O estelionato é tipificado no art. 171 do Código Penal e consiste em obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Da simples leitura do tipo percebe-se que, para existir o crime, necessário se faz a presença de três elementos:
a) fraude: lesão patrimonial realizada por meio de malicioso engano;
b) vantagem ilícita (se a vantagem é devida, o crime é de exercício arbitrário das próprias razões);
c) prejuízo alheio: a vítima deve sofrer um prejuízo patrimonial que corresponda à vantagem indevida obtida pelo agente.
Quando o tipo se refere a vantagem ilícita e a prejuízo alheio fica claro que a primeira pressupõe o segundo, pois quem obtém ilicitamente algum bem está evidentemente lesando o patrimônio do tertius e lhe impõe um prejuízo. O crime é portanto de duplo resultado, consumando-se somente após a efetiva obtenção da vantagem indevida, correspondente à lesão patrimonial de outrem.
Dadas as diversas circunstâncias em que o estelionato pode ser cometido, não raro surgem dúvidas a respeito do juízo competente para julgamento, pois nem sempre quem sofre o prejuízo e quem obtém a vantagem se encontram no mesmo local e, em tais situações, pode haver certa dificuldade para estabelecer com precisão onde o estelionatário realmente alcançou o proveito de seu ardil.
Em julgamentos recentes, a Terceira Seção do STJ tem diferenciado as situações nas quais a vítima é induzida, mediante fraude, a efetuar um pagamento esperando receber algo em troca de outras situações em que, também iludida, espera receber um pagamento por algo por ela dado em troca:
“1. Situação em que a vítima foi enganosamente induzida pelo investigado, à época seu namorado, a deixar que ele vendesse seu carro. No entanto, o investigado vendeu o automóvel, apropriou-se do valor da venda, oferecendo como pagamento dois cheques de terceiros que foram devolvidos: o primeiro, porque a assinatura não conferia e o segundo, porque o dono do talão de cheques havia solicitado a baixa junto ao banco sacado.
2. Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será de regra determinada pelo lugar em que se consumou a infração e o estelionato, crime material tipificado no art. 171 do CP, consuma-se no momento e lugar em que o estelionatário aufere proveito econômico em prejuízo da vítima.
3. Há que se diferenciar a situação em que o estelionato ocorre quando a vítima é ardilosamente induzida a, voluntariamente, depositar na conta do estelionatário o preço de uma mercadoria que jamais chega a receber, da hipótese (como a dos autos) em que a vítima, também iludida por um ardil, é levada a crer que o pagamento pelo produto por ela vendido foi ou será devidamente efetuado e, em consequência disso, voluntariamente entrega a mercadoria. Na primeira das situações (em que pagamentos são feitos pela vítima ao estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o dinheiro sai efetivamente da disponibilidade financeira da vítima. Tratando-se de pagamento por meio de cheque, transferência bancária ou cartão de crédito, isso ocorre quando os valores saem da entidade financeira sacada. Por esse motivo, em tais casos entende-se que o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque, seja dizer, onde a vítima possui conta bancária. Já na segunda hipótese, em que a vítima é a vendedora do produto, o estelionatário aufere proveito econômico em prejuízo da vítima quando recebe a mercadoria e não chega a pagar por ela. Em tais situações, por óbvio, o local em que é obtida a vantagem ilícita é o local da retirada do produto.” (CC 158.703/DF, j. 22/08/2018)
No caso julgado, a vítima havia entregado o automóvel para que seu namorado o vendesse e esperava receber o valor correspondente à alienação. O indivíduo efetuou a venda mas não repassou o dinheiro à proprietária, apropriando-se indevidamente da quantia. Devido às circunstâncias, estabeleceu-se a competência no local em que retirado o bem, onde se obteve a vantagem.
Se, ao contrário, a vítima pretendesse comprar um veículo e fosse induzida a efetuar o pagamento ao estelionatário, considerar-se-ia competente o juízo do local em que o dinheiro tivesse efetivamente saído da esfera de disponibilidade da vítima. No caso de um pagamento por cheque ou por transferência interbancária, por exemplo, a competência recairia no local da agência bancária em que a vítima mantivesse sua conta, pois o momento da saída do numerário corresponderia à obtenção da vantagem pelo agente.
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