Cometido um crime de menor potencial ofensivo, isto é, cuja pena máxima não seja superior a dois anos, o art. 76 da Lei 9.099/95 permite ao Ministério Público a proposição de transação penal, desde que: a) o agente não tenha sido definitivamente condenado, pela prática de crime, a pena privativa de liberdade; b) nem tenha sido beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela transação penal; c) indiquem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
A transação penal é medida despenalizadora que evita a deflagração da ação penal por meio do cumprimento de obrigações normalmente correspondentes a penas restritivas de direitos ou multa. Uma vez oferecida a proposta – o que normalmente acontece antes da elaboração da denúncia, mas, na prática, acaba também ocorrendo na própria cota de oferecimento da inicial ou mesmo em momento posterior –, designa-se audiência para que o agente tome ciência de seu conteúdo e se manifeste sobre se concorda em se submeter à medida indicada. Caso concorde, aguarda-se o tempo necessário para o cumprimento da medida, que, a depender do caso, pode ser executada ao longo de alguns meses. E, caso o agente não cumpra a obrigação assumida, é possível ao Ministério Público oferecer a denúncia, pois a decisão homologatória da transação penal não faz coisa julgada material. É o que estabelecem a súmula vinculante 35 e a tese nº 8 da edição 93 da Jurisprudência em Teses do STJ.
Diante da possibilidade de que o expediente criminal seja retomado, há certa controvérsia a respeito da possibilidade de impetração de habeas corpus para trancar a ação penal.
Em decisão proferida há alguns meses, o STJ concluiu que, uma vez aceita a proposta de transação, não é possível lançar mão da ação constitucional:
“A defesa impetrou, perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, habeas corpus, no qual aduziu a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para a ação penal. Nesse interregno, sobreveio alteração da capitulação legal dos fatos narrados e, por conseguinte, a formulação de proposta de transação penal, que foi aceita pela defesa, razão pela qual o referido writ foi julgado prejudicado de forma monocrática. A transação penal, prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/1995, prevê a possibilidade de o autor da infração penal celebrar acordo com o Ministério Público (ou querelante), mediante a imposição de pena restritiva de direitos ou multa, obstando, assim, o oferecimento da denúncia (ou queixa). Trata-se de instituto cuja aplicação, por natureza e como regra, ocorre na fase pré-processual. Por conseguinte, visa impedir a instauração da persecutio criminis in iudicio. E é por esse motivo que não se revela viável, após a celebração do acordo, pretender discutir em ação autônoma a existência de justa causa para ação penal. Trata-se de decorrência lógica, pois não há ação penal instaurada que se possa trancar. Por fim, vale asseverar que a impossibilidade de impetração de habeas corpus neste caso não significa malferimento à garantia constitucional insculpida no art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal. Tal entendimento decorre da constatação de que, por acordo das partes, em hipótese de exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, deixou-se de formular acusação contra o acusado, possibilitando a solução da quaestio em fase pré-processual, de forma consensual. Portanto, seria incompatível e contraditório com o instituto da transação permitir que se impugne em juízo a justa causa de ação penal que, a bem da verdade, não foi deflagrada” (HC 495.148/DF, j. 24/09/2019). |
Mas a 2ª Turma do STF, julgando habeas corpus impetrado pelo mesmo indivíduo contra a decisão do STJ, contrariou a orientação adotada anteriormente e concluiu que a ação constitucional continua viável após a transação penal.
Segundo o ministro Gilmar Mendes – seguido pelos demais componentes da 2ª Turma –, não há nenhuma disposição legal que limite o acesso à Justiça nos casos em que o agente decide aderir à proposta de transação penal. Além disso, o fato de alguém ter inicialmente concordado com os termos do acordo não significa que não possa haver riscos a direitos fundamentais decorrentes desse negócio jurídico, razão por que é importante que se mantenha a possibilidade de um controle fático-probatório pelo juiz, que pode assim garantir a voluntariedade do agente ao aderir à proposta.
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Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos