A doação consiste numa liberalidade sem contraprestação. É um contrato por meio do qual uma pessoa, por liberalidade ou benevolência, transfere bens ou vantagens para outra, sem receber contraprestação em virtude disso. O Código Civil Português utiliza as expressões “espírito de liberalidade e à custa do seu patrimônio”
A doação exige a declaração do doador que transfere gratuitamente um bem ao outro e a aceitação do donatário (esse segundo, porém, é divergente na doutrina. Para Maria Helena Diniz, a aceitação continua sendo elemento essencial da doação, pois “a doação não se aperfeiçoa enquanto o beneficiário não manifestar sua intenção de aceitar a doação.” Essa também é a posição de Anderson Schreiber (2019, p. 542). Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo, por sua vez, a aceitação não é mais elemento essencial do contrato. Para ele, basta a intenção de doar, ou seja, o ânimo do doador em fazer a liberalidade. Essa segunda posição também é defendida por Flávio Tartuce (2020, p. 1078).
A doutrina identifica três elementos essenciais no contrato de doação, A) o elemento objetivo que se consubstancia na coisa ou na vantagem que o doador se obriga a transferir ao donatário; B) o elemento subjetivo, que corresponde ao animus donandi ou intenção de doar e C) o elemento formal – ver SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 542-543.
A doação é um contrato unilateral, formal e gratuito, enquanto que a compra e venda é um contrato bilateral e oneroso.
Segundo a redação do artigo 544 do Código Civil, “a doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.” Em relação ao Código Civil de 1916 foi acrescido o cônjuge que é herdeiro necessário, nos termos do art. 1845.
De acordo com Renan Lotufo (Código Civil Comentado: volume 3. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 300):
“O nosso direito adota uma postura igualitária, criando a presunção de que as doações feitas em vida, entre essas pessoas ligadas diretamente por laços familiares, configurarão uma antecipação da legítima. Essa presunção tem por fim evitar fraude à orientação legal de sucessão equitativa entre herdeiros necessários no tocante à legítima. Essa previsão deve ser entendida como a doação entre herdeiros necessários. Trata-se de mais uma regra em prol da família.”
A doação dos ascendentes em favor dos descendentes representa, pois, uma antecipação ou adiantamento da herança que estes teriam quando da repartição dos bens falecido. É uma antecipação da legítima (quota que cabe aos herdeiros necessários ou metade indisponível do patrimônio líquido do titular). Desse modo, em futuro inventário, o sucessor favorecido apresentará o que lhe foi adiantado em vida – fará a colação dos bens –, de modo a equalizar e igualar a repartição dos bens.
Pretende-se concretizar um equilíbrio patrimonial dos donatários. A intenção é, no futuro, igualar ou tornar isonômica a futura partilha. Em razão disso, diferentemente, da compra e venda abordada antes, não há necessidade de consentimento dos demais herdeiros.
Por outro lado, a doação a descendente, naquilo que ultrapassa a parte de que poderia o doador dispor em testamento, no momento da liberalidade, é de ser qualificada inoficiosa e, portanto, nula (REsp 86518/MS, DJ de 03/11/1998 e REsp 1.361.983/SC, DJe 26/03/2014).
Na compra e venda, como dissemos em outro texto (https://bit.ly/2STpSjg) haverá anulabilidade se não ocorrer consentimento dos demais interessados. Na doação, por sua vez, o consentimento não é exigido para aferir a sua validade, pois a fiscalização e o controle serão exercidos quando aberta a sucessão.
Segundo Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (Código Civil Comentado. Salvador: Juspodvim, 2020, p. 629), “por isso, um pai pode doar, validamente, para um (ou alguns filhos), sem a aquiescência dos outros, sabendo que o ato importará em adiantamento da herança, com necessidade futura colação.”
Assim, se participar da herança, o donatário deve fazer a colação dos bens doados pelo falecido (de cujus) para igualar as legítimas (Código Civil, art. 1847). A ausência de colação, quando necessária, implicará em sonegação (ver art. 1992 do CC), sancionando-se o omissor com a perda dos bens antecipados.
De acordo com o STJ, consoante dispõe o art. 2.002 do CC, os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação. 3. Todavia, o dever de colacionar os bens admite exceções, sendo de ressaltar, entre elas, as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação (CC, art. 2005), ou, como no caso, em que os pais doaram aos filhos todos os bens de que dispunham, com o consentimento destes, fazendo constar, expressamente, dos atos constitutivos de partilha em vida, a dispensa de colação futura – vide REsp 1523552/PR, DJe 13/11/2015).
Cumpre registrar, porém, que no caso de doações entre cônjuges, a liberalidade apenas implica adiantamento da legítima no caso de bens particulares de cada um, pois, quanto aos bens comuns, os cônjuges não são herdeiros reciprocamente, mas, sim, meeiros. Por essa razão, as doações entre cônjuges devem respeitar o regime de bens do casamento. Assim, no casamento sob o regime de comunhão universal inexiste a possibilidade de doação entre os cônjuges, uma vez que o patrimônio é comum, com exceção dos bens mencionados no art. 1668 do CC/02 – vide ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Braga. Código Civil Comentado. Salvador: Juspodvim, 2020, p. 629.
Eventual prejuízo à legítima do herdeiro necessário, em decorrência da partilha em vida dos bens, deve ser buscada pela via anulatória apropriada e não por meio de ação de inventário. Diferentemente, da compra e venda, na doação não há necessidade de autorização dos demais descendentes, por uma razão muito simples: quando da futura abertura da sucessão deverá ocorrer a igualação
Espero que tenham gostado das distinções traçadas acima.
Abraço a todos.
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