Caracteriza-se o crime de roubo na situação em que o agente, visando a apoderar-se do patrimônio alheio, lança mão de: a) violência; b) grave ameaça c) ou qualquer outro meio capaz de impossibilitar a vítima de resistir ou defender-se.
Entende-se por violência o constrangimento físico da vítima (emprego de força sobre seu corpo), que lhe retira os meios de defesa para subtrair o bem; a grave ameaça consiste na intimidação, isto é, na coação psicológica, na promessa, direta ou indireta, implícita ou explícita, de castigo ou de malefício; o terceiro modus operandi refere-se ao emprego de outro meio, que não a violência ou grave ameaça, porém a ela equiparada (violência imprópria), que retira da vítima a sua capacidade de oposição (emprego de drogas, soníferos, hipnose etc.).
O crime de roubo é majorado por diversas circunstâncias, sendo que nos interessa neste momento aquela segundo a qual a pena sofre aumento de um terço até a metade se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
A nosso ver, inserem-se nesta circunstância todas as situações nas quais a vítima, em razão de sua profissão, transporta bens, dinheiro ou outros objetos de valor econômico, como metais preciosos, por exemplo. Sem razão, assim, aqueles que buscam limitar o aumento apenas aos casos de transporte de valores das casas bancárias (carros-fortes). Neste sentido é a lição de Rogério GrecoCurso de Direito Penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014, p. 72:
“Dessa forma, incide a majorante se o serviço da vítima era, no momento em que foi abordada pelo agente, o de transportar valores, que, segundo Hungria, ‘tanto podem ser representados por dinheiro, como por qualquer outro efeito que se costuma transportar (n.b.: transportar, e não portar), como sejam: pedras preciosas, ouro em pó ou em barra, selos, estampilhas, títulos ao portador etc.’.
Não há necessidade, ainda, que o serviço praticado pela vítima seja o de, especificamente, transportar valores, a exemplo do que ocorre com o transporte de dinheiro em carro-forte. Poderá, por exemplo, um office-boy, que, sempre no final da tarde, leva os valores arrecadados no local onde trabalha, a fim de que sejam depositados numa agencia bancária. Nesse caso, podemos afirmar que, naquele momento específico, estava a serviço de transporte de valores”.
Diante disso, indaga-se: o roubo cometido contra os Correios pode ser inserido na majorante? A reposta é sem dúvida positiva.
Nos últimos tempos a quantidade de crimes patrimoniais cometidos contra agentes dos Correios em serviço tem aumentado vertiginosamente, não só nas agências como principalmente durante o transporte de objetos. Em várias cidades funcionários reivindicam que os veículos que transportam os objetos para entrega sejam escoltados por policiais e, quando isso não é possível – o que é muito comum, dada a deficiência material para o próprio patrulhamento de policiais em diversos Estados –, tem sido recorrente a recusa de atendimento em determinados locais onde os roubos ocorrem com mais frequência.
Esse aumento de crimes contra os agentes dos Correios reflete, evidentemente, a atração que as mercadorias transportadas tem exercido sobre os criminosos, ou seja, é o valor econômico das mercadorias que, para o criminoso, torna compensador o risco da abordagem e de toda a ação criminosa, o que sem dúvida torna mais grave a ação. O propósito da majorante é conferir maior proteção às pessoas que, no desempenho de sua atividade laboral, transportam valores justamente porque essas pessoas se tornam alvos mais atrativos para roubadores, e ignorar essa circunstância sobre os agentes dos Correios constitui clara deficiência da tutela penal, o que em última análise ofende o princípio da proibição da proteção deficiente. Ademais, a orientação adotada pelo STJREsp 1.309.966/RJ, j. 26/08/2014 é de que a majorante deve ser aplicada:
“A pena do delito de roubo é majorada se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância, salientando-se que o termo “transporte de valores” deve abranger outros bens e produtos de valor econômico. Na hipótese, as vítimas eram funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que transportavam produtos cosméticos de expressivo valor econômico e liquidez”.
Mas de quem é a competência para julgar o crime de roubo cometido contra os Correios? É da Justiça Estadual ou da Justiça Federal? São diversas as situações que podem determinar a competência de julgamento.
A Empresa de Correios e Telégrafos – ECT tem natureza jurídica de empresa pública, ou seja, é pessoa jurídica de direto privado composta por capital exclusivamente público. Observada a regra disposta no art. 109, inciso IV, da Constituição FederalArt. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; concluiríamos que a competência recai na Justiça Federal. De fato, isso pode ocorrer, mas nem sempre será assim.
Isto porque os Correios operam também com o sistema de agências franqueadas, pessoas jurídicas de direito privado selecionadas por meio de licitação. Dessa forma, há as agências próprias e as abertas por meio de contrato de franquia que estabelece a responsabilidade do próprio franqueado quanto ao ressarcimento de danos decorrentes de furtos e roubos.
Conclui-se, portanto, que a competência para o julgamento do roubo cometido em agência dos Correios será determinada de acordo com a natureza daquele estabelecimento: se próprio da empresa pública, o julgamento se dá na Justiça Federal; se franqueado, na Justiça Estadual. É o que tem decidido a Terceira Seção do STJCC 145.800/TO, j. 13/04/2016:
“1. Compete à Justiça Estadual o processamento de inquérito policial iniciado para apurar o delito, em tese, de roubo praticado em posto de agência dos Correios e Telégrafos – EBCT que se enquadra como agência franqueada. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o fundamento que justifica a exclusão de danos financeiros à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos quando o furto ou roubo ocorre em agência franqueada é o fato de que, no contrato de franquia, a franqueada responsabiliza-se por eventuais perdas, danos, roubos, furtos ou destruição de bens cedidos pela franqueadora, não se configurando, portanto, real prejuízo à Empresa Pública. Precedentes: CC 116.386⁄RN, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25⁄05⁄2011, DJe 07⁄06⁄2011 e CC 27.343⁄SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08⁄08⁄2001, DJ 24⁄09⁄2001, p. 235. 3. Não se revela preponderante, para a fixação da competência na situação em exame, o fato de que os funcionários da agência de Correios foram ameaçados por armas de fogo, pois, a despeito de o delito de roubo tutelar, também, a proteção à integridade física do ser humano, seu aspecto primordial relaciona-se à tutela ao patrimônio, até porque o tipo do art. 157 está incluído no capítulo dos delitos contra o patrimônio. 4. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Axixá do Tocantins⁄TO, o Suscitante, para o processamento e julgamento do presente inquérito policial”.
Note-se que esse entendimento diz respeito ao roubo cometido contra o patrimônio da agência dos Correios, pois, no caso em que a subtração atinge os bens transportados por Sedex, por exemplo – ainda que por agente terceirizado –, o STJCC 133.571/SP, j. 24/09/2014 considera que se trata de crime cometido contra o serviço postal, que atrai a competência da Justiça Federal:
“1. Nos crimes praticados com dano à agência franqueada dos Correios, como no roubo aos valores de caixa da empresa, a competência será da jurisdição estadual, mas nos danos ao serviço postal, pelo extravio ou supressão de correspondência, dá-se a competência da jurisdição federal, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal. 2. Evidenciado o dano ao serviço postal, em razão do roubo de material enviado por SEDEX, está caracterizada a lesão ao serviço-fim dos Correios, a atrair a competência federal”.
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