes na primeira ou na segunda fase da dosimetria da pena, a depender se a causa de aumento traz patamar fixo ou variável.
De início, ressalta-se que não é possível dar tratamento diferenciado à causa de aumento que traz patamar fixo e à que traz patamar variável, porquanto, além de não se verificar utilidade na referida distinção, o mesmo instituto jurídico teria tratamento distinto a depender de critério que não integra sua natureza jurídica.
Quanto à possibilidade propriamente dita de deslocar a majorante sobejante para outra fase da dosimetria, considero que se trata de providência que, além de não contrariar o sistema trifásico, é a que melhor se coaduna com o princípio da individualização da pena.
Com efeito, o sistema trifásico, trazido no art. 68 do Código Penal, disciplina que a fixação da pena observará três fases: a fixação da pena-base, por meio da valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal; a fixação da pena intermediária, com a valoração das atenuantes e das agravantes; e a pena definitiva, após a incidência das causas de diminuição e de aumento da pena.
O Código Penal não atribui um patamar fixo às circunstâncias judiciais nem às agravantes e atenuantes, as quais devem ser sopesadas de acordo com o livre convencimento motivado do Magistrado, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. As causas de aumento e de diminuição, por seu turno, já apresentam os patamares que devem ser utilizados, de forma fixa ou variável.
Segundo a doutrina, as causas de aumento também são chamadas de qualificadoras em sentido amplo e, “por integrarem a estrutura típica do delito, permitem a fixação da pena acima do máximo em abstrato previsto pelo legislador”.
Nessa linha de raciocínio, nos mesmos moldes em que ocorre com o crime qualificado, já existindo uma circunstância que qualifique ou majore o crime, autorizando, assim, a alteração do preceito secundário, ou a incidência de fração de aumento, considera-se correta a jurisprudência que prevalece no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que as qualificadoras e majorantes sobressalentes podem ser valoradas na primeira ou na segunda fase da dosimetria da pena.
De fato, da mesma forma que a existência de mais de uma qualificadora não modifica nem o tipo penal nem o preceito secundário, tem-se que a existência de mais de uma majorante também não autoriza a retirada da fração de aumento do mínimo, uma vez que se “exige fundamentação concreta, não sendo suficiente a mera indicação do número de majorantes”, nos termos do entendimento sumulado no verbete n. 443 da Súmula desta Corte.
Nesse contexto, a desconsideração tanto da qualificadora quanto da majorante sobressalentes acaba por violar o princípio da individualização da pena, o qual preconiza a necessidade de a pena ser aplicada em observância ao caso concreto, com a valoração de todas as circunstâncias objetivas e subjetivas do crime.
Ademais, referida desconsideração vai de encontro ao sistema trifásico, pois as causas de aumento (3ª fase), assim como algumas das agravantes, são, em regra, circunstâncias do crime (1ª fase) valoradas de forma mais gravosa pelo legislador. Assim, não sendo valoradas na terceira fase, nada impede sua valoração de forma residual na primeira ou na segunda fases.
A desconsideração das majorantes sobressalentes na dosimetria acabaria por subverter a própria individualização da pena realizada pelo legislador, uma vez que as circunstâncias consideradas mais gravosas, a ponto de serem tratadas como causas de aumento, acabariam sendo desprezadas. Lado outro, se não tivessem sido previstas como majorantes, poderiam ser integralmente valoradas na primeira e na segunda fases da dosimetria.
Por fim, não há se falar que o deslocamento da causa de aumento para a primeira fase permite o “agravamento do regime prisional por via transversa”, porquanto o que não se admite é a fixação de regime prisional mais gravoso sem a devida fundamentação. Assim, ainda que a pena-base seja fixada no mínimo legal, é possível a imposição de regime mais gravoso que o estabelecido em lei, desde que seja declinada motivação concreta” (HC 463.434/MT, j. 25/11/2020).
Para se aprofundar, recomendamos:
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